Quase cinco meses depois de entrar em vigor, a lei que permite a regularização de ativos enviados ao exterior ainda gera discussões no mundo jurídico. Uma das dúvidas está na definição de quais documentos o interessado deve reunir, caso caia numa espécie de “malha fina” da Receita Federal — estima-se que grande parte dos recursos deixou o Brasil há mais de 20 anos, entre as décadas de 1980 e 1990, e com auxílio de doleiros, que obviamente não emitem recibo.
O contribuinte deve identificar a origem dos ativos e declarar que foram recebidos em atividade econômica lícita. Segundo a própria Receita, não é obrigatório apresentar provas no momento de participar, pois cabe ao órgão o ônus de apontar eventuais informações falsas.
Assim, depósitos bancários, cotas de fundos de investimento e operações de câmbio ilegítimas, por exemplo, devem ter comprovante da instituição que guarda esses ativos, enquanto operações de empréstimo precisam contar com contrato entre as partes.
Para ações e participações societárias em empresas estrangeiras, é necessário apresentar balanço patrimonial. Marcas e patentes devem ter avaliação de entidade especializada, assim como veículos, aeronaves e outros bens móveis. Já os ativos vendidos, transferidos a terceiros ou não mais existentes devem contar com “documento idôneo que retrate o bem ou a operação a ele referente”. Segundo a professora, a comparação entre extratos antigos e novos pode ser suficiente.
Cliente sob sigilo
A advogada Helena Lobo da Costa, professora associada da Faculdade de Direito da USP e sócia do Costa, Coelho Araujo e Zaclis, aponta algumas situações específicas que exigirão confiança por parte da Receita.
Quando médicos, advogados e outros profissionais liberais enviaram ao exterior valores menores, mas constantes, será preciso demonstrar que eles trabalhavam no ramo no período das transferências. Para Helena, esses profissionais não precisam entregar documentações de cada cliente nem sequer identificá-los. Já quem abriu offshore, por exemplo, conta apenas com indício indireto: a documentação sobre a empresa criada em paraíso fiscal.
Pendências
Na avaliação da advogada, alguns vetos na lei abriram questionamentos, como o que retirou os crimes de descaminho (entrada ou saída de produtos sem passar pelos trâmites legais).
Se, na compra de uma lancha ou outro bem de luxo, parte do pagamento foi feito no exterior para declarar valor menor no Brasil, fica a dúvida se quem praticou a manobra é anistiado.
Heloisa Estellita acrescenta o receio de que as informações enviadas ao Fisco sejam compartilhadas com outros órgãos encarregados de atividades punitivas.
O advogado André Menescal, do escritório Nelson Wilians e Advogados Associados, defende a necessidade de mais previsibilidade sobre as consequências penais da declaração, como a proteção dos valores declarados. “Também é necessário definir prazo para que a Receita homologue a adesão, sob pena de homologação tácita”, avalia.
Osmar Marsilli Junior, sócio do escritório PLKC Advogados, afirma que alguns criminalistas entendem que se deve voltar 12 anos no histórico de ativos, embora a prescrição tributária seja de cinco. Ele também considera que não estão claras as situações de doação integral do patrimônio antes de 2014. “Caso um pai tenha transferido um valor não declarado no exterior ao filho antes do fim de 2014, é possível entender, na regra, que ambos terão de recolher 30% do montante na forma de imposto — tanto o pai, que doou, quanto o filho, que recebeu a doação —, o que seria um absurdo”, diz.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) planeja apresentar propostas ao governo interino de Michel Temer (PMDB) para regulamentar a lei, de acordo com a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo. A entidade diz que ainda há dúvida se as multas para quem confessar ter cometido crimes tributários serão calculadas com base no valor disponível em conta hoje ou sobre o total do que foi movimentado. Ainda segundo a coluna, pelo menos 180 pessoas já se inscreveram na Receita Federal.
Caminho sem volta
Mesmo com as lacunas no texto, os advogados consultados pela revista Consultor Jurídico concordam que quem movimentou dinheiro de forma irregular deve aproveitar a oportunidade.
O tributarista Heleno Taveira Torres, professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP e colunista da ConJur, afirma que não haverá outra janela para o programa.
A partir de 2018, começa a valer um acordo multilateral em que Brasil e uma série de países vão trocar informações fiscais. “Mais cedo ou mais tarde, será feita a identificação de contribuintes em situação irregular.”
Fonte: Conjur
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