É preciso pensar no longo prazo. Para um ganho real de eficiência operacional, essa é a regra de ouro que muitos costumam esquecer, segundo os especialistas ouvidos por HSM Management. André Duarte, professor e pesquisador do Insper com experiência como executivo e consultor no tema, vai além: “O foco não pode ser só em reduzir custos, porque isso não necessariamente traz ganho de produtividade no longo prazo e pode haver uma solução melhor”. Esse tipo de foco faz a empresa errar, tomando medidas muitas vezes desnecessárias.
As organizações podem aproveitar o momento para um ganho de competitividade efetivo, segundo Duarte – por exemplo, fazendo uso inteligente do “inchaço” derivado de muitos anos de fusões e aquisições. “Vale a pena sacrificar os resultados de curto prazo para ter um ganho consistente lá na frente”, diz, reforçando que gestores e acionistas devem ter isso em mente.
Para o professor do Insper, algumas empresas brasileiras já querem de fato criar essa cultura de excelência, mas têm falhado em implementá-la, sobretudo por não focarem todos os departamentos de forma isonômica. “É raríssimo ver uma empresa que dê ao marketing, ao RH e às áreas administrativas a mesma atenção que dá às produtivas”, avalia.
Uma das consequências disso é a falta de pessoas qualificadas para interpretar a enorme quantidade de dados e informações dos negócios da maneira adequada, a fim de transformá-los em boas decisões, segundo Duarte. Essa ausência de qualificação, que só aumenta o risco de a organização inteira operar com base em tentativa e erro e, portanto, de ter baixa produtividade, quase nunca é enfrentada nas empresas.
O problema são os gestores
As pesquisas que Duarte tem coordenado mostram que os gestores tomadores das decisões estão na raiz da ineficiência operacional. “Em geral, os executivos sabem o que precisa ser feito, mas fazem o oposto.”
Ele continua: “Quando perguntamos o que alavanca a produtividade, eles falam em treinar os funcionários, investir nos fornecedores e conhecer melhor os clientes. Porém a verba de treinamento é uma das primeiras a serem cortadas quando há dificuldades, o investimento nos fornecedores é mínimo e o esforço para entender melhor o que o cliente quer e obter dele informações que possam ser úteis para a empresa é irrisório”.
Como isso é explicado nas pesquisas? “Quase sempre, a alta direção alega que não consegue fazer o que sabe ser necessário por falta de tempo e de recursos ou por não ter achado a melhor forma de fazê-lo”, explica o professor do Insper. Isso se torna um círculo vicioso – baixa produtividade faz os recursos faltarem – e só pode ser rompido pelos próprios gestores.
7 medidas essenciais
Aumentar a eficiência operacional requer sete medidas, como aparece nas pesquisas de Duarte:
- Olhar para o longo prazo, não para o curto.
- Ter indicadores de produtividade claros.
- Fazer uma gestão baseada em evidências.
- Cuidar da cadeia de fornecimento.
- Cortar o excesso de projetos que não necessariamente trarão resultados.
- Compartilhar recursos, de máquinas e funcionalidades a colaboradores e conhecimento.
- Digitalizar e automatizar processos.
Duas ferramentas
Duas ferramentas gerenciais têm sido cada vez mais utilizadas para ganhos de eficiência operacional. Uma é o lean manufacturing, que remonta ao Japão do pós-guerra e se guia pelo princípio de “fazer mais com menos”. Outra é composta pelas metodologias ágeis inspiradas na indústria de software e considera que os indivíduos e as interações entre eles importam mais do que processos e ferramentas, priorizando por um produto no mercado em detrimento, talvez, das documentações.
A Lectra, líder mundial em soluções de software de desenho e máquinas de corte, é uma das que têm consultor de lean contratado no Brasil – Marcelo Minharro. O lean é uma fórmula tradicional para tempos de muita oferta e pouca demanda no mundo todo por promover a cultura antidesperdício, porque permite reduzir a quantidade de processos e o número de pessoas que trabalham em um produto e, assim, seu lead time e os preços. “Com o lean, descobrimos tudo o que embute desperdício no fluxo de valor da empresa e eliminamos. Estatisticamente, sabemos que metade do que fazemos não precisaria ser feito”, afirma o consultor.
O lean ainda tem como vantagens o fato de induzir a gestão a diagnosticar os problemas da empresa – esse ponto de partida é obrigatório; a colocação do foco no cliente, que é o maior impulsionador de competitividade; e a promoção de um olhar voltado para o longo prazo, cuja importância já foi enfatizada. “Embora possa ser usado em situações emergenciais, o lean tem mais eficácia se for implantado com um tempo maior; se você promove uma mudança de processos de forma atropelada, aumenta a chance de pôr tudo a perder em dois ou três meses”, explica Minharro.
Para o consultor da Lectra, no entanto, quem quiser implantar o lean precisa estar disposto a desafiar a cultura nacional e a hierarquia. É necessário superar o fato de o brasileiro “só querer fazer aquilo que está acostumado a fazer” e convencer o alto escalão da empresa a envolver-se. “Lean não se faz sentado na cadeira do escritório.”
Quanto às metodologias ágeis, elas são várias, como Extreme Programming (XP), Feature-Driven Development (FDD), RUP, OpenUP e até o método de visualização kanban, porém a mais usada, de longe, é o scrum, pelo qual os projetos são divididos em ciclos chamados sprints (de duas a quatro semanas), dentro dos quais um conjunto de atividades deve ser executado. Conforme o especialista norte-americano Kenneth Rubin,o scrum aumenta a produtividade porque define objetivos claros, trabalha com equipes autodirigidas e comprometidas, melhora a comunicação e facilita a adaptação dos processos sempre que necessário. Faz também os clientes cocriarem com a empresa.
André Duarte, no entanto, faz um alerta: “As organizações adotam cada vez mais métodos ágeis para gestão de projetos, mas muitas querem simplificar demais, jogando fora a gestão de projetos tradicional; o ideal é usar as duas”.
Revisão de footprint
Apostar na melhoria da eficiência energética e hídrica é um bom caminho para ganhar eficiência operacional. É o que garante João Marcello Gomes Pinto, diretor da Sustentech, especializada em promover o uso mais eficaz e sustentável de água, energia e outros elementos. “Prova disso é que antes falávamos com gerentes ou coordenadores nas empresas, e hoje é o CFO ou o próprio CEO que lidera isso. A importância estratégica é outra”, afirma.
Descobrir a “pegada” que a empresa deixa no planeta ficou mais fácil, porque os softwares que mostram as necessidades de, por exemplo, uma planta industrial em termos de água, energia, sistema de ar, uso de vidro e demais elementos em cada cenário evoluíram muito, e ferramentas de simulação computacional são usadas até para modelar cenários de investimentos em bens de capital (Capex) e de despesas operacionais (Opex), auxiliando o cliente a tomar a decisão final a respeito desses gastos.
O problema é que as empresas ainda optam por ações de revisão de footprint isoladas e rápidas, indo contra o ideal de recorrer a uma solução integrada. “No longo prazo, o trabalho sai muito mais barato e é muito mais efetivo, porque conseguimos bastante sinergia”, diz Gomes Pinto. Ele traduz em números: se cinco soluções de eficiência energética isoladas podem reduzir em 20% a 25% os custos da empresa, uma solução integrada, em que uma ação impacta a outra, representará até 50% de redução. O mesmo vale para a água.
O Brasil ainda está bastante atrasado em relação à revisão de footprint, quando comparado aos Estados Unidos e à Europa, mas a diferença começou a diminuir. O movimento é liderado pelas multinacionais instaladas aqui, que importam a mentalidade avançada de suas matrizes, e é seguido pelas empresas familiares, donas da vantagem da celeridade no processo de implementação de mudanças. “As empresas nacionais grandes é que muitas vezes mostram uma mentalidade ultrapassada, só se limitando a atender à legislação”, observa Gomes Pinto.
Caminho sem volta
Embora a eficiência operacional possa ser mudada só na crise, o recado é claro: os gestores devem entendê-la como um caminho sem volta, ou só adiarão a improdutividade.
Um caso brasileiro na China
É comum associarmos toda a cultura oriental a produtividade, mas a China, vista de dentro, não faz jus à fama, que é derivada do Japão. Fomos chamados a realizar um turnaround operacional na fábrica de uma empresa brasileira da cadeia de eletrodomésticos instalada nos arredores de Pequim e encontramos baixíssima produtividade.
Os gestores precisavam decidir se, para atender à demanda crescente, expandiriam o parque fabril ou só aumentariam a eficiência. Começamos por um diagnóstico operacional, e as limitações da mão de obra local se destacaram – anos de excesso de oferta de trabalhadores tinham feito com que métodos pró-eficiência não fossem muito usados. Em 18 meses, aumentamos a produtividade drasticamente, não automatizando (um investimento inviável naquele contexto), mas capacitando sobretudo as lideranças, inspirando-as a usar processos enxutos e confiáveis. Isso foi acompanhado de grandes transformações: otimização de processos, mudança de estratégia de produção e supply chain, aumento da flexibilidade da operação e muita gestão de chão de fábrica. Ou seja, uma mudança completa, o que chamamos de operational turnaround, com foco na fábrica em si.
A unidade aumentou em cerca de 30% sua produtividade, com ganhos ainda maiores em indicadores de qualidade e prazo de entrega e com um claro início de mudança cultural. A consequência foi sentida rapidamente na geração de caixa. Mais entrega, menos custos e, claro, menos investimentos. Se é possível do outro lado do mundo, é possível aqui.
por Matheus Munford, sócio-fundador da Steinbock Consulting, consultoria focada em resultados por meio da excelência operacional.
Fonte: Experience.hsm.com.br
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