Ao longo dos últimos anos muito se discutiu sobre a legalidade e constitucionalidade do chamado voto de qualidade no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), órgão encarregado da análise administrativa da procedência das exigências fiscais federais.
No CARF, como é sabido, o voto de qualidade cabe ao presidente da Turma, posto ocupado obrigatoriamente por representante do Ministério da Fazenda, e tem o objetivo de definir o julgamento em caso de empate após a apresentação dos votos de todos os Conselheiros, inclusive do próprio presidente, que também faz jus ao chamado “voto ordinário” (a mesma pessoa, portanto, vota duas vezes).
Recente decisão proferida pela Justiça Federal (Processo 0013044-60.2015.4.03.6105), noticiada em diversos veículos de comunicação, acaba de trazer a discussão novamente aos holofotes. Por meio dela, foi anulada decisão proferida pelo CARF na qual o Fisco havia se sagrado vencedor com base no voto de qualidade (o julgamento terminou empatado em 3X3),
Nessa decisão, considerando as dúvidas razoáveis existentes quanto à possibilidade de tributação das operações então analisadas, o juiz da causa entendeu – a par das normas regimentais que cuidam do voto de qualidade – pela aplicabilidade do artigo 112 do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual, havendo dúvida objetiva quanto à natureza e o enquadramento legal do fato, a lei tributária “que define infrações, ou lhe comina penalidades” deve ser interpretada em favor do contribuinte (in dubio pro contribuinte). Com isso, cancelou integralmente a exigência fiscal discutida.
Embora a jurisprudência sobre o tema seja escassa e existam posições divergentes sobre a extensão da aplicação do artigo 112 do CTN (ora defendendo-se a sua aplicação para afastar a totalidade da exigência fiscal, ora para afastar apenas as multas), não restam dúvidas que, ao menos em relação à manutenção de multa qualificada/agravada pelo voto de qualidade (por exemplo, multa de 150% sobre o valor do imposto devido, em função da verificação de hipóteses de sonegação, fraude ou conluio), tal dispositivo pode (e deve) ser utilizado para justificar o entendimento mais favorável ao contribuinte, culminando com aplicação da multa de ofício sem o agravamento.
Nestes casos, como é necessária a comprovação do intuito doloso na conduta ilícita do contribuinte, deve prevalecer a presunção de inocência, posição confirmada pelos tribunais superiores ao privilegiarem em sua jurisprudência penal o princípio do in dubio pro reo.
Tal entendimento já foi defendido, inclusive (e ainda que ao final vencido), no próprio CARF (Acórdão 2202-002.535), ocasião em que alguns Conselheiros afirmaram que “as previsões regimentais que estabelecem a prevalência do voto de qualidade não podem (…) afastar a prescrição contida no artigo 112, do CTN”, motivo pelo qual o empate na votação em matéria sancionatória tributária impõem a decisão em favor do acusado/contribuinte.
Dessa forma, havendo dúvida razoável sobre a prática do ilícito doloso em matéria sancionatória, comprovável objetivamente pela placar da votação, ao menos a multa qualificada/agravada não pode ser mantida pelo voto de qualidade, sem prejuízo da meritória discussão sobre a possível aplicação deste racional para outras situações (obrigação principal, multa de ofício etc).
Seja como for, a decisão favorável aos contribuintes relatada acima é, tão-somente, o primeiro capítulo na nova etapa de discussão do tema. O seu teor e a repercussão que alcançou demonstra, por outro lado, a necessidade de se discutir de forma aprofundada o instituto do voto de qualidade para, nas hipóteses em que cabível, ser garantida a prevalência do direito do acusado/contribuinte, inclusive pelo próprio CARF.
Por Luiz Roberto Peroba
Por Diego Caldas R. de Simone
Sócio e associado da área tributária de Pinheiro Neto Advogados, respectivamente
Fonte: Jota
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