Escrevo esta coluna sumamente gratificado pela inclusão de meu nome — ao lado de 11 admiráveis colegas — na lista dos candidatos ao prêmio Tributarista de Destaque de 2015 e 2016 da Associação Paulista de Estudos Tributários (Apet). Para conhecer os candidatos e votar, clique aqui.
E o tema não poderia ser mais oportuno, por versar uma das duas ferramentas maiores — a outra é a Constituição — de todos os que labutamos profissional ou academicamente com o Direito Tributário.
Redigido de forma precisa e tersa, rarissimamente contestado em sua validade, o CTN faz por merecer a reverência que lhe prestam os nossos melhores juristas e a centralidade que mantém nos debates tributários acadêmicos e jurisdicionais.
Reconhecê-lo não significa, entretanto, negar a ação do tempo. Mesmo o Code Napoléon — quintessência da codificação, que um dia mereceu tratamento quase sagrado — acaba de sofrer radical reforma quanto ao Direito dos Contratos e das Obrigações, por força da Ordonnance de 10 de fevereiro de 2016.
Também o CTN, moderno para a sua época, desatualizou-se, não tendo bastado para impedi-lo as intervenções que lhe fizeram, principalmente, as leis complementares 104/2001 e 118/2005.
Alguns exemplos o demonstram. Inicie-se pelo Livro I, intitulado Sistema Tributário Nacional:
- o conceito de tributo do artigo 3º, de cunho universalizante (“tributo é toda prestação...”), negligencia o caráter não tributário de exigências como os royalties do petróleo, da mineração e da geração de energia hidrelétrica, entre outras;
- as disposições sobre a natureza jurídica específica dos tributos (artigos 4º e 5º) deixam de fora as contribuições especiais e os empréstimos compulsórios, que o STF erige em espécies autônomas — com isso, cumprindo de modo deficiente a disposição do artigo 146, inciso III, alínea a, da Constituição de 1988;
- os comandos relativos aos princípios e às imunidades tributárias (artigos 9º a 15), além de majoritariamente despiciendos — por tratarem de questões que se esgotam no nível constitucional — e defasados em relação à redação atual da Carta, revelam-se incompletos naquilo que deveriam disciplinar, como os requisitos para o gozo da imunidade de contribuições para a seguridade social (artigo 195, parágrafo 7º, da Constituição);
- as regras sobre os impostos individualmente considerados (artigos 19 a 76) (i) não abrangem aqueles tratados em leis extravagantes (como o ICMS — Lei Complementar 87/96, e o ISS — Lei Complementar 116/2003) e os não tratados em lei alguma (caso do IPVA); (ii) regulam impostos hoje inexistentes (como os impostos federais sobre transportes e comunicações — artigos 68 a 70, e sobre combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais — artigos 74 e 75) ou cindidos entre diversos entes (como o imposto sobre a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis e direitos a eles relativos — artigos 35 a 42) — o que representa um cumprimento incompleto do comando do artigo 146, inciso III, alínea a, in fine, da Constituição;
- todo o Título VI do Livro I (Distribuição das Receitas Tributárias — artigos 83 a 95) cuida de matéria financeira, e não tributária, que estaria melhor em outros diplomas normativos.
Deficiências ainda mais severas, devido à maior abrangência das regras que traz, encontram-se no Livro II – Normas Gerais de Direito Tributário:
- inteira omissão quanto aos critérios estabelecidos nos artigos 146, inciso III, alínea c (adequado tratamento tributário ao ato cooperativo) e 146-A da Constituição (prevenção de desequilíbrios concorrenciais);
- inexistência de regras gerais sobre processo tributário administrativo e sanções fiscais, o que dá ensejo a uma verdadeira babel federativa quanto a esses temas, com a complexificação do sistema para contribuintes que atuam em escala nacional e a multiplicação de disposições abusivas. Basta lembrar que hoje existem quatro recursos extraordinários com repercussão geral sobre multas tributárias aguardando julgamento no STF[1];
- incerteza em relação ao alcance do parágrafo único do artigo 116 — que permite a desconsideração dos atos praticados para dissimular o fato gerador — e, de toda forma, ausência de um tratamento mais detalhado da elisão tributária, em linha com a tendência internacional;
- insuficiência da disciplina da responsabilidade tributária na modalidade substituição tributária para a frente e para trás: critérios para a fixação da base de cálculo, tratamento das diferenças entre a base presumida e a real, efeitos sobre o direito de crédito nos tributos não cumulativos etc.;
- insuficiência da disciplina da responsabilidade tributária na modalidade transferência. Cuida-se de um dos pontos a merecer maiores intervenções. Basta lembrar que o CTN não trata dos efeitos da cisão de empresas (artigo 132) e que não enumera pessoas jurídicas entre os terceiros responsáveis dos artigos 134 e 135, estando toda a construção da desconsideração da responsabilidade jurídica no campo fiscal baseada no artigo 50 do Código Civil. Tema correlato também negligenciado pelo código, e objeto de elaboração jurisprudencial autônoma, é o das formas e prazos para o redirecionamento da execução fiscal para terceiros;
- instauração de responsabilidade pretensamente objetiva por infrações fiscais (artigo 136), em franca desarmonia com a Constituição de 1988;
- falta de uma regulamentação suficiente da compensação tributária, que a tornasse invocável diretamente pelo contribuinte, mesmo à falta de lei do ente político interessado;
- tratamento contraditório da imputação e da consignação do pagamento, e laconismo da disciplina desta última. Já tratamos do tema em nossa coluna e em artigo específico;
- invalidade do artigo 169, parágrafo único, que determina a fluência da prescrição no curso de ação anulatória movida pelo contribuinte, sem desídia deste;
- caráter assistemático do capítulo da Fiscalização (artigos 194 a 200), com regência em lei extravagante (a Lei Complementar 105/2001) do tema central relativo à quebra administrativa de sigilo bancário;
- anacronismo do capítulo sobre as Certidões Negativas (artigos 205 a 208), há muito superado pela jurisprudência do STJ que permite ao particular a antecipação da garantia em ação preparatória, sem suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
- Os pontos acima — não isentos de polêmica, decerto — dão uma ideia da amplitude das modificações que se fazem necessárias, a recomendar a elaboração de um novo código ou, no mínimo, uma amplíssima reforma Lei 5.162/66.
Bons nomes para uma comissão encarregada desse anteprojeto de lei não faltariam, entre ministros ativos ou aposentados do STF e do STJ, advogados públicos e privados com notória experiência na área tributária, acadêmicos, julgadores administrativos, autoridades fiscais e experts de outras áreas que guardem afinidade com o fenômeno tributário, como a Teoria Geral do Direito, o processo civil, o Direito Administrativo e o Direito Falimentar.
[1] Tema 487. Caráter confiscatório da “multa isolada” por descumprimento de obrigação acessória decorrente de dever instrumental.
Tema 736. Constitucionalidade da multa prevista no artigo 74, parágrafos 15 e 17, da Lei 9.430/96 para os casos de indeferimento dos pedidos de ressarcimento e de não homologação das declarações de compensação de créditos perante a Receita Federal.
Tema 863. Limites da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio, tendo em vista a vedação constitucional ao efeito confiscatório.
Tema 872. Constitucionalidade da exigência de multa por ausência ou atraso na entrega de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF, prevista no artigo 7º, inciso II, da Lei 10.426/2002, apurada mediante percentual a incidir, mês a mês, sobre os valores dos tributos a serem informados.
por Igor Mauler Santiago é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG.
Fonte: Conjur
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