Nas operações interestaduais o ICMS possuía tratamentos distintos para operações entre (i) contribuintes e (ii) não contribuintes. Com o tempo, e sob a desculpa de combater a guerra fiscal na importação, criou-se (iii) a figura do conteúdo de importação com uma alíquota de 4%. Agora, como se não bastassem (iv) as regras internas de cada ente federado e (v) a incidência do imposto na importação de bens e mercadorias (ou seja, sobre toda e qualquer coisa importada incide ICMS), surgiu com a EC nº 87/15 (vi) a sujeição a duas legislações distintas (origem e destino). E isso sem se mencionar a sistemática da (vii) substituição tributária, cujos contornos são bastante peculiares.
A Emenda Constitucional nº 87 jamais deveria ter integrado o ordenamento jurídico por conta da dificuldade de sua aplicação. Seu conteúdo é tão complexo que muitos empresários deixaram de realizar vendas para não se expor a multas. A questão de fundo envolve a absurda necessidade de conhecer legislações diferentes (Estados de origem e de destino), e também de obedecer a ambas – quanto a pagamento e quanto aos controles internos. Essa falta de praticidade, impossibilidade de atendimento aos desígnios legais, implica violação ao que a professora Regina Helena Costa denominou de "princípio da praticabilidade tributária". Segundo este vetor, as regras tributárias devem ser exequíveis e realizáveis. E não é o caso.
No cenário de complexidades atual, onde os contribuintes seguem entorpecidos, há ponto que merece destaque quanto ao abuso. Passou despercebida a forma como o Convênio ICMS 93/15 foi concebido pelo Confaz, e cuja cláusula 9ª (suspensa pelo Supremo Tribunal Federal por meio da ADI 5.464) vinculava a nova sistemática do ICMS também aos contribuintes do Simples.
A Constituição ao delimitar cada um dos regimes jurídicos tributários, distinguiu o ICMS do regime simplificado de arrecadação conhecido como Simples. Assim, para o Simples o tratamento está previsto no artigo 146, III, ‘d’ da Constituição que exige regramento por "lei complementar", não sendo admissível "convênio" pertinente ao ICMS.
E tal impossibilidade constou do Parecer PGFN/CAT 1226, de 3 de setembro de 2015, endereçado ao Confaz, cuja conclusão em seu item 93, "a", registrou a seguinte mensagem: "incluir os optantes do Simples Nacional na sistemática da Emenda Constitucional nº 87 adentra ao campo material reservado à lei complementar disciplinadora do tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e às empresas de pequeno porte".
Apesar da advertência foi expedido "convênio" envolvendo pequenos empreendedores ao complexo universo do ICMS, com danos à economia e aos micro e pequenos empresários. Tal desrespeito à Constituição causou danos à sociedade, conforme consulta divulgada pelo Sebrae e segundo a qual 25,2% dos micro e pequenos empreendedores suspenderam vendas destinadas a outros Estados; 8,8% suspenderam suas atividades por inteiro e 67,5% deles tiveram suas entregas atrasadas. Tais dados motivaram o Supremo a suspender liminarmente os efeitos da cláusula 9ª do Convênio ICMS 93/15 (ADI 5.464, rel. Min. Dias Toffoli).
Se o descompasso normativo não tivesse sido prévia e internamente identificado pela administração pública em si, os prejuízos pelas vendas impossibilitadas facilmente seria atribuído aos micro e pequenos empresários. Como não foi o caso, surge a necessidade de responsabilização estatal por esses danos. E cabe ao Ministério Público aferir repercussão de malefícios não apenas aos contribuintes, mas também à economia.
Muitas pessoas sonham em ter um negócio para chamar de seu. E isso é fundamental para a economia de qualquer país, porque além do lucro auferido, criam-se empregos, riquezas diretas e indiretas. Sem contar, é claro, com o incremento da arrecadação tributária. Essa é a ordem natural. Primeiro desenvolvem-se as atividades econômicas e depois "sobre" estas, surgem os tributos, sem os quais não há sociedade organizada. Mas, no Brasil, como se vê, a coisa é diferente. Exige-se o impossível.
Impossibilitando o presente, estar-se-á matando o futuro. Arrecadar é importante, mas não fora dos desígnios constitucionais. Exageros tributários devem ser evitados, e quando ocasionarem danos, como no caso do convênio em questão, devem ser devidamente ressarcidos A força da economia está na velocidade com que negócios e empregos são criados, mantidos e desenvolvidos. Nos dias de hoje, especialmente no caso dos micro e pequenos empresários, a advertência de Dante, em sua Divina Comédia, nunca foi tão atual: "deixai toda esperança, vós que entrais".
por Walter Carlos Cardoso Henrique é advogado, professor da PUC-SP e representante da OAB-SP no Codecon, além de presidente da Comissão de Assuntos Tributários do MDA e da Comissão Especial de Direito Penal Tributário da OAB-SP
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Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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