Pouco mais de um ano depois da decisão em repercussão geral do Supremo Tribunal Federal (STF), que admitiu o uso do habeas data para acessar informações constantes em sistemas de apoio à arrecadação, contribuintes ainda encontram resistência da Receita Federal para obterem extratos de sua própria situação fiscal.
Advogados tributaristas relatam que empresas e pessoas físicas têm acionado o Judiciário ante a recusa ou ausência de resposta da administração tributária para os pedidos de acesso a informações sobre pagamentos de tributos, armazenados em bancos de dados do Fisco.
Neste caso, o direito ao acesso às informações já havia sido reconhecida em sentença da 7ª Vara do Rio de Janeiro, mas a Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN) recorreu alegando que a decisão iria contra a jurisprudência do TRF-2. E que as informações deveriam ser de conhecimento da empresa porque foram prestadas por ela. No entendimento da PFN, o banco de dados é de uso interno e privativo da Receita Federal.
Os desembargadores rejeitaram os argumentos.
Segundo o relator, desembargador federal Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, a decisão do Supremo não autoriza apenas o fornecimento de dados constantes do Sincor, mas de “quaisquer dos sistemas informatizados de apoio à arrecadação federal”.
Outras decisões da Justiça Federal, após o julgamento do Supremo, também têm reconhecido o direito do contribuinte às informações.
“A não prestação das informações requeridas, no prazo de 48 horas, revela-se, ao menos em sede de análise perfunctória, típica de cognição sumária, como ato abusivo, em flagrante ofensa ao disposto no artigo 2o da Lei 9.507/97”, entendeu o juiz federal Theóphilo Antonio Miguel Filho, da 24ª Vara Federal, em decisão de 6 de junho.
Ao confirmar em sentença uma liminar favorável ao contribuinte, a juíza Frana Elisabeth Mendes considerou que o fornecimento dos dados requeridos pelo contribuinte não produziu nenhum dano à Receita Federal do Brasil.
“[Com a] divulgação, cumpriram-se os princípios que regem a administração pública, especialmente o da publicidade, o da eficiência e moralidade, garantindo a plena transparência na relação entre o Fisco e os sujeitos passivos das obrigações tributarias”, afirmou a juíza, em sentença proferida em 6 de julho.
Redução de contingências
Em um cenário de crise econômica e endividamento, as informaçōes sobre créditos e débitos são relevantes para que as empresas tentem reduzir custos e contingências, afirma a advogada que representou a clínica, Rosa Maria de Castro, do escritório Teixeira Duarte Advogados.
“São dados e documentos relevantes para fundamentar outras ações judiciais e pedidos de restituição de tributos”, afirma a tributarista.
Ela cita o exemplo de um cliente do setor da construção civil que, tendo acesso a sua situação fiscal, soube que um terceiro não havia retido um tributo na fonte.
“Ele notificou a empresa e o Fisco de que o imposto não havia sido recolhido no exercício fiscal, o que afastou sua responsabilidade de responder solidariamente pelo débito.”
Sigilo
Ao JOTA, a PFN reforçou o argumento que tem defendido no Judiciário, de que as informações de sistemas da Receita Federal são protegidas por sigilo fiscal, além de já serem do conhecimento do contribuinte.
“Não cabe à administração pública fornecer informações que o contribuinte deve registrar nos seus próprios livros contábeis, caso contrário estaria prestando serviço de contabilidade claramente fora de suas atribuições”, afirmou a procuradoria em nota.
Segundo Rosa Maria de Castro, nem todos os dados são de conhecimento da empresa.
“É o caso dos tributos declarados por terceiros. A empresa não sabe se eles foram recolhidos ou não”, diz, acrescentando: “as informações são do contribuinte. Ele quer simplesmente saber se o que consta no banco de dados da Receita corresponde com o que registrou na contabilidade”, afirma a advogada.
O advogado Leonardo Azevedo Ventura, sócio do escritório Tozzini Freire Advogados, afirma que clientes já tiveram negado o acesso às informações sob a justificativa de que elas estariam disponíveis no e-CAC, centro de atendimento virtual da Receita Federal.
“É um argumento superado, porque o Supremo já o rejeitou. As informações requeridas são mais abrangentes do que as disponibilizadas no e-CAC, e o Fisco não comprovou ao Supremo que o sistema de atendimento virtual disponibiliza todos os dados”, afirma Ventura.
A discussão sobre o uso do habeas data ainda não entrou na lista de dispensa de contestação e recurso da PGFN.
Mas, para tributaristas, a tendência é que os argumentos levantados pela Fazenda Nacional percam força nas discussões judiciais justamente por já terem sido rejeitadas pelo Supremo, em decisão unânime dos ministros.
Sobre o sigilo fiscal, por exemplo, o relator do caso, ministro Luiz Fux afirmou que “os extratos atinentes às anotações constantes do SINCOR e do CONTACORPJ, como de quaisquer dos sistemas informatizados de apoio à arrecadação federal, utilizados pela Receita Federal do Brasil, no que tange aos pagamentos de tributos federais, não envolvem a hipótese de sigilo legal ou constitucional, posto que requerida pelo próprio contribuinte, sobre dados próprios”.
Com o novo Código de Processo Civil, diz Ventura, o Judiciário deve observar o que foi julgado em repercussão geral.
“A tendência, portanto, é que haja consolidação nas instâncias inferiores do entendimento de que o habeas data é o instrumento adequado para acesso das informações, tese que era controvertida nos tribunais antes da decisão do Supremo”, afirma.
Fonte: Jota
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