Empresas com processos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que envolvem o uso de ágio e das chamadas empresas veículo, ganharam um importante precedente no órgão, que contraria casos já julgados com operações semelhantes. A decisão da 1ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção é favorável à Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (Cteep).
Apesar do emprego de empresas veículo – criada para auxiliar operações societárias – ser comum, a estratégia é vista com desconfiança e muitas vezes "condenada" pela Receita Federal. Por isso, advogados destacam a importância da decisão. A autuação questionada pela companhia se refere a operações realizadas entre 2006 e 2007.
Posteriormente, a Cteep incorporou sua controladora, voltou ao controle da Isa Capital e absorveu o ágio sobre suas próprias ações e passou a amortizá-lo e deduzi-lo.
Para o Fisco, o único objetivo dessa reestruturação seria permitir o registro do ágio e seu posterior aproveitamento para reduzir o pagamento de tributos. Por isso, a empresa foi autuada em R$ 62 milhões referentes a Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em 2009, incluindo multa de ofício e juros de mora.
Já a empresa defendeu cumprir os requisitos básicos para a amortização de ágio. A companhia alegou ainda que precisava realizar a operação dessa forma por força de normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já recorreu da decisão, apontando entendimentos diferentes para o mesmo caso. Caberá à Câmara Superior do órgão resolver qual entendimento deve prevalecer.
O ágio é um valor pago, em geral, pela rentabilidade futura da companhia adquirida ou incorporada. Pode ser registrado como despesa nos balanços e reduzir o valor a recolher do Imposto de Renda e da CSLL. A operação é permitida por lei, mas a Receita Federal costuma autuar contribuintes quando interpreta que o único objetivo foi reduzir a carga tributária.
O relator do processo no Carf, conselheiro Waldir Veigas Rocha, defendeu a operação. "O uso de ‘empresa veículo’, por si só, é insuficiente para desqualificar a via adotada pela interessada, a qual, ressalto, não é vedada pela legislação", afirmou.
Para ele, a posição é reforçada no caso concreto, em que a operação direta – que permitiria o aproveitamento fiscal do ágio sem qualquer questionamento – encontrava empecilhos societários e regulatórios, por causa das normas da CVM e da Aneel.
O voto foi acompanhado por outros cinco conselheiros. Para eles, não se pode qualificar como ilícita a opção por um caminho facultado pela legislação, ainda que tenha como objetivo a economia tributária. Ficou vencido apenas o conselheiro Wilson Fernandes Guimarães.
Este mesmo conselheiro teve o voto vencedor quando a turma julgou em 2015 outra autuação à Cteep, referente à mesma operação e que engloba cobrança relativa ao período de 2008. A sessão foi realizada antes do colegiado ter sua composição alterada.
Na ocasião, Guimarães foi acompanhado por metade dos colegas e o desempate coube ao presidente da turma. Prevaleceu o entendimento de que, por falta de previsão legal, o ágio decorrente de aquisição de participação societária, uma vez transferido para empresa veículo por meio de aumento de capital, não pode ser usado para amortização antecipada.
O julgamento foi apontado como paradigma pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para recorrer da recente decisão e levar o tema para análise da Câmara Superior. "O ágio não é um direito adquirido do contribuinte. É preciso cumprir alguns requisitos legais", afirmou o procurador Marco Aurélio Zortea Marques. Segundo ele, as imposições de órgãos ou agências reguladoras não podem servir para "contornar" normas tributárias.
Há diferentes formas de usar empresa veículo e os precedentes costumam ser desfavoráveis aos contribuintes, segundo o advogado e ex-conselheiro do Carf Luiz Rogério Sawaya. "Empresa veículo se tornou palavrão no Conselho. Esse julgamento mostra que há casos e casos", disse o tributarista.
Empresas veículo podem ser usadas em operações de privatização envolvendo empresas privadas ou mesmo companhias nacionais, como no caso julgado. A Câmara Superior chegou a enfrentar o assunto no começo do ano, ao julgar cobrança referente a amortização de ágio em operação de privatização da Celpe. A tributação foi mantida no caso.
Para a advogada Thaís Meira, do BMA Law, a recente decisão da 1ª Turma é importante porque, apesar das peculiaridades, permite a empresa veículo. "A decisão determina que a existência de empresa veículo não é o suficiente para desconstituir o ágio", afirmou.
Procurada pelo Valor, a Cteep informou que não comenta processos em andamento.
Fonte: Valor | Por Beatriz Olivon | De Brasília
Via Alfonsin.com.br
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