As empresas varejistas podem ter os seus custos essenciais e inerentes relacionados diretamente às suas atividades comerciais enquadrados no conceito de insumos para fins de creditamento do PIS e COFINS.
Em 19/05/2016, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da Terceira Seção de Julgamento do CARF ao analisar um auto de infração que fora lavrado em face de uma rede de supermercados (Acórdão 3301-002.978), entendeu que com base no princípio da não-cumulatividade deveriam ser admitidos os créditos a título de insumos no caso das empresas que atuam no ramo do comércio, tendo em vista a qualidade meramente exemplificativa do texto constante no artigo 3º das Leis 10.637/02 e 10.833/03.
Vale esclarecer que a sistemática do regime da não-cumulatividade foi inserida em nosso ordenamento jurídico para o PIS e COFINS com a publicação das Leis 10.637/02 e 10.833/03, que indicaram em seus artigos 3º lista enumerativa das despesas que dariam direito a crédito para fins de apuração da base de cálculo de ambas as contribuições.
Tal sistemática não é nova no ordenamento jurídico brasileiro, tendo sido introduzida, inicialmente, para o IPI e para o ICMS, conforme disposto respectivamente nos artigos 155, §2º e 153, §3º, inciso II, da Constituição Federal.
Em ambos os casos, a Constituição Federal determina que a não cumulatividade será traduzida na compensação do que for devido em cada operação com o montante recolhido nas anteriores. Nessa medida, a não cumulatividade tem como intuito desonerar a circulação ou produção de mercadorias, conforme o caso, evitando a “incidência em cascata” dos referidos tributos.
Cabe esclarecer que, a despeito de a Constituição não definir expressamente o conceito de não-cumulatividade, tal fato não autoriza que a definição da questão seja delegada ao legislador ordinário, pois conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Se o legislador ou o aplicador da regra pudessem delinear, ao seu talante, o campo de restrições a que estão submetidos, através da redefinição das palavras constitucionais, assumiriam, destarte, a função de constituintes.”
Portanto, a ausência de definição expressa não autoriza a conclusão de que o conteúdo do conceito de não-cumulatividade deva ser delimitado no âmbito infraconstitucional. Bem ao contrário, esse silêncio decorre da prévia existência desse conceito, que, assim, foi incorporado implicitamente ao texto constitucional.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região corrobora esse entendimento, conforme asseverou recentemente o Juiz Federal Leandro Paulsen quando do julgamento da Apelação Cível 0000007.25.2010.404.7200:
“(…) o legislador não é livre para definir o conteúdo da não-cumulatividade. Seja com suporte direto na lei ordinária (não havia vedação a isso) ou no texto constitucional (passou a haver autorização expressa), certo é que a instituição de um sistema de não cumulatividade deve guardar atenção a parâmetros mínimos de caráter conceitual. A não-cumulatividade pressupõe uma realidade de cumulação sobre a qual se aplica a sistemática voltada a afastar os seus efeitos. Lembre-se que, forte na não-cumulatividade, as alíquotas das contribuições foram mais do que dobradas (de 0,65% para 1,65%, de 3% para 7,6%), de modo que os mecanismos compensatórios tem de ser efetivos.” (grifos nossos)
Pois bem, paralelamente ao que ocorre com o ICMS e IPI, a não-cumulatividade de PIS e COFINS deve ser entendida, do ponto de vista constitucional, como uma sistemática voltada à desoneração da receita ou faturamento.
Assim, segundo o regime de apuração não-cumulativa do PIS e da COFINS, os contribuintes ficaram autorizados a descontar da base de cálculo das referidas contribuições créditos calculados em relação à bens de revenda, insumos, energia elétrica, aluguéis, despesas financeiras, ativo imobilizado, edificações e devoluções de bens, entre outros.
Desta feita, resta inquestionável no plano constitucional, que deve ser respeitado pela administração pública o aproveitamento de créditos de PIS e COFINS na forma como realizado por diversos contribuintes, já que na maioria das vezes as despesas questionadas pelas autoridades administrativas se caracterizaram como imprescindíveis para a realização de sua atividade empresarial, não havendo como desconsiderá-las para fins de apuração do PIS e a COFINS, sob pena de tais tributos incidirem sobre base de cálculo superior ao mero valor agregado em etapa posterior.
Nesse sentido, à luz do artigo 3º das Leis 10.637/02 e 10.833/03, que prevê as hipóteses que possibilitam a apuração de créditos de PIS e de COFINS pela pessoa jurídica, infere-se que qualquer bem ou serviço aplicado ou consumido na produção ou fabricação ou comercialização do produto dá ensejo ao creditamento para fins de apuração da base de cálculo do PIS e da COFINS.
Ou seja, de acordo com o regime da não-cumulatividade, é assegurado às pessoas jurídicas a ele sujeitas o direito a créditos de PIS e de COFINS, os quais serão calculados, entre outros, com relação: (a) à despesas com aluguéis de imóveis, máquinas e equipamentos; (b) à despesas com energia elétrica; (c) aos bens adquiridos para o ativo imobilizado, (d) aos encargos de depreciação dos bens registrados no seu ativo imobilizado e (e) aos bens e serviços utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, nos termos do artigo 3º das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03.
Com relação às despesas desconsideradas como insumo, inicialmente, é importante destacar que, de acordo com o regime da não-cumulatividade, darão direito a crédito de PIS e de COFINS as despesas com bens e serviços utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção e fabricação de bens ou produtos destinados à venda.
Nem poderia ser diferente, haja vista que insumo é vocábulo oriundo da Ciência Econômica, tendo o seguinte conceito: “a quantidade de bens e serviços que entra no processo de produção; dados de entrada; inserir dados”.
Após muita discussão, diante das possíveis dúvidas acerca do conceito de insumo para fins da apuração de créditos de PIS e de COFINS, a jurisprudência vem se firmando no sentido de que, dada a sistemática da não-cumulatividade dessas contribuições, tal conceito não deve ser entendido de forma tão restritiva como pretendido pelas referidas Instruções Normativas, devendo abranger se não todas as despesas necessárias da pessoa jurídica, ao menos, os custos essenciais e inerentes relacionados diretamente ao processo produtivo.
Contudo, as empresas comerciais/varejistas que são muito importantes para a economia, vinham sendo excluídas dessa discussão sobre a possibilidade de apuração de créditos de PIS e de COFINS das despesas com bens e serviços utilizados como insumo em suas atividades, em face do entendimento das autoridades administrativas de que a hipótese prevista seria destinada unicamente a pessoas jurídicas industriais ou prestadoras de serviços, conforme disposto na Solução de Consulta 42/13.
Tal entendimento vinha sendo seguido por grande parte da jurisprudência administrativa e judicial, o que denota a notória relevância deste tema para o direito tributário e para o processo administrativo fiscal no auxílio em imprimir maior transparência e segurança jurídica de suas decisões, além de incrementar o diálogo entre a administração tributária e os contribuintes.
No entanto, quando do julgamento pelo CARF do caso da Magazine Luiza em 12/11/2014, o Conselheiro Luiz Rogério Sawaya proferiu declaração de voto no sentido de que a atividade econômica geradora de receitas (base de cálculo do PIS/COFINS) não se resumiria à industrialização, mas sim a todo tipo de exercício, o que compreenderia a venda de bens (atacado/varejo), prestação de serviços, e a realização de outras atividades que classicamente não se subsumiriam aos atuais critérios jurídicos de classificação da atividade de comercialização e prestação de serviços.
Esse entendimento baseado no artigo 195 da Constituição Federal ganhou força no CARF e culminou no entendimento dos julgadores de que o princípio da não-cumulatividade teria status constitucional o que culminaria na impossibilidade de sua limitação através de legislação inferior. Nesse sentido, deveria ser admitido o conceito de insumo na legislação para fins de apuração de créditos de PIS e COFINS para empresas que atuam no ramo do comércio, em face da inteligência de que seria meramente exemplificativa a lista constante no referido artigo 3º.
Diante do exposto, independentemente do ramo de negócio deve ser analisado pelas autoridades administrativas e contribuintes, cada caso concreto com foco na atividade específica desenvolvida pela empresa para que se possa avaliar o enquadramento no conceito de insumo para fins de creditamento do PIS e da COFINS.
Por Allan George de Abreu Fallet
Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas; Especialista em Tributação Internacional pela Northwestern University e Universiteit Leiden, em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público e em Processo Administrativo Fiscal pela Associação Brasileira de Direito Financeiro. Coordenador Tributário do escritório Cabanellos Schuh Advogados Associados e Membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB em São Paulo.
Fonte: Jota
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