Não obstante a incessante elaboração normativa e jurisprudencial decorrentes dos frequentes e intensos conflitos ocorrentes na relação Fisco/contribuinte, muitas questões ainda não estão esclarecidas, máxime quanto ao direito ao crédito fiscal por parte das empresas prestadoras de serviços de transporte de cargas quando da aquisição de combustível, pneu, óleo lubrificante, peças de reposição e veículos novos, assim, os comentários aqui tecidos terão como norte a análise da possibilidade legal do aproveitamento ou não do crédito fiscal por parte das empresas prestadoras de serviços de transportes de cargas.
Portanto, diante da exegese da norma retromencionada, infere-se não haver dúvidas acerca da legalidade do aproveitamento do crédito fiscal concernente a mercadorias adquiridas para integrar o ativo permanente da empresa.
Outrossim se observa na prática diária que a disceptação quanto ao direito ao crédito fiscal ocorre quando da aquisição, por empresa prestadora de serviços de transporte de cargas intermunicipal ou interestadual, de mercadorias que serão utilizadas na sua atividade principal.
In casu, ao perscrutarmos os RICMS da maioria dos entes tributantes não vislumbramos nenhuma norma específica disciplinadora do crédito fiscal para a aquisição de mercadorias por empresa transportadora de cargas, pois verificamos que os disciplinamentos contidos nos regulamentos dispõem especificamente quais são os casos em que são permitidos o direito de se apropriar do crédito fiscal, não se vislumbrando nos casos especificados qualquer alusão às mercadorias adquiridas para serem utilizadas por empresa de transporte de cargas.
Todavia, mister se faz ressaltar que na Lei Complementar nº 87/96 vislumbra-se a generalização do direito ao crédito às entradas de mercadorias, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive destinadas ao seu uso ou consumo ou ativo fixo.
Partindo dessa premissa e com lastro no exame exegético da norma contida no art. 20 da LC nº 87/96, chega-se à ilação de que seriam quatro as possibilidades do contribuinte de se beneficiar do direito ao crédito fiscal, quais sejam:
- Entrada de mercadoria real ou simbólica no estabelecimento sujeita à tributação numa operação subseqüente;
- Entrada de mercadoria no estabelecimento para uso ou consumo;
- Entrada de mercadoria no estabelecimento para integrar o ativo fixo da empresa;
- Recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal;
No caso vertente, em quais das possibilidades supra poderíamos enquadrar a empresa prestadora de serviços de transporte de cargas para legitimar o aproveitamento do crédito fiscal?
Isto posto, observa-se hodiernamente a existência de vários entendimentos acerca do direito ao crédito fiscal quando da aquisição de mercadorias por empresa prestadora de serviço de transporte de cargas. Dentre eles, verificamos a concessão ao direito ao crédito apenas para o combustível, com lastro na tese de que a utilização é imediata, denegando o direito para as demais mercadorias, a exemplo do óleo lubrificante, pneu e peças de reposição, do aproveitamento do crédito fiscal.
Assim como verificamos existir entendimento que concede o direito ao crédito fiscal não só para o combustível, mas também para as aquisições de óleo lubrificante, pneu e peças de reposição.
Ora, com a devida vênia, não corroboramos ambos os entendimentos, onde rechaçamos com veemência os entendimentos retro mencionados diante de um questionamento simples, qual seja: como é que se pode mensurar no aspecto temporal o consumo de determinado produto para classificá-lo como mercadorias, uso ou consumo para efeito de crédito fiscal, já que se perquire que o pneu e o óleo lubrificante, por exemplo, são também essenciais ao funcionamento do veículo e são gastos também de forma imediata.
Partindo dessa premissa, ficamos sem alcançar qual seria a diferença do produto combustível para o óleo lubrificante ou mesmo o pneu, para efeito de classificação como consumo, já que todos são consumidos na prestação de serviço de transporte e são produtos essenciais ao funcionamento do veículo.
Destarte, infere-se de chofre que não haveria como considerar um desses produtos como se fosse consumo e não considerar os demais, sob pena de se estar aplicando dois pesos e duas medidas, já que tal entendimento seria deletério tanto para a empresa como para a fazenda estadual.
"In casu", após as considerações tecidas e a realização de uma análise mais aprofundada acerca do instituto do crédito fiscal e consequentemente da não cumulatividade, vislumbramos ser pacífico e uníssono que qualquer tributo previsto no sistema tributário consagrado pela Constituição de 5 de outubro de 1998 tem as regras básicas de seu regime jurídico tributário fixadas, primordialmente, pela Carta Política, e o ICMS não constitui exceção porque, segundo o ordenamento constitucional brasileiro, a Constituição é o instrumento legislativo próprio para definir e delimitar competências tributárias.
Assim, o exercício dessa competência tributária, também conceituada como o poder atribuído a uma pessoa jurídica de direito público interno para instituir, cobrar e fiscalizar a arrecadação de tributos, é regido por princípios dos quais o outorgado, titular da competência, não pode se afastar. Assim, ao atribuir competência aos Estados e ao Distrito Federal para instituir o ICMS, através do art. 155, inciso I, alínea "b", o legislador constituinte submeteu, ao § 2º, inciso I, do mesmo artigo, a instituição do ICMS à observância ao princípio da não cumulatividade.
Portanto, nota-se que o dispositivo constitucional, ao estabelecer a não cumulatividade do ICMS com base no sistema de compensação de débitos e créditos escriturais, utiliza, em relação ao imposto, às expressões "devido" e "cobrado", pois quando o legislador constituinte refere-se ao ICMS, utilizando o termo "devido", ele contempla a obrigação tributária do imposto em tese, isto é, em sua generalidade, sem distinguir qualquer hipótese de afastamento dessa obrigação por força de normas de imunidade, de isenção, de exclusão do objeto da obrigação, de suspensão e outras espécies de exoneração da mesma.
Assim, o legislador constituinte parte do pressuposto puro e simples de que o imposto é devido naquela operação ou prestação praticada pelo contribuinte. Todavia, ao se referir ao "montante cobrado", o legislador constituinte não parte do mesmo pressuposto, pois contempla apenas a obrigação tributária em concreto, não mais em tese, ou seja, aquela que foi efetivamente exigida e paga, pelo contribuinte, na operação anterior.
Destarte, imposto devido não significa, necessariamente, imposto cobrado, pois o imposto pode ser devido e não ser cobrado, por força de uma isenção, por exemplo, outra, porque imposto devido e imposto cobrado geram efeitos distintos, dessa forma, o fato de o imposto ser devido pode, ou não, autorizar a apropriação de crédito fiscal, o imposto cobrado sempre autoriza essa apropriação.
Ao perfilhar essa tese, chegamos à ilação de que a compensação dos créditos e débitos do ICMS nas operações anteriores e posteriores, quanto a uma mercadoria ou serviço, opera-se para evitar o efeito cascata, operando-se da seguinte maneira:
O montante do imposto cobrado no ingresso da mercadoria ou serviço no estabelecimento pode ser compensado com o imposto devido na saída dessa mercadoria ou na prestação de um serviço subseqüente, se este imposto for efetivamente exigível e recolhido e na proporção do valor efetivamente pago quando da entrada.
Neste diapasão, diante do texto supra visualizamos que não poderia ser diferente, pois a cláusula da "não cumulatividade" não consubstancia mera norma programática, nem traduz recomendação, sequer apresenta cunho didático ou ilustrativo, caracterizando, na realidade "diretriz constitucional imperativa", visto que o instituto do crédito fiscal foi criado com o intuito precípuo de evitar o efeito cascata, ou seja, a não cumulatividade do imposto quando das realizações das operações até chegar ao término da cadeia consumidora. Neste norte, infere-se que na operação de aquisição de mercadoria ou serviço o ICMS vem embutido no preço, por se tratar de um imposto por dentro, portanto é pago quando da aquisição, assim, quando da saída subsequente haverá nova tributação. Dessa forma, em respeito ao princípio da não cumulatividade tributária, deve-se abater do imposto devido na saída o imposto já pago quando da aquisição, sob pena de se estar aplicando uma cumulatividade, a qual onera o preço ao consumidor final.
Assim, chega-se à ilação de que o direito ao crédito relativo às mercadorias adquiridas só se opera quando as mesmas forem objeto de uma saída subsequente, pois a inteligência da norma constitucional permite firmar com hialina diretriz que o crédito não pode constituir uma mera faculdade outorgada ao contribuinte, traduzida em um procedimento discricionário. O mesmo deve se originar de um direito do contribuinte para com o ente tributante (crédito), o qual ensejará uma compensação do valor devido ao mesmo ente quando da saída subsequente da mercadoria (débito).
No caso vertente, chega-se à ilação após analisarmos as considerações tecidas que as empresas de prestação de serviços de transporte de cargas não teriam direito ao aproveitamento do crédito fiscal concernente às mercadorias adquiridas, a exemplo de combustível, óleo lubrificante, pneus e peças de reposição, já que tais mercadorias não terão uma saída subsequente, ou seja, serão consumidas na prestação de serviço de transporte de carga.
Pois o que se observa é que estes produtos são aplicados no veículo que vai prestar o serviço, o qual não sofrerá tributação alguma quando da efetivação do serviço, onde tais produtos são considerados custo da prestação do serviço e deverão integrar o preço do serviço, custos estes que não geram o direito ao crédito fiscal quando da aquisição por não ser objeto de saídas subsequentes.
No caso em tela, ao tomarmos como exemplo uma empresa industrial, observamos que o direito ao crédito se opera quando a mercadoria adquirida é consumida no processo produtivo e é aplicada na condição de elemento indispensável do produto fabricado, ou seja, na fabricação de um móvel, por exemplo, só ensejará crédito fiscal concernente àquelas mercadorias adquiridas que integrarão o produto final, no caso dos parafusos, verniz, madeira, pregos e outros, já que as mesmas serão indiretamente tributadas quando da saída do produto fabricado.
Sendo mister ressaltar que os demais insumos, os quais não farão parte do produto fabricado, são considerados custo do produto para efeito de cálculo do preço de venda, não gerando o direito ao crédito fiscal por não integrarem o produto final. Dessa forma, se os demais insumos, os quais não integram o produto final, apesar de fazerem parte do processo produtivo, não geram o direito ao crédito fiscal, por que uma empresa prestadora de serviços de transporte de cargas teria direito a utilização do crédito fiscal relativo aos produtos adquiridos para serem consumidos na prestação de serviço? A exemplo do combustível, pneu, óleo lubrificante e peças de reposição, se não haverá uma tributação subsequente sobre essas mercadorias.
Já que tais produtos são consumidos na prestação do serviço fazendo parte do custo do serviço, sendo, portanto, considerados produtos para consumo, entendimento este albergado na definição da palavra "CONSUMO", extraída do Dicionário Aurélio do saudoso Aurélio Buarque de Holanda, que assim define:
CONSUMO
[Dev. de consumir.]
s.m.
1. Ato ou efeito de consumir; gasto.
2. Econ. Utilização de mercadorias e serviços para satisfação das necessidades humanas.
Neste diapasão, após as considerações tecidas e os argumentos trazidos à baila, chega-se a hialina conclusão de que uma empresa cuja atividade se reporta à prestação de serviço de transporte de carga intermunicipal e interestadual não teria o direito de se apropriar do crédito fiscal concernente aos produtos que são consumidos ou gastos na prestação do serviço, a exemplo de combustível, óleo lubrificante, pneu e peças de reposição. Todavia, urge ressaltar que no RICMS-PB o direito à apropriação ao crédito fiscal concernente às mercadorias adquiridas para uso ou consumo só será concedido apenas a partir de 1º de janeiro de 2020, conforme se verifica na norma plasmada no art. 72, § 1º, do RICMS-PB.
Assim, diante da nívea clareza dos argumentos trazidos à colação e a transparência das normas concernentes à matéria, vislumbramos não haver mais o que tergiversarmos acerca do assunto.
por Rodrigo Antônio Alves Araújo
Auditor Fiscal da Fazenda Estadual na fiscalização de estabelecimento; Exerceu por mais de 10 anos a função de Auditor Processual, Conselheiro Suplente e Titular do Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba; Perito Judicial e Extrajudicial e Instrutor da Secretaria de Estado da Receita; formação em Ciências Contábeis UFPB e Pós-Graduação em Auditoria Fiscal/Contábil - UFPB, Perícia Contábil - UNP-RN e Direito Tributário - IESP.
Fonte: Thomson Reuters
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