quinta-feira, 28 de julho de 2016

VGM – A nova regulação de pesagem de contêineres

Entraram em vigor no último dia 1º de julho as novas regras de pesagem de contêineres provenientes de emenda à Safety of Life at Sea Convention – SOLAS 1974 (Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar) da International Maritime Organization – IMO (Organização Marítima Internacional). As regras foram publicadas no Brasil por meio da Portaria nº 164 da Diretoria de Portos e Costas – DPC.

IMO e SOLAS

Antes de examinar as novas diretrizes trazidas pela portaria, importa esclarecer que a IMO é uma agência na estrutura da ONU destinada a promover a segurança na navegação marítima e prevenir a poluição do ambiente marinho. O Brasil está entre os 171 Estados membros que atualmente integram a IMO [1].

A SOLAS é uma convenção internacional da IMO que regula a segurança do transporte marítimo, estabelecendo princípios e padrões da navegação que devem ser observados pelos países signatários.

Sua primeira versão foi editada em 1914, impulsionada pelo desastre do Titanic [2]. A versão mais recente da SOLAS é de 1974. Desde então, a convenção já recebeu diversas emendas.

Cumpre ressaltar que não é a IMO que aplica as suas convenções. Os países signatários de convenções da IMO se comprometem a inseri-las às respectivas legislações nacionais.

VGM

A emenda à Convenção SOLAS tratada nesse texto é a Regulation VI/2, que prescreve parâmetros para a pesagem de contêineres antes do embarque. Referida como VGM (verification of the gross mass; em português, verificação da massa bruta), a nova regulação foi editada com a finalidade de prevenir acidentes decorrentes da sobrecarga de embarcações.

Muito embora o texto da SOLAS já possuísse previsão acerca da necessidade de declaração de peso de carga ou unidades de carga pelo embarcador, a convenção não era específica quanto à forma ou métodos para a pesagem.

A elaboração das novas regras vinha sendo estudada e debatida entre os membros da IMO há alguns anos, em razão dos diversos acidentes já ocasionados pela sobrecarga de navios comerciais, ante declarações incorretas sobre o peso da carga. Estima-se que centenas, se não milhares, de contêineres são perdidos no mar anualmente [3].

Os riscos vão muito além da perda ou avaria de carga. Vidas podem se perder ou se ferir, além de existir perigo de poluição ambiental. E, como se sabe, não é incomum navegar em águas turbulentas.  O mar não é de rosas.

A Norma

No Brasil, o VGM foi implementado pela Portaria nº 164 da DPC [4].

A norma torna obrigatória a determinação da massa bruta de todos os contêineres embarcados em território nacional, tanto nos casos de exportação, como nos de cabotagem.

O regulamento traz em seu bojo os conceitos das terminologias utilizadas e prevê dois diferentes métodos para a verificação da massa bruta de contêineres.

O Método 1 é a pesagem do contêiner carregado (estufado) e o Método 2 é a pesagem de cada item de carga individualmente, somando-os ao peso da tara do contêiner, que é a massa do contêiner vazio. O peso bruto da tara do contêiner geralmente pode ser consultado peloswebsites das empresas armadoras, através do número ou tipo do contêiner que será utilizado ou de sua reserva.

A pesagem deve ser feita em equipamento aprovado pela Portaria 236/91 do INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia).

O item 4.7 do anexo da portaria afirma que é do embarcador a responsabilidade de prestar informações a respeito da pesagem da carga, e o item 2.4 conceitua embarcador como a “pessoa física ou jurídica designada como embarcador no conhecimento de embarque “bill of lading”, no conhecimento de embarque simplificado “sea waybill”, no Conhecimento de Transporte Eletrônico (CTE), ou quem, em seu nome ou sob sua autorização, celebra um contrato de transporte com um transportado”. O embarcador, portanto, é quem aparece como “shipper”no documento de transporte.

O contêiner que não tiver sua massa bruta devidamente determinada, declarada e informada [5] não poderá ser embarcado. A portaria dispõe que o embarcador deverá se certificar de que o VGM seja informado ao armador e ao terminal “com antecedência suficiente em relação ao carregamento do navio” [6].

Em vista disso, armadores têm se pronunciado sobre o que entendem por “antecedência suficiente”. Os conceitos podem variar entre empresas, países de embarque e de acordo com o local de pesagem do contêiner (se em local externo ou no próprio terminal).

Nesse ponto, vale ressaltar que a redação utilizada pela portaria foi fiel ao texto da recente emenda da SOLAS, com alguns acréscimos, e por ser abrangente, evita maior burocracia na esfera portuária.

Esse tipo de negociação do caso a caso está resguardado pela portaria, ao dispor que “o modo pelo qual o embarcador fornecerá esse dado ao navio, ao armador e ao terminal, deverá ser acordado entre as partes” [7]. Além disso, a questão pode envolver uma série de fatores comerciais, tais como o plano de carga do navio e os procedimentos particulares de cada porto ou terminal.

A tendência do mercado, reafirmada pelo texto da nova norma [8], é de priorizar a transmissão de dados pela via eletrônica. A INTTRA, plataforma destinada ao e-commerce marítimo e já utilizada no Brasil, desenvolveu uma ferramenta de troca de dados específica para o VGM [9], mas outras soluções eletrônicas desenvolvidas pelo mercado também poderão ser empregadas na transmissão de informações relativas à verificação de massa bruta das unidades de carga, em acordo com o procedimento adotado por cada empresa de navegação.

Havendo discrepância entre o VGM encontrado pelo embarcador e o encontrado pelo terminal, a portaria prevê que é de decisão e de responsabilidade exclusiva do armador o valor que será considerado para o plano de carregamento do navio. Alguns armadores já declararam que se a diferença entre as pesagens for pequena, não haverá prejuízo no embarque.

Para reforçar a importância da pesagem dos contêineres, alguns terminais têm se pautado na máxima “NO VGM, NO GATE-IN”, que significa que o contêiner sem informação de massa bruta não poderá entrar no terminal.

Apesar das polêmicas a respeito do preparo de alguns países para a implantação dos novos métodos de VGM e apesar da pesagem de contêineres já ser praxe na maioria dos portos nacionais, somente a prática e o tempo revelarão eventuais necessidade de ajustes às novas regras da Convenção SOLAS 74, no âmbito internacional, ou à Portaria nº 164 da DPC, na esfera nacional. De toda forma, entendemos que o objetivo da norma é mais do que digno, almejando proporcionar maior segurança à navegação, atividade esta já irrigada de tantos riscos.

[1] http://www.imo.org/en/About/Membership/Pages/Default.aspx
[2]http://www.imo.org/en/About/Conventions/ListOfConventions/Pages/International-Convention-for-the-Safety-of-Life-at-Sea-(SOLAS),-1974.aspx
[3] http://www.worldshipping.org/industry-issues/safety/containers_overboard__final.pdf
[4] https://www.dpc.mar.mil.br/sites/default/files/portarias/port_164.pdf
[5] Item 4.9 do Anexo da Portaria 164
[6] Item 4.8 do Anexo da Portaria 164
[7] Item 4.8 do Anexo da Portaria 164
[8] Item 4.8 do Anexo da Portaria 164
[9] https://www.inttra.com/en/evgm-solutions
Referências
GUIA MARÍTIMO. Estamos (quase) preparados para o VGM. Disponível em:http://www.guiamaritimo.com.br/noticias/maritimo/estamos-quase-preparados-para-o-vgm.  Acesso em: 30 junho 2016.
IMO. Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, 1974. Chapter VI Regulation 2. Disponível em:  http://www.imo.org/en/OurWork/Safety/Cargoes/Containers/Documents/resolution%20MSC-380-94.pdf. Acesso: 05 julho 2016.
IMO. New ship safety rule to prevent loss of containers enters into force. Disponível em: http://www.imo.org/en/MediaCentre/PressBriefings/Pages/New-ship-safety-rule-to-prevent-loss-of-containers-enters-into-force.aspx. Acesso: 05 julho 2016.
MARINHA DO BRASIL. Portaria nº 164 da Diretoria de Portos e Costas. Disponível em:https://www.dpc.mar.mil.br/sites/default/files/portarias/port_164.pdf. Acesso: 29 junho 2016.
PORTOGENTE. Brasil tem maturidade no quesito pesagem de carga. Disponível em: https://portogente.com.br/noticias/transporte-logistica/89841-brasil-tem-maturidade-no-quesito-pesagem-de-carga. Acesso: 01 julho 2016.
PORTOS E NAVIOS. Pesagem de Contêineres – Exigência do VGM. Disponível em:https://www.portosenavios.com.br/noticias/artigos/33955-pesagem-de-conteineres-exigencia-do-vgm. Acesso: 01 julho 2016.
WORLD SHIPPING COUNCIL. Containers Lost at Sea. Disponível em: http://www.worldshipping.org/industry-issues/safety/containers_overboard__final.pdf.  Acesso: 01 julho 2016.

Por Fernanda Gueiros Bernardes
Advogada e Mestre (LL.M.) em Direito Marítimo pela Tulane University

Fonte: Jota

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