Recentemente, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional divulgou o Parecer PGFN/CAT 1.035/2016, que trata da interpretação do artigo 6º da Lei 13.254/2016, a denominada “Lei da Repatriação”, que institui o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct).
Referido dispositivo determina que o montante dos ativos objeto de regularização será considerado acréscimo patrimonial adquirido em 31 de dezembro de 2014 e tributado pelo imposto de renda como ganho de capital, a uma alíquota de 15%. O parecer discute se a base de cálculo do imposto de renda a ser pago “restringir-se-á ao montante do ativo existente em 31/12/2014, ou se deverá abranger aqueles ativos total ou parcialmente consumidos anteriormente a essa data”— discussão conhecida como foto x filme.
Como se vê, a PGFN reitera entendimento já manifestado pela Receita Federal em seu “Perguntas e Respostas” relativo ao Rerct (perguntas 39 e 46). Não há dúvida, portanto, que o entendimento da Administração Tributária é o de que os valores a serem submetidos a tributação no regime especial devem considerar não apenas o valor dos ativos existentes em 31 de dezembro de 2014, mas também o valor dos ativos consumidos até 31 de dezembro de 2014: filme.
Esse posicionamento, como se sabe, tem sido objeto de inúmeras críticas e questionamentos. Mas mesmo que se adote a concepção de que o que deve ser declarado é o filme, há ainda que analisar que cenas serão declaradas.
Da fato, o parecer afirma que, se as “condutas relacionadas aos bens consumidos não forem declaradas, o imposto de renda e a multa devidamente pagos (...), os favores da mencionada Lei, por óbvio, não alcançarão essas condutas”. A Nota 1 constante da resposta à pergunta 39 do “Perguntas e Respostas” relativo ao Rerct, por outro lado, define que “[a] inclusão no Rerct de recursos não mais existentes em 31 de dezembro de 2014 está prevista no art. 4º da Lei nº 13.254, de 2016, e sua inclusão estende os efeitos da adesão às condutas diretamente relacionadas a esses bens e direitos”.
Da combinação dessas duas afirmações, tem-se que as condutas a serem enquadradas no Rerct são independentes e autônomas e que a omissão da inclusão de determinada conduta no programa não prejudica os efeitos da adesão aplicáveis às demais condutas que hajam sido declaradas e em relação às quais os valores devidos hajam sido quitados. Em outras palavras: o programa permite que, dentre as condutas praticadas, se escolha aquelas que se deseja incluir no regime especial, obtendo os benefícios da anistia criminal e remissão do crédito tributário em relação a elas, sem que a não inclusão de outras condutas prejudique esse resultado. Evidentemente, em relação às condutas não declaradas, o contribuinte não terá os benefícios da adesão ao Rerct.
Assim, é possível, seguindo-se o entendimento da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, efetuar uma análise específica e segregada de cada uma das condutas adotadas em relação ao patrimônio consumido, identificando os eventuais fatos geradores e penalidades aplicáveis na esfera tributária e criminal, para avaliar se é conveniente, ou não, incluir tais condutas no Rerct, se há outras medidas que podem ser tomadas para a regularização das eventuais infrações havidas em referência a essas condutas, ou, ainda, se há elementos para mitigar a eventual exposição, sem que isso prejudique a adesão ao programa em relação às condutas declaradas. Especialmente porque as consequências tributárias e penais em relação a cada uma das condutas podem ser diferentes — apenas para ilustrar, em relação aos crimes contra a ordem tributária, a punibilidade pode ser extinta por meio do pagamento, de modo que a anistia prevista no Rerct não é a única medida para afastar a eventual persecução penal em relação a essas condutas.
Como se vê, mesmo que se adote a concepção de que se deve declarar o filme, ainda será importante definir, a partir de uma análise que inclua os aspectos tributários e penais de cada conduta, quais cenas serão declaradas, evitando-se, assim, que o contribuinte arque com um custo superior àquele necessário.
por André Gomes é tributarista, sócio do escritório Souto Correa.
Fonte: Conjur
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