No último dia 27 de abril de 2016, foi firmado relevante pacto cujo objeto é o aperfeiçoamento e harmonização das relações oriundas dos contratos de promessa de compra e venda de unidades residenciais entre incorporadores e consumidores adquirentes. Dentre as signatárias, estão entidades relacionadas ao setor imobiliário e consumerista tais como Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça (Senacon), Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, OAB-RJ, entre outras. O pacto tem despertado grande polêmica, razão pela qual foi suspenso por 60 dias pela Secretaria Nacional do Consumidor, conforme publicação no DOU de 13 de abril. O objetivo da suspensão é possibilitar a reabertura das tratativas voltadas à ampliação da adesão pelos membros do SNDC.
O acordo não se restringe a regular as polêmicas consequências da extinção das promessas de compra e venda. Ele também disciplina outras questões controversas e corriqueiras na prática imobiliária como, por exemplo, a cláusula de tolerância na entrega do imóvel, a data precisa de conclusão de obra, as garantias aos adquirentes, as cobranças de taxa de cessão contratual, de serviços de assessoria técnica-imobiliária, de verbas de decoração, de taxa de deslocamento e a legalidade da cobrança da comissão de corretagem. Existe controvérsia sobre à possibilidade da transferência da comissão de corretagem aos adquirentes, motivando o Superior Tribunal de Justiça a inscrever como recurso repetitivo, um recurso especial sobre a matéria e, a realizar recente audiência pública, ocorrida no dia 9 de maior de 2016, para substanciar a decisão a ser proferida pelo STJ.
Ao mesmo tempo que a intenção do pacto é grandiosa, sua redação não está isenta de críticas. Nesse sentido, vale mencionar a possibilidade de que a arras (sinal) seja parcelada em 6 vezes e somada ao perdimento de até 20% das parcelas pagas pelo adquirente até então, hipótese que descaracterizaria a finalidade do sinal que, na realidade, passa a integrar o preço. Ademais, não é clara a redação que obriga o incorporador, em caso de extinção do negócio, a devolver os valores pagos caso a unidade seja renegociada.
Adicionalmente, sem prejuízo de outras questões do pacto que podem ser melhoradas, chama a atenção a possibilidade de vencimento antecipado das prestações do contrato caso haja antecipação da entrega da obra pelo incorporador. Tal previsão pode ocasionar um incremento substancial no índice de inadimplemento pelo fato do consumidor adquirente ser surpreendido, não sendo tal hipótese benéfica para ambas as partes.
De outro lado, existem avanços como a possibilidade de se transferir ao adquirente o ônus de pagar a comissão de corretagem, desde que seja feita de forma transparente, hipótese que será decidida pelo STJ após a audiência pública antes mencionada. A delimitação de uma data fixa para que seja considerada oficialmente a entrega da unidade, bem como a vedação da cobrança da Sati, de verbas de decoração e taxa de deslocamento do adquirente, ainda que ditas despesas, obviamente se refletirão no preço final da unidade autônoma.
O pacto firmado possui validade nacional e precisa ser ratificado em até 60 dias pelas entidades signatárias. Convencionou-se, ainda, que a partir do dia 1º de janeiro de 2017 os termos do acordo deverão ser observados, com a necessária adequação dos contratos de promessa de compra e venda pelas associadas da Abrainc e da CBIC.
O âmbito de aplicação do acordo, ao menos nesse primeiro momento, restringe-se às associadas da Abrainc e da CBIC, englobando 26 incorporadoras no caso da primeira, assim como 81 associados, que incluem sindicatos e associações patronais do setor da construção, no caso da CBIC. Para essas entidades foi fixada uma multa de R$ 10.000,00 por contrato em desconformidade, sem prejuízo da responsabilização em outras esferas, particularmente, quanto às disposições do Código de Defesa do Consumidor que, em seu artigo 56, incisos I a XII fixa, entre outras penalidades, multa pela infração administrativa e intervenção administrativa.
Apesar do acordo, em princípio, não afetar as demais incorporadoras não associadas à Abrainc e à CBIC, a intenção é de que o pacto global tenha o seu conteúdo difundido junto aos Tribunais de Justiça brasileiros. O documento deixa clara a intenção de orientar a jurisprudência do Tribunais pátrios e estimular o Poder Legislativo à atualização da norma que rege as incorporações, a Lei 4.591/1.964.
Parece-nos que possivelmente esse acordo, sujeito às algumas adaptações, irá nortear a atuação das autoridades públicas competentes que atuam na defesa dos interesses difusos dos consumidores, como por exemplo, os Procons estaduais e municipais, o Ministério Público e as demais entidades que compõem o Senacon. Dessa forma, não se exclui a possibilidade de que os dispositivos do acordo sejam aproveitados para balizar as casuísticas de mercado envolvendo essas relações jurídicas (em demandas tanto individuais quanto coletivas) e, até mesmo, as incorporações de salas comerciais, de modo que é salutar que o mercado se inteire sobre os pontos contidos no acordo.
Recomenda-se a todas incorporadoras imobiliárias que, em conjunto com as suas entidades de classe, estejam atentas ao conteúdo do acordo, visando aportar críticas e sugestões construtivas, de modo a contribuir na delimitação do conteúdo de novas mudanças, trazendo maior equidade e segurança jurídica às partes.
Por fim, ao nosso sentir nesse momento, o legislativo e os tribunais brasileiros deveriam efetuar um esforço, no sentido de ouvir as entidades do setor imobiliário e as suas preocupações, proporcionado, desse modo, um verdadeiro aperfeiçoamento das relações entre incorporadoras e adquirentes, a fim de beneficiar toda sociedade com empregos e riqueza.
por Fábio Machado Baldissera é sócio do Souto Correa Advogados. Especialista em Direito Imobiliário (FADISP) e doutor em Direito (Universidad de Burgos/Espanha.
Fonte: Conjur
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