A repatriação de capitais, Lei nº 13.254 de 13 janeiro, permite a regularização de bens e valores remetidos ilegalmente e/ou mantidos no exterior, ou já transferidos para o país – RERCT.
Sem discutir a necessidade do ajuste fiscal e a moralidade da medida (benefício de quem sonegou tributo em relação ao que pagou corretamente), é mister saber sobre a segurança da utilização dos benefícios da lei. Há questionamentos sobre a constitucionalidade da lei que, após a confissão das infrações penais e fiscais, poderão surpreender aquele que confiou no incentivo da legalização e, aí sim, ressurgir a cobrança integral dos tributos e as acusações dos crimes supostamente anistiados.
A hipótese da lei é de que bens ou valores existentes ou não em 31 de dezembro de 2014, obtidos de origem lícita, quer dizer provenientes de atividade não proibida, omitidos anteriormente de tributação, sejam agora declarados. Haveria uma omissão de receitas para fins do Imposto de Renda (IR) ocorrida em algum ano anterior.
Inicialmente deve-se identificar qual a natureza do valor que será pago. Se o RERCT se refere a IR e o fato gerador (omissão) se deu há mais de cinco anos, já ocorreu a decadência e estaria extinto o direito de a Fazenda cobrar tributo ou impor penalidade. Então, não haveria tributo ou multa a pagar. A lei seria, assim, apenas uma anistia criminal? Quem pagar posteriormente poderá pedir devolução.
A lei, porém, diz que o fato gerador que obriga a pagar é a declaração posterior com a confissão da omissão anterior. Feridas, assim, as regras do IR.
Na verdade, foi criado um novo tributo sobre acréscimo patrimonial travestida de ganho de capital, que não é nem um nem outro.
Não se trata de ganho de capital, pois para o ganho precisa haver duas pessoas: a que aliena o ativo por um valor maior do que lhe custou e por isso aufere o ganho e o terceiro que compra esse ativo. Ninguém tem ganho de capital em relação a si mesmo. Para ser IR o fato gerador não ocorre com a declaração, mas quando se percebe a renda. Como tributar agora com lei nova um fato que do passado?
Superando tudo isto, teria que ser obedecida à anterioridade do artigo 150 da Constituição Federal. A norma, portanto, só poderá ser aplicada a partir de 2017.
Ora, quem alegar que é bom para o Brasil e, por se tratar de um benefício e a adesão ser voluntária, não se aplicam esses princípios, pergunta-se: dependendo do objetivo, poderá ser subvertida a ordem jurídica?
Como a hipótese do imposto, contudo, é a declaração de ativos anteriormente omitidos à tributação e agora declarados como acréscimo patrimonial adquirido em 31 de dezembro de 2014, então existe realmente um imposto novo que incidirá sobre o patrimônio e cujo fato gerador terá ocorrido naquela data, momento em que não existia a lei, mas que ela considera o acréscimo.
A declaração como simples informação de fatos poderá ser fato que gera tributo? É que os ativos não precisam ser repatriados e trazidos para o Brasil, poderão ser mantidos no exterior. Também, pode um tributo novo alcançar fatos passados antes da sua criação?
Ora, novos impostos somente poderão ser criados por emenda constitucional ou por lei complementar (art. 154 da Constituição), como a Lei do RERCT é lei ordinária, esse tributo sobre patrimônio é inconstitucional.
A lei diz ainda que se trata de remissão e que o acréscimo será tributado a 15% com multa de 15%. Na verdade, ao final apenas 20% a pagar (dólar de 31.12.2014). Seria remissão? De acordo com o art. 172 do CTN, porém, só poderá haver remissão nos casos ali previstos e em nenhum deles se enquadra o da lei. Outro futuro questionamento. Aqui não vai importar que os assalariados sejam tributados a 27,5% e as pessoas jurídicas a 34% e na omissão a multa é de 75% ou 150% com acusação de crime de sonegação. Flagrante desigualdade com o contribuinte brasileiro que também não pagou imposto e aqui permaneceu investindo os seus ativos no país.
Se for discutida a constitucionalidade da lei, e existem muitos pontos em desarmonia com o ordenamento, e daqui a cinco ou dez anos se ela for declarada inconstitucional como ficarão aqueles que se beneficiaram agora? O tributo e as penalidades poderão ser cobrados integralmente, pois não existirá prescrição (arts. 155 e 172 do CTN e eles poderão ser acusados dos crimes anistiados, pois houve confissão irretratável, apesar de a norma parecer dizer que não. Bom, poderão ser alegadas como atenuantes a boa-fé e a confiança legítima dos que acreditaram nos benefícios da lei.
Mas, a alternativa de não utilizar a Lei também é perigosa! A partir de 2018 estarão vigentes os acordos do Brasil com os demais países (FACTA e CRS) para que haja a informação dos ativos dos brasileiros no exterior. A partir daí o Brasil poderá saber desses ativos sonegados e só restará apostar nas prescrições. Daí porque deverá ser tomado bastante cuidado.
Foi aberta a consulta publica da regulamentação que traz restrições que não estão na Lei, como a exclusão do benefício quando houver crédito lançado ou ação em que não haja trânsito em julgado.
Há incerteza e insegurança para quem usar os benefícios da Lei que deverá estar alerta para se prevenir contra futuros questionamentos, ficando ele entre a cruz e a espada!
por Mary Elbe Queiroz é pós-doutora, doutora e mestre em direito tributário, membro do Conjur da Fiesp, membro da Comissão de Juristas do Senado para a Desburocratização, membro imortal da ANE, presidente do IPET e sócia do escritório Queiroz Advogados
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Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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