Warren Buffett parece uma estrela do rock. Todos os anos, dezenas de milhares de admiradores do mundo inteiro viajam a Omaha, Nebraska, nos Estados Unidos, para ouvi-lo falar na assembleia de acionistas de sua empresa, a Berkshire Hathaway. Muitos dos que comparecem ao evento (apelidado por Buffett de “Woodstock para capitalistas”) fazem da reunião um ritual em que prestam homenagem ao homem que os fez ganhar dinheiro graças às ações da Berkshire e às ideias para investir e fazer negócios.
São famosas, por exemplo, as cartas de Buffett a seus acionistas, que podem ser consultadas na internet. Nelas, ele analisa os bons e maus negócios, oferece exemplos de gestores que tratam bem os clientes e os funcionários e obtêm bons lucros ao mesmo tempo, e revela truques contábeis que enganam investidores.
Em algumas cartas, Buffett chega a dizer que só se devem pagar bonificações a executivos quando o desempenho de longo prazo de sua empresa for melhor que o dos concorrentes. Em outras, alerta sobre desastres iminentes, como quando garantiu que os derivativos (instrumentos financeiros que são produtos apoiados em garantias) se tornariam “armas financeiras de destruição em massa”. Durante a crise hipotecária norte-americana, que contaminou o mundo, declarou que os ricos, como ele, deveriam ter alíquotas de impostos mais pesadas do que os assalariados, como sua secretária, por exemplo.
[Na carta de 2016, ao comentar a participação da Berkshire na Kraft Heinz, empresa que surgiu em março do ano passado a partir da fusão das duas gigantes do setor de alimentos, Buffett elogia o brasileiro Jorge Paulo Lemann e a equipe do 3G Capital. “Jorge Paulo e seus associados não poderiam ser sócios melhores. Compartilhamos uma paixão por comprar, construir e manter grandes empresas que satisfazem necessidades básicas e desejos”, escreve. “Nossa parceria na Heinz com Jorge Paulo Lemann, Alex Behring e Bernardo Hees mais do que dobrou de tamanho no ano passado com a fusão com a Kraft.” E acrescenta: P método deles, no qual eles têm sido extremamente bem-sucedidos, é comprar empresas que oferecem uma oportunidade para eliminar custos desnecessários e depois fazem o necessário para concluir o trabalho. Suas iniciativas aumentam a produtividade, um fator importante no crescimento econômico dos Estados Unidos nos últimos 240 anos”.]
Seu movimento mais importante talvez tenha sido doar à fundação de Bill & Melinda Gates grande parte de sua fortuna, a ser aplicada, principalmente, em medicina e educação nas próximas décadas. “A ideia de passar a riqueza à geração seguinte para que meus descendentes possam administrar os recursos alheios só porque são de minha família contradiz totalmente uma sociedade baseada na meritocracia”, já afirmou. E, diferentemente de quase todos os outros filantropos, Buffett não criou uma fundação nem construiu pavilhões de hospitais ou museus para perpetuar seu nome.
Máquina de fazer dinheiro
No final da década de 1970, Buffett tinha investido US$ 15,4 milhões na compra de 46% da Berkshire, incluindo 3% para sua então esposa Susan, falecida em 2004 (ele casou-se novamente). Pagara, em média, US$ 32,45 por ação (hoje, os papéis da Berkshire estão cotados acima de US$ 100). Em 30 anos, Buffett fez sua fortuna crescer mais de 3 mil vezes. Esse enorme acúmulo de capital se apoia em um método de investimento que ele aprendeu com o economista Benjamin Graham: usar o bom senso e a matemática básica na hora de analisar a economia de uma empresa. Buffett compra empreendimentos, não ações, ignora as flutuações do mercado de capitais e sempre opera com uma margem de segurança.
Depois de frequentar a Wharton Business School, Buffett voltou à Columbia University para estudar sob a orientação de Graham. Em 1951, obteve seu MBA. Mais tarde, modificou o modelo de seu professor, que propunha contar com uma carteira muito diversificada de ações baratas, e realizou investimentos concentrados em algumas poucas empresas, fáceis de entender, estáveis e prósperas, dirigidas por gestores qualificados e preocupados com os acionistas. Os lucros e o valor da Berkshire aumentaram graças a uma combinação de investir os prêmios das apólices de suas operações de seguros e resseguros na aquisição de empresas como a See’s Candies (chocolates), a Borsheim’s (joias) e a MidAmerican Energy (serviços de energia) e pôr o fluxo de caixa livre destas em papéis de liquidez relativamente baixa e, portanto, de baixo custo de transação, como os do Washington Post, da Coca-Cola, da American Express e da Procter & Gamble. É claro que a mágica matemática dos lucros compostos também ajudou a Berkshire Hathaway a multiplicar sua riqueza com o passar do tempo.
As três regras de Buffett para a gestão de uma carteira de investimentos são: 1) não perder dinheiro; 2) não se esquecer da regra 1; 3) não se endividar. Segundo sua biógrafa, a capacidade de concentração, a racionalidade, a confiança, o interesse pelo aprendizado constante e a ambição de enriquecer com raízes na infância foram os grandes impulsionadores do sucesso de Buffett. Por outro lado, o fundador da Berkshire Hathaway também soube cercar-se de talentos, atraídos por sua franqueza e justiça e pela liberdade de poder trabalhar sem interferências.
Buffett reconhece que também cometeu vários equívocos. O maior foi ter comprado a fabricante de calçados Dexter Shoes por US$ 433 milhões em 1993 e, depois, piorar a situação pagando-a com 1,6% das ações da Berkshire, o que custou aos acionistas mais de US$ 2,2 bilhões –no valor atual dos papéis. As operações têxteis originais da Berkshire foram outro erro, liquidado em 1985, após anos de prejuízos. Embora a venda tenha lhe dado o capital para ingressar no negócio dos seguros –“o pilar da empresa”, como ele mesmo diz–, os funcionários que perderam o emprego receberam indenizações mínimas quando demitidos.
Naturalmente, os êxitos de Buffett são muito mais numerosos que seus fracassos. Na bolsa de valores, conta Schroeder, sua estratégia observa rigorosamente o princípio fundamental de Graham, de contar com uma margem de segurança. Diante da euforia dos mercados altistas, Buffett costuma mostrar-se temeroso enquanto outros atuam com ganância; ele realiza lucros com alguns papéis e poupa o caixa gerado pelos negócios da Berkshire. Foi o que fez quando vendeu sua participação na PetroChina por US$ 4 bilhões, em 2007, em meio ao rápido aumento dos preços do petróleo e à loucura por investir em mercados emergentes (tinha adquirido essa participação em 2002 e 2003 por US$ 488 milhões). Já quando ocorrem quedas abruptas na bolsa de valores ou na economia, Buffett faz o contrário: compra boas empresas a preços atraentes.
Homem de sorte
Alice Schroeder descreve Buffett co-mo uma pessoa complexa, que tem habilidade para aproveitar as oportunidades que se lhe apresentam. Na década de 1940, quando era adolescente, vivia em Washington com a família. Seu pai, grande amigo e exemplo de vida de Buffett, era um deputado republicano ultraconservador do estado de Nebraska. E o menino Warren já comprava máquinas de fliperama operadas com moedas e as instalava em barbearias de bairros pobres, dividindo o lucro com os proprietários dos estabelecimentos.
Mais tarde, em meados dos anos 1970, conseguiu sair ileso de uma investigação feita pela SEC, a comissão de valores mobiliários dos EUA, a respeito da compra da participação majoritária na Wesco Financial, imediatamente depois de uma tentativa de aquisição da seguradora por outra empresa ter fracassado. Na verdade, o insucesso foi provocado por Buffett e seu sócio Charles Munger, interessados em ficar com a Wesco. Em 1976, sem admitir nem negar más práticas de compra, Buffett e Munger acertaram com a SEC US$ 115 mil de indenização aos acionistas da Wesco. Dessa maneira, Buffett evitou ser multado, o que teria representado um “dano terrível e irreversível” a sua reputação.
O acordo com a SEC fez com que Buffett e Munger dissolvessem sua intrincada estrutura de pequenas participações em numerosas empresas e, com o tempo, reunissem todas na Berkshire. Schroeder escreve em seu livro que, para estruturar a Berkshire, Buffett se inspirou em outro investidor, Jay Pritzker, cuja família é proprietária dos hotéis Hyatt. Será que também procurava minimizar o pagamento de impostos, como Pritzker, com um labirinto de empresas controladas por outros?
Decisões equânimes
Na linguagem popular, Buffett sempre se preocupou em “dar uma no cravo, outra na ferradura”. Vejamos:
• Em 1957, fundou sua sociedade de investimentos com US$ 105 mil fornecidos por familiares e amigos e com apenas US$ 100 do próprio bolso. Quando fechou a empresa, em 1969, possuía US$ 26,5 milhões dos US$ 100 milhões em ativos da sociedade, graças à retenção e capitalização de seus honorários sobre a base crescente de ativos. Ao contrário dos gestores de investimentos de hoje, que cobram taxas altíssimas, Buffett aceitou arcar com um quarto dos prejuízos, caso ocorressem –algo que nunca teve de fazer, já que sua sociedade recebeu lucros anuais compostos de 31% em seus 12 anos.
• Nos anos 1980, opôs-se publicamente às chamadas “táticas de greenmail ”, praticadas por caçadores corporativos que, depois de comprar grandes pacotes de ações, ameaçavam desalojar a gerência e só se retiravam se os acionistas concordassem em recomprar os papéis a um preço mais alto, o que gerava lucros para eles. Buffett agia no sentido oposto: buscava organizações que podiam aumentar os retornos para o acionista mediante o uso de caixa ou de outros ativos que não se refletissem no preço dos papéis, profundamente subvalorizados.
• Em 1989, a Berkshire detinha uma participação de 6% nas ações da Coca-Cola e Buffett integrou o conselho de administração. Em meados dos anos 1990, quando as ações da Coca-Cola haviam subido várias vezes, seu CEO, Roberto Goizueta, prometeu um crescimento de 16% a 20% aos analistas de Wall Street, o que era feito “artificialmente”, embora não fosse tecnicamente ilegal. Buffett sabia disso e calou. Mas, em 2002, pressionou a Coca-Cola a ser a primeira empresa a contabilizar opções sobre ações distribuídas a gestores como despesas. Buffett cobra um salário anual simbólico de US$ 100 mil da Berkshire e não concede a si nem a outros gestores opções sobre ações.
O ideal de Buffett é um mundo no qual os vencedores se sintam livres para prosperar. Mas o fato é que ele também se preocupa em reduzir as diferenças, ajudando os perdedores.
Essa matéria foi publicada originalmente na Edição 79 da revista HSM Management e atualizada em julho de 2016.
Fonte: Revista HSM
Nenhum comentário:
Postar um comentário