Quase quinze anos depois da edição das leis que instituíram o regime não-cumulativo do PIS e da Cofins, empresas e Receita Federal ainda não decidiram de forma definitiva o que podem ser considerados insumos.
A questão é vital para as empresas, pois elas dependem dessa definição para receber créditos e abater o valor a ser recolhido aos cofres públicos na forma de tributos.
O Executivo propõe agora uma reforma das contribuições sociais, enquanto os tribunais administrativos e judiciais batalham para definir um litígio estimado pela Receita em R$ 50 bilhões.
A discussão chegou agora à Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que definirá o tema em recurso repetitivo.
Apesar de nenhum dos tribunais ter jurisprudência definitiva sobre o assunto, ministros do STJ começam a olhar para o Carf para fundamentar seus votos. Ao mesmo tempo, conselheiros do Carf propõem mudanças de entendimento com base em decisões do STJ.
Quem segue quem?
Em fevereiro, o conselheiro Henrique Torres, da Câmara Superior do Carf, propôs revisar a orientação mais recente do tribunal administrativo, segundo a qual o insumo deve ser essencial para o processo produtivo para que gere créditos.
Segundo o conselheiro, a jurisprudência do STJ daria interpretação mais restritiva ao conceito de insumo – no sentido de que a matéria-prima deveria ser alterada ou desgastada no processo produtivo -, o que justificaria a adaptação do Carf ao entendimento do tribunal superior.
Ao apresentar voto-vista, a conselheira Vanessa Marini Cecconello afirmou que “no STJ predomina o conceito de essencialidade, não havendo motivo para mudança de jurisprudência [do Carf]”.
Uma decisão do STJ, de maio de 2015, cita julgamentos do Carf que interpretam o conceito de forma restritiva – seguindo a legislação do IPI -, e de forma ampla – nos moldes da legislação do Imposto de Renda – para seguir por uma via intermediária: a da essencialidade do insumo no processo produtivo.
“Em que pesem as boas razões colocadas pela doutrina e pelo transcrito julgado proferido no âmbito administrativo, não compartilho do entendimento pela possibilidade de utilização isolada da legislação do IR para alcançar a definição de ‘insumos’ pretendida. Reconheço, no entanto, que o raciocínio desenvolvido já ilumina o caminho para a solução da controvérsia ao elencar a essencialidade ao processo produtivo como atributo utilizável no conceito de ‘insumos’ e a desvinculação das definições próprias do IPI”, afirmou o relator do caso (Resp 1.246.317), ministro Mauro Campbell Marques.
Na decisão, ficou definido que insumos são “todos aqueles bens e serviços pertinentes ao, ou que viabilizam o processo produtivo e a prestação de serviços, que neles possam ser direta ou indiretamente empregados e cuja subtração importa na impossibilidade mesma da prestação do serviço ou da produção, isto é, cuja subtração obsta a atividade da empresa, ou implica em substancial perda de qualidade do produto ou serviço daí resultantes”.
Fases
Apesar de ensaiar mudar sua orientação mais recente, a Câmara Superior do Carf aderiu à tese da essencialidade no julgamento realizado em fevereiro. Com isso, a maioria dos conselheiros permitiu que a BRFoods aproveite créditos na aquisição de materiais para limpeza e desinfecção de máquinas, embalagens para transporte dentro da empresa e pallets (estrados de madeira).
De acordo com o advogado Breno Vasconcelos, do Mannrich, Senra e Vanconcelos Advogados, a jurisprudência do Carf vem se formando em etapas.
As primeiras decisões seguiram uma direção mais restritiva em relação ao aproveitamento dos créditos, próxima à legislação do IPI. Desta forma, poderia ser considerado insumo apenas o que se desgasta durante o processo produtivo ou é agregado ao produto final.
“Prestadores de serviço não teriam direito a nenhum insumo”, diz.
Em um segundo momento, formou-se uma jurisprudência mais favorável aos contribuintes, para enfim seguir pelo caminho intermediário.
“[Seria insumo] tudo o que é imprescindível para produção de receita”, explica o tributarista.
Segundo o advogado Douglas Odorizzi, do Dias de Souza Advogados, as decisões mais recentes do STJ levam em consideração o que foi decidido no Carf, ou seja, a essencialidade do insumo. Dessa forma, o julgador considera insumo aquilo que é indispensável para desenvolver a atividade geradora da receita.
Julgamento no varejo
O debate só deve ser encerrado com uma decisão em repercussão geral, do Supremo Tribunal Federal (STF), ou em recurso repetitivo, do STJ. A 1ª Seção do superior tribunal começou a analisar a questão no REsp 1.221.170, cujo julgamento orientará os demais tribunais e o Carf.
Por enquanto só há o voto do relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que foi além da questão da essencialidade ao considerar como insumo para o PIS e Cofins “todas as despesas realizadas na aquisição de bens e serviços necessários ao exercício da atividade empresarial, direta ou indiretamente”.
Em entrevista ao JOTA, Napoleão afirmou que o Carf se baseia na jurisprudência do STJ e usa praticamente o critério da qualidade física da coisa, “que é o mais óbvio”. O ministro defende que a decisão seja proferida em repetitivo por ser “uma questão muito importante e frequente”.
Segundo o ministro Sérgio Kukina, o problema é que o STJ tem julgado “no varejo”, no caso a caso. A esperança, diz ele, é que a 1ª Seção traga uma decisão capaz de atender as situações concretas dos diversos ramos de atividade industrial e dos demais setores da economia.
Assim como o ministro Napoleão, o ministro Kukina defende que, pela variedade de interessados na resolução da questão, deve haver discussão em repetitivo para estabelecer uma linha capaz de atender os interesses de diversos setores.
“Será feito todo o esforço no sentido de conseguir uma decisão que possa atender o maiorespectro possível de setores”, afirmou.
O ministro explica que o Carf mantém uma posição mais progressiva sobre a questão, “atendendo de maneira mais ampla o interesse e pretensão dos contribuintes”. Segundo Kukina, o STJ presta atenção nas decisões do Carf e o contrário também acontece.
“Percebemos isso pelas próprias decisões e súmulas do Carf”, afirma, acrescentando: “Evidentemente que observamos e procuramos acompanhar o entendimento do órgão especializado e que independentemente da questão que se abateu sobre ele, o Carf é um órgão vocacionado, na sua essência, para responder de maneira eficiente essas questões no âmbito recursal administrativo.”
Carf deve seguir o STJ
Para o tributarista Heleno Torres, professor da Universidade de São Paulo (USP), o Judiciário deve respeitar a credibilidade e confiar na especialidade do Carf, mas não pode abrir mão do dever de revisão e precisa fazer o controle difuso de constitucionalidade e o exame de legalidade.
O advogado Tiago Conde Teixeira defende que o que for julgado em repetitivo pelo STJ deve ser reproduzido pelos conselheiros do CARF, “assim como aconteceu em vários casos relacionados a crédito presumido de IPI”.
Tese superada?
O tributarista Igor Mauler Santiago, do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, defende uma linha mais ampla do conceito de insumo. Para ele, toda e qualquer despesa da empresa que seja tributada pelo PIS e Cofins dá crédito.
Ele compara com o Imposto de Renda, em que é possível deduzir todas as despesas da empresa para apurar o lucro. No visão da não-cumulatividade, tudo gera crédito desde que tenha sido tributado pelo PIS/Cofis. “Toda receita tem que ser tributada apenas uma vez.”.
Ele explica que essa linha ainda não é a mais seguida pelo Carf ou pelo STJ.
“O Carf e o STJ caminham juntos no sentido de entender como passíveis de creditamento os bens e serviços utilizados na atividade fim, operacional da mercadoria”, afirmou.
Caso a caso
O advogado Eduardo Pugliese, do Souza, Schneider, Pugliese e Sztokfisz Advogados, afirma que, pela tese da essencialidade, os tribunais tendem a ter que analisar as situações de cada empresa em particular, as situações caso a caso, para saber se os insumos apresentados pela empresa dão direito a crédito.
“Analisa-se cada caso concreto para verificar a essencialidade daquele produto para a atividade da empresa. O que pode ser insumo para determinado contribuinte pode não ser para outro”, diz.
A água, por exemplo, pode ser considerada insumo para uma mineradora, que precisa tirar sujeira de minérios, mas não para uma prestadora de serviços, ilustra Vasconcelos.
Fonte: Jota
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