Ainda era estudante de Direito quando ouvi o meu saudoso pai narrando para um grupo de amigos a tensão por ele vivida numa reunião de empresários.
Para situar o leitor, registro que meu pai, durante muitos anos, comandou tradicional indústria cerâmica no interior do Ceará. Contava ele que despertara a fúria de alguns presentes quando contestou a batidíssima ladainha segundo a qual a Justiça do Trabalho “só protege o empregado”. O clima teria esquentado mesmo quando ele afirmou que a Justiça, em muitos casos, chancelando certos acordos, terminava por proteger o empresário nocivo. Lembro-me muito bem de suas palavras: “Ora, o sujeito viola a lei, sonega direitos dos empregados, burla a previdência, termina tendo um custo bem inferior ao meu. Eu não sofro reclamações trabalhistas, porque cumpro a lei. Já o meu concorrente, vive na Justiça do Trabalho. Porém lá, aproveitando-se da miséria do trabalhador, consegue um acordo pagando 40, 50, quando muito 60% do que deve. Resultado: livra, no mínimo, 40% do que, por lei, deveria ter pago ao trabalhador. Ou seja, teve um custo bem inferior ao meu. Obtendo esse proveito, tem condições de vender por um valor inferior ao cobrado pela minha empresa. Multipliquem isso por centenas de empregados e sintam o meu prejuízo. Agora mesmo perdi para ele uma licitação da Prefeitura. Vai continuar ganhando sobre mim, com o respaldo da Justiça do Trabalho. E vocês, empresários, com essa conversa de que a Justiça do Trabalho só protege o empregado [...]”.
Esse episódio, já distante, marcou a minha vida. E vem à minha mente com frequência, quando estou no fórum. Naquela época, sequer imaginava ingressar na magistratura do trabalho. Enquanto isso, o meu honrado pai, sem saber que o fazia e como quem previa o futuro, lecionava para mim, enfaticamente, sobre algo a ser considerado pelo juiz trabalhista. Como quem se adianta no tempo, ele repudiou aquilo que a doutrina e a jurisprudência, nos dias de hoje, conceituam como dumping social e os seus efeitos deletérios.
Recorro à vivência de meu pai no propósito de enaltecer a importância de estarem os juízes do trabalho atentos a certas práticas patronais abomináveis. Refiro-me ao cuidado que devemos ter para não chancelarmos certos acordos que nada mais são do que o coroamento de bem urdida sequência de atos voltados à precarização do trabalho e à exterminação do empresário que cumpre a lei.
por PAULO MONT’ALVERNE FROTA, JUIZ DO TRT-16ª REGIÃO
Fonte: Editora JC
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