A personificação jurídica é princípio basilar do direito societário, por meio do qual se opera a cisão entre a existência da empresa e dos seus sócios. A empresa existe e atua na prática dos atos concretos por meio de órgãos que lhe corporificam. Estes, por sua vez, são integrados por sócios ou não sócios, mas sempre nomeados ou eleitos na forma disposta no estatuto ou contrato social da respectiva sociedade empresária.
Por meio dos administradores as decisões são tomadas com vistas a alcançar a realização prática dos fins da empresa, sempre atendendo aos postulados da livre iniciativa, concorrência e das políticas tributárias.
O STJ fixa um marco pelo qual os minoritários devem dar especial atenção à adoção pela sociedade de regras de governança corporativa
O nexo causal, portanto, é elemento imperioso para a responsabilização do sócio administrador por conduta dolosa ou apenas culposa, quando se verifique a vontade de lesar terceiros ou a própria empresa, bem como diante da configuração de negligência ou omissão na condução dos negócios.
Destarte, em julgamento realizado no dia 13 de abril 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou esta regra no julgamento do Recurso Especial 1.250.582/MG. Com entendimento inovador, a Corte estendeu a responsabilidade pelos prejuízos causados pela administração ruinosa da empresa aos sócios cotistas de sociedade de responsabilidade limitada.
A decisão do STJ foi mais além, decidindo que se pode presumir o conhecimento pelo sócio minoritário acerca dos fatos praticados por toda a administração, razão pela qual deve a ele também ser imputada a responsabilidade perante toda a coletividade. De acordo com o entendimento arvorado, não apenas os administradores, mas, também os sócios ou acionistas minoritários poderiam ser responsabilizados. A decisão faz tábula rasa da regra legal que restringe o dever de indenizar aos administradores.
A corrente adotada no STJ vai ao encontro da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard of doctrine) por meio da qual, verificados os pressupostos de abuso do poder econômico ou fraude à lei, os dirigentes da empresa podem sofrer restrição em seu patrimônio para responderem pessoalmente pelos atos praticados à frente da empresa, conforme previsão do art. 50 do Código Civil.
A ineficiência do processo de execução tem conduzido à interpretação extensiva desta técnica, buscando fornecer ferramentas para que o Poder Judiciário dê resposta à sociedade nos casos de corrupção ou desvio de finalidade empresarial.
Esta decisão emerge em um momento de evolução legal, com o advento do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), que traz inúmeras novidades. Destaca-se a previsão da obrigatoriedade de instauração de um incidente para que possa ser decretada a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do art. 134.
O objetivo é que a ampla defesa dos administradores e sócios seja preservada na ânsia de solucionar o litigio judicial. Com o influxo de ideias da efetividade e celeridade do processo, esta polêmica decisão do STJ aponta para uma possível intensificação da técnica de desconsideração para que, após o procedimento sob o contraditório das partes, seja legitimada a extensão da responsabilidade patrimonial aos administradores, sócios minoritários e acionistas meramente investidores das sociedades anônimas.
A decisão gera uma irremediável contradição no sistema que deverá ser sanada, diante da inexistência de previsão legal da responsabilidade de outros sócios que não os administradores.
Com esta decisão, certamente o STJ fixa um marco a partir do qual os sócios minoritários devem dar especial atenção à adoção pela sociedade das regras de governança corporativa, por meio das quais a gestão da empresa é adotada de forma transparente, envolvendo todos os órgãos e sócios, sejam administradores, diretores ou minoritários.
No atual momento econômico brasileiro de instabilidade política, social e econômica, é salutar a adoção pelas empresas de procedimentos internos de conformidade com a legislação nacional (compliance), sobretudo, no que diz respeito às obrigações acessórias tributárias, proteção do consumidor e do meio ambiente.
As melhores ferramentas para o crescimento empresarial serão a adoção de política de prevenção e o planejamento para o autodesenvolvimento. As companhias não apenas terão de apresentar rentabilidade, mais ainda, oferecer segurança aos seus investidores.
por Paulo Henrique de Souza Freitas e Cristiano Aparecido Quinaia são, respectivamente, doutor em direito comercial (PUC-SP); mestrando em direito constitucional (ITE-SP) e sócio e associado de Freitas Martinho Advogados
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Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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