Duas decisões do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Sul) afastaram a aplicação de um mecanismo previsto no novo Código de Processo Civil (CPC) que poderia dificultar o acesso do Fisco aos bens de sócios para quitar débitos tributários de empresas. As decisões obtidas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afastam o uso do "incidente de desconsideração da personalidade jurídica", que suspende o processo e permite a manifestação do sócio e apresentação de provas.
Há duas possibilidades de os bens dos sócios se tornarem alvo do Fisco quando a empresa possui dívidas. Na primeira delas, o Código Tributário Nacional (CTN) prevê que se não for possível exigir o tributo do contribuinte, pode-se cobrar dos responsáveis solidários, como sócios e administradores, em situações de omissões. Podem ainda ser pessoalmente responsabilizados se demonstrada infração à lei ou atuação com excesso de poderes.
O redirecionamento da cobrança é alvo antigo de reclamações de advogados e empresários. De acordo com tributaristas, muitos clientes são surpreendidos com o bloqueio de seus bens, sem possibilidade de defesa prévia.
"O que mais se vê é a insuficiência de bens do contribuinte e, diante disso, a Fazenda simplesmente redireciona a cobrança", afirma Camila Abrunhosa Tapias, do Tozzini Freire Advogados. Em razão disso, o novo CPC trouxe o incidente de desconsideração da personalidade jurídica para as situações de confusão patrimonial.
Atualmente, a Fazenda Nacional pede o redirecionamento na mesma ação em que se discute o mérito. Segundo Rogério Campos, titular da Coordenação-Geral da Representação Judicial da Fazenda Nacional (CRJ), a obrigatoriedade do incidente aumentaria o volume de processos que tramitam na Justiça e, na prática, poderia atrasar a execução fiscal e tirar o elemento surpresa do redirecionamento.
Em decisões recentes e unânimes, duas turmas do TRF da 4ª Região (1ª e 2ª) entenderam que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não se aplica aos casos de responsabilidade tributária. A Fazenda recorreu ao tribunal depois de decisões da 1ª instância determinaram que a União aplicasse o incidente.
A relatora do caso na 2ª Turma, juíza federal Cláudia Maria Dadico, afirmou que o incidente não é cabível nos casos em que a responsabilidade patrimonial dos sócios não depende de decisão judicial que a determine, mas advém diretamente da lei – caso do redirecionamento por obrigação solidária. Os dois processos foram devolvidos para a primeira instância apreciar o pedido de redirecionamento.
Com as decisões favoráveis, o próximo passo da procuradoria, segundo Campos, é suscitar um incidente de demandas repetitivas no TRF da 3ª Região para pacificar o tema. Não há ainda precedentes de outros Tribunais Regionais Federais, segundo advogados e PGFN.
"As decisões são um retrocesso, inclusive ante as pretensões do novo CPC", afirma Rodrigo Oliveira Correia de Brito, advogado do Siqueira Castro Advogados. De acordo com o advogado, é "quase impossível" não haver o pedido de redirecionamento nos processos que envolvem a Fazenda. "Só em casos de grandes empresas, que têm grande solvência não há redirecionamento", diz.
Segundo ele, o STJ já decidiu que redirecionamentos vazios são uma violação a garantias constitucionais. Além disso, diz, a própria lei de execuções fiscais cita aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.
Para Eduardo Pugliese, sócio do Schneider, Pugliese, Sztokfiz, Figueiredo e Carvalho Advogados, a decisão do TRF é acertada, por se limitar ao redirecionamento da cobrança aos sócios e não à desconsideração da personalidade jurídica. O incidente cria um novo foro de discussão, segundo o advogado. "Antes, se constrangia o patrimônio para depois discutir se era devido ou não, agora o sócio teria um ambiente para discutir antes", diz.
Fonte: Valor | Por Beatriz Olivon | De Brasília
Via Alfonsin.com.br
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