INTRODUÇÃO
De acordo com a estrutura conceptual do SNC1, as demonstrações financeiras de uma empresa devem proporcionar informação acerca da posição financeira, do desempenho e das alterações na posição financeira de uma entidade que seja útil a um vasto leque de utentes na tomada de decisões económicas. Mas a leitura estática (e em termos absolutos) das demonstrações financeiras não permite, isoladamente, obter uma análise completa e crítica sobre a situação de uma entidade quanto à sua estrutura de capitais, liquidez, rendibilidade, atividade e risco. A análise e correta interpretação dos indicadores (normalmente rácios) económico-financeiros de uma entidade assume, neste contexto, um papel de extrema importância (Hawkins, 2002). Contudo, importa realçar que os rácios são sobretudo úteis em termos comparativos e que devem ser analisados de uma forma crítica. Os gestores e outros utilizadores da informação financeira não se devem limitar a efetuar uma análise estática interna, mas antes observar a evolução dos referidos indicadores ao longo do tempo, efetuando comparações com o conjunto das empresas do setor (análise setorial) e com os seus concorrentes mais diretos (benchmarking). É igualmente importante não esquecer que a análise dos indicadores dá-nos, sobretudo, indícios sobre o desempenho de uma empresa (e não conclusões), pelo que devem ser complementados por outras técnicas (tais como a análise de fluxos) e, se necessário, pelo recurso a fontes de informação complementares2. Outros cuidados relacionam-se com a possível distorção da informação no caso de alterações às políticas contabilísticas, o eventual efeito de sazonalidade nalguns setores e a qualidade da informação utilizada (Brandão, 2003; Gonçalves, 2013). Assim, previamente à análise financeira, é por vezes necessário ajustar as demonstrações financeiras da empresa, de modo a que estas proporcionem uma imagem verdadeira e apropriada da sua situação económica e financeira.
É neste contexto que iniciamos este artigo com a apresentação dos principais rácios que nos ajudam a compreender e a interpretar o desempenho económico-financeiro de uma empresa, designadamente os indicadores relacionados com a estrutura de capitais e endividamento, liquidez, rendibilidade, atividade e risco. Os rácios analisados são os existentes na Central de Balanços do Banco de Portugal3, de modo a facilitar a posterior comparação setorial. Na segunda parte do artigo é apresentado um estudo de caso.
PARTE I - INDICADORES ECONÓMICO-FINANCEIROS - CÁLCULO E INTERPRETAÇÃO
1_ESTRUTURA FINANCEIRA E ENDIVIDAMENTO
No financiamento da sua atividade, as empresas recorrem a capitais próprios (capital social, meios libertos gerados pela empresa não distribuídos, prestações acessórias de capital, etc.) e a capitais alheios (financiamentos bancários, leasings, empréstimos obrigacionistas, desconto de letras e livranças, etc.). Mas, como se decide a estrutura de capitais de uma empresa? A teoria das finanças empresariais concebeu, desde a década de 50 do século passado, um conjunto variado de teorias sobre a formulação da estrutura de capitais das empresas, sendo duas das mais relevantes a do Pecking Order4 (Ordem pré determinada) e a do Tradeoff5.
A consideração de assimetria de informação, entre os gestores e os investidores, conduz à existência de uma hierarquia pré-determinada das fontes de financiamento, de acordo com a hipótese de Pecking Order. Segundo esta abordagem, os gestores têm preferência pelas fontes de financiamento geradas internamente (resultados retidos) e apenas, quando o autofinanciamento se torna insuficiente é que recorrem a financiamento externo. Nesse caso, os gestores privilegiam a emissão de dívida em detrimento da emissão de novas ações (aumento de capital).
De acordo com a teoria do tradeoff, é necessário balancear as vantagens associadas à dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros da dívida com as desvantagens do excesso de endividamento, relacionadas com os custos de falência - não apenas custos diretos (legais e administrativos relacionados com o processo de recuperação ou liquidação da empresa, tais como assessoria financeira e legal) mas também indiretos (associados à gestão corrente das empresas como, por exemplo, quebras de fornecimento dos fornecedores, redução do volume de negócios por perda de confiança dos clientes, maiores dificuldades de acesso ao crédito, etc.). Neste contexto, haverá uma estrutura ótima de capital que permite minimizar o custo do capital e consequentemente, maximizar o valor de uma empresa.
Contudo, as teorias sobre a estrutura de capitais, à semelhança de quase toda a investigação científica sobre finanças, pressupõem a existência de mercados eficientes e o livre acesso aos mercados de capitais (acionista e obrigacionista), o que não acontece para a generalidade das PME portuguesas, as quais estão quase exclusivamente dependentes do financiamento de um número restrito de acionistas e do financiamento bancário. Ainda assim, as teorias atrás indicadas poderão dar-nos uma ideia sobre as questões mais relevantes a ter consideração nas decisões das empresas sobre a sua estrutura de capitais e sobre quais as implicações que tais decisões (designadamente o excesso de endividamento) podem ter no desenvolvimento futuro dessas entidades.
Importa agora definir e interpretar os principais indicadores (rácios) relacionados com a estrutura de capitais, designadamente a autonomia financeira, a solvabilidade e a cobertura dos ativos não correntes.
Estes rácios permitem, genericamente, apreciar a forma como a empresa se financia, o grau da sua independência financeira e a sua capacidade para fazer face aos seus compromissos a médio e longo prazo (não correntes).
A autonomia financeira é um rácio que varia entre 0 e 1 (embora possa assumir valores negativos quando o capital próprio da empresa é negativo), e que representa a percentagem dos ativos totais da empresa financiados por capitais próprios. Este rácio exprime a solidez financeira da empresa e a sua capacidade para solver os seus compromissos não correntes. Quanto maior o seu valor, menor o peso dos capitais alheios no financiamento dos ativos da empresa e menores os respetivos encargos financeiros (juros de empréstimos obtidos). Este é um rácio utilizado por instituições de crédito e outras entidades, para medir o risco de crédito (Costa, 2003).
O rácio de solvabilidade geral permite também avaliar a estrutura de financiamento da empresa, colocando em evidência o peso dos capitais investidos pelos sócios ou acionistas no total dos capitais alheios (provenientes de entidades externas). Uma entidade está solvente do ponto de vista económico quando apresenta um capital próprio que garanta a liquidação do seu passivo e tenha expectativas de resultados que garantam a sua sobrevivência futura. A insolvência económica conduz sempre à insolvência financeira, isto é, à incapacidade da entidade em fazer face às suas responsabilidades correntes.
A cobertura dos ativos não correntes indica em que medida os investimentos são financiados por capitais estáveis (capitais próprios e passivo não corrente). Este rácio, conhecido por regra do equilíbrio financeiro mínimo, deve ser igual ou superior a 1 (ou 100%), isto é, os capitais próprios e o passivo não corrente devem, no mínimo, ser iguais ao montante do ativo não corrente.
Em complemento aos rácios da estrutura de capitais, importa também analisar os rácios de endividamento (ver quadro II), que permitem aferir a importância dos encargos financeiros. O custo dos financiamentos obtidos indica a taxa média dos encargos financeiros suportados pela entidade. Para além do aumento das taxas de juro de mercado, uma evolução positiva deste indicador poderá também ser um indício do maior risco de crédito da empresa e consequentemente do aumento das taxas de juro exigidas pelos seus credores financeiros.
A pressão financeira de uma entidade pode ser avaliada em termos do efeito dos juros suportados nos seus resultados operacionais. Quanto maior este indicador, menor a representatividade dos juros de financiamento nos resultados da empresa.
Conforme já referido, os rácios de uma entidade devem ser analisados em termos comparativos (temporais ou setoriais). A informação sobre o setor pode ser obtida através da Central de Balanços do Banco de Portugal ou dos Quadros do Setor6 produzidos por esta instituição. Assim, não sendo possível aqui retratar todos os setores, apresentam-se, a título meramente indicativo, os rácios (média agregada) da estrutura financeira e de endividamento de todos os setores de atividade (sociedades não financeiras) em 2011 e 2012:
Entre o ano de 2011 e 2012, constata-se uma deterioração da estrutura financeira das empresas não financeiras portuguesas. A autonomia financeira desce, ou seja, enquanto em 2011 os ativos da empresa eram financiados em 32,5% por capitais próprios, no ano seguinte, essa percentagem reduz-se para 29,6%. A solvabilidade geral também sofre uma queda, de modo que, no último ano, os capitais próprios da empresa passaram a representar apenas 42,1% dos respetivos passivos. Ainda que se mantenha o cumprimento da regra do equilíbrio financeiro mínimo (cobertura dos ativos não correntes superior a 100%), a percentagem dos ativos não correntes financiada por capitais permanentes (capitais próprios e passivo não corrente) diminui de 116%, em 2011, para 112,8%, em 2012. Neste contexto, o custo médio dos financiamentos obtidos aumenta (de 3,8% para 4,1%) e os juros suportados absorvem uma maior fatia dos resultados operacionais da empresa, dado que os resultados antes de impostos reduzem o seu peso nos resultados operacionais (de 51,4% para 23,4%).
2_INDICADORES DE LIQUIDEZ
Os rácios de liquidez proporcionam informação sobre a capacidade de cumprimento das responsabilidades exigíveis a curto prazo da entidade, designadamente o pagamento das dívidas a fornecedores, ao Estado e a outros credores correntes, assim como a amortização de financiamentos com maturidade inferior a 1 ano. Neste contexto, analisaremos os rácios de liquidez geral e de liquidez reduzida.
O rácio de liquidez geral traduz em que medida as obrigações de curto prazo estão cobertas por ativos que se esperam vir a ser convertidos em meios financeiros líquidos num período correspondente ao do vencimento das dívidas correntes (a curto prazo). Este rácio traduz a já anteriormente referida regra do equilíbrio financeiro mínimo (ver o indicador “cobertura dos ativos não correntes”), pelo que deve assumir um valor superior a 1 (ou 100%). Caso o rácio seja inferior à unidade, então o valor dos passivos com exigibilidade a curto prazo é superior ao valor dos ativos correntes (inventários, dívidas de clientes e meios financeiros líquidos), o que equivale à existência de ativos não correntes (ativos fixos tangíveis e intangíveis) financiados por capitais alheios correntes. Nestas circunstâncias, a empresa encontra-se numa situação de desequilíbrio financeiro e poderá ter problemas de liquidez a curto prazo. Convém, no entanto, sublinhar que um rácio de liquidez geral superior a 1 não é sinónimo de inexistência de problemas de liquidez! É necessário ter em conta que as rubricas do ativo comportam diferentes níveis de liquidez (os meios financeiros líquidos são pela própria natureza ativos líquidos, mas o mesmo não é possível dizer sobre os inventários e os clientes) e, uma vez mais, é fundamental garantir a fiabilidade e qualidade da informação (designadamente quanto ao efetivo reconhecimento de eventuais imparidades de inventários e clientes).
O rácio de liquidez reduzida difere do anterior pelo facto de excluir do seu numerador os ativos correntes menos líquidos - os inventários (e ativos biológicos consumíveis, quando aplicável). Contudo, a sua interpretação e as suas limitações (exceto quanto às imparidades de inventários) são idênticas ao rácio de liquidez geral. Se o rácio de liquidez reduzida for superior a 1, tal significa que mais de 100% das responsabilidades de curto prazo poderão ser satisfeitas recorrendo aos meios financeiros líquidos (caixa e depósitos bancários) e à cobrança de créditos de curto prazo.
Refira-se ainda que, na análise dos rácios de liquidez, se deve ter em conta o ciclo de exploração da empresa (natureza/sazonalidade da atividade) e os prazos médios de recebimento e pagamento comuns no setor. Acresce que, à semelhança de outros indicadores, os rácios de liquidez não devem ser utilizados isoladamente para caraterizar a situação financeira da empresa a curto prazo, e tal como todos os indicadores baseados no balanço, têm uma natureza estática, refletindo a situação da empresa num determinado momento. Assim, reafirma-se a importância da análise da evolução temporal dos rácios e da comparação setorial e concorrencial.
Retomando, como exemplo, o conjunto de empresas não financeiras em Portugal, vejamos então a evolução dos rácios de liquidez no último ano.
A liquidez das empresas não financeiras em Portugal deteriorou-se no ano de 2012 face ao exercício anterior.
Apesar da redução do rácio de liquidez geral, este mantém-se acima de 100%, o que significa que os ativos correntes são superiores aos passivos exigíveis a curto prazo. Contudo, observa-se que os inventários (cuja velocidade de transformação em tesouraria é menor do que outros ativos, como os saldos de clientes) assumem um peso significativo no conjunto dos passivos correntes (cerca de 33% em ambos os anos). Assim, uma vez que o rácio de liquidez reduzida é menor que 100%, a capacidade de cumprimento das obrigações financeiras a curto prazo, dependerá da adequada valorização e da rotação dos stocks da empresa.
3_INDICADORES DE RENDIBILIDADE
A análise da situação económica ou estudo da rendibilidade permite avaliar se uma empresa é rentável e a eficiência dos recursos utilizados, podendo ser desenvolvida através da análise de rácios mas também a partir da estrutura de rendimentos e gastos.
Tendo por base a demonstração dos resultados da empresa, a estrutura de rendimentos e gastos permite conhecer a evolução do peso percentual de cada uma das rubricas (tais como os consumos, os fornecimentos e serviços externos ou os gastos com o pessoal) no volume de negócios da empresa. A análise da estrutura de rendimentos e gastos ao longo do tempo permite obter uma perspetiva dinâmica da atividade da empresa e da importância relativa de cada uma daquelas rubricas. Alterações significativas na estrutura de rendimentos e gastos constituem um fator de alerta, sugerindo a necessidade de averiguar as suas causas. Tais alterações podem estar associadas a mudanças estratégicas (ex. opção por internalizar algumas operações do processo produtivo que anteriormente eram subcontratadas, o que se refletiria no aumento do peso dos gastos com pessoal e na redução dos fornecimentos e serviços externos) ou indiciarem problemas que exijam a intervenção dos gestores (ex. redução da produtividade).
Na análise dos rácios de rendibilidade destacaremos a rendibilidade das vendas, o EBITDA em percentagem do volume de negócios, a rendibilidade do ativo e a rendibilidade dos capitais próprios.
* Resultados de exploração = Resultado operacional (antes de gastos de financiamento e impostos) (EBIT) – rendimentos e ganhos em investimentos financeiros e meios financeiros líquidos + gastos e perdas em investimentos e outros gastos e perdas de financiamento. Por simplificação, muitas vezes utiliza-se o EBIT em vez do resultado de exploração.
** EBITDA (Earnings Before Interests, Taxes, Depreciations and Amortizations) corresponde aos resultados antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos.
A rendibilidade das vendas é um indicador do desempenho económico da entidade e traduz a rendibilidade da empresa após terem sido suportados todos os gastos de exploração, tais como consumos de materiais, fornecimentos e serviços externos, pessoal, depreciações e amortizações, entre outros. Reflete a política de preço, os gastos do processo produtivo e a eficiência na utilização dos fatores.
O EBITDA em percentagem do volume de negócios é uma medida da rendibilidade da empresa mas também da capacidade da empresa em gerar fluxos de caixa (cash-flows) a partir da atividade operacional.
A rendibilidade do ativo é uma medida da eficiência operacional dos ativos da empresa (correntes e não correntes) e permite avaliar o desempenho da totalidade dos capitais (próprios e alheios) investidos na empresa.
A rendibilidade dos capitais próprios representa a remuneração do capital investido pelos sócios ou acionistas (proxy da taxa de retorno efetiva do acionista). A decomposição da rendibilidade dos capitais próprios através da análise Dupont7 (versão simples) permite ainda identificar os value drivers da evolução da rentabilidade dos capitais próprios, designadamente a eficiência da empresa (rendibilidade líquida das vendas), a produtividade do ativo (rotação do ativo) e a alavancagem financeira (inverso da autonomia financeira).
Ainda que a análise da rendibilidade contabilística em termos históricos ajude a avaliar se a empresa é rentável e a medir a sua eficiência, ela apresenta duas importantes limitações: (i) nada nos diz sobre a rendibilidade futura da empresa e (ii) ignora o risco da atividade (sendo errado assumir que duas empresas são igualmente rentáveis se tiverem rácios de rendibilidade idênticos mas uma apresentar uma atividade muito mais arriscada que a outra).
Quanto à evolução da rendibilidade das empresas não financeiras portuguesas verifica-se, entre 2011 e 2012, uma quebra em todos os rácios, revelando um decréscimo dos seus níveis de eficiência.
Neste contexto, destaca-se a rendibilidade dos capitais próprios (retorno do acionista) que passou a ser negativa no último exercício. Pela análise Dupont, verifica-se que tal evolução decorre essencialmente do pior desempenho ao nível da eficiência da empresa, dado que, entre 2011 e 2012, quer a rotação do ativo quer a alavancagem financeira aumentaram.
4_INDICADORES DE ATIVIDADE
Os rácios de atividade refletem a eficiência na gestão dos créditos comerciais e do fundo de maneio da empresa e incluem três indicadores principais: o Prazo Médio de Recebimento (PMR), o Prazo Médio de Pagamento (PMP) e o Prazo Médio de Rotação dos Inventários (PMRI).
O PMR indica o período médio, em dias, que decorre entre o momento das vendas e/ou serviços prestados e o dos recebimentos.
O valor deste indicador depende da política de crédito da empresa e da eficácia das cobranças. Quanto mais baixo o rácio, menor o prazo que, em média, os clientes demoram a saldar as suas dívidas. O PMR efetivo deve ser comparado com os prazos acordados com os clientes e, caso sejam detetadas diferenças significativas, deve averiguar-se as suas causas e, se necessário, proceder a ações corretivas. Por exemplo, se o PMR efetivo é superior ao acordado com os clientes então existirão atrasos no recebimento de alguns clientes, o que poderá exigir uma maior eficiência na gestão de cobranças. Sugere-se ainda a comparação entre os PMR da empresa com os praticados no setor de atividade.
* As rubricas de vendas, FSE e compras são contabilizadas sem IVA, enquanto os saldos de clientes e fornecedores incluem IVA. Assim, por questões de consistência do numerador e denominador, no cálculo do PMR e do PMP devem ser consideradas as estimativas do IVA recebido de clientes e do IVA pago a fornecedores de compras e FSE.
** FSE – Fornecimentos e Serviços Externos.
O PMP expressa em quantos dias, em média, a entidade paga as suas dívidas comerciais (dívidas de fornecedores de matérias-primas, mercadorias e fornecimentos e serviços externos). Tal como para o PMR, não existem valores de referência objetivos, mas deve-se comparar os PMP da empresa com os prazos negociados com os fornecedores e os usuais no setor de atividade. Um PMP efetivo superior ao negociado com os fornecedores reflete atrasos nos pagamentos comerciais da empresa, o que poderá estar relacionado com problemas de liquidez. Nestas circunstâncias, para superar tais incumprimentos, a entidade deve encontrar formas de ultrapassar as dificuldades de tesouraria (através, por exemplo, da redução do PMR ou do PMRI) e/ou promover, se possível, a renegociação dos prazos de pagamento com os respetivos fornecedores. Uma redução do PMP poderá significar (i) perda de poder negocial com os fornecedores, designadamente na capacidade de impor prazos de pagamento mais longos, ou (ii) uma política eficiente da tesouraria de curto prazo, por exemplo através da redução do prazo de pagamento com vista à obtenção de descontos financeiros por antecipação do pagamento.
O PMRI exprime o tempo médio, em dias, de permanência dos inventários em armazém, ou seja, a rapidez com que os inventários são produzidos e/ou vendidos, sendo relevante a sua análise para efeitos da gestão do ciclo de produção e aprovisionamento. Tal como para os restantes indicadores (PMR e PMP), sugere-se a comparação do PMRI da empresa com os valores obtidos nos anos anteriores, dos concorrentes e valores médios do setor. Valores mais elevados para o PMRI poderão indiciar uma gestão menos eficiente do ciclo de produção e/ou a existência de inventários obsoletos e a eventual necessidade de tomada de medidas corretivas.
Deve-se também ter em atenção que o valor dos inventários depende dos critérios de valorimetria utilizados (FIFO8, custo médio ou outro), pelo que alterações ao método de custeio determinam, por si só, diferentes valores dos inventários e do respetivo PMRI, sem que haja qualquer alteração nos prazos de rotação dos inventários em termos reais.
O quadro seguinte apresenta a evolução dos rácios de atividade para as empresas portuguesas nos últimos dois anos.
Entre 2011 e 2012 não se observam alterações significativas ao nível dos indicadores de atividade das empresas não financeiras em Portugal. O PMR manteve-se inalterado enquanto o PMP e PMRI reduziram-se ligeiramente. Em 2012, o prazo de recebimento dos clientes situou-se, em média, nos 68 dias, sendo inferior ao prazo médio de pagamento a fornecedores (74 dias). Desde a entrada em armazém, os inventários das empresas portuguesas demoram, em termos médios, cerca de 143 dias até serem produzidos e vendidos.
5_ANÁLISE DE RISCO
No desenvolvimento da sua atividade as empresas enfrentam um conjunto de riscos que poderão influenciar decisivamente o seu desempenho no futuro. O risco reflete a probabilidade de variação dos resultados da empresa e pode ser classificado em dois grandes grupos: (i) risco de negócio e (ii) risco financeiro. O risco de negócio está genericamente associado à incerteza quanto aos resultados operacionais futuros da empresa, decorrente da instabilidade da procura, da estrutura de gastos, da volatilidade dos preços e dos custos dos fatores produtivos. As empresas endividadas estão também sujeitas ao risco financeiro o qual decorre da existência de gastos financeiros fixos. As empresas poderão ainda estar expostas a diferentes riscos financeiros, designadamente o risco de taxa de juro, o risco cambial, o risco de liquidez e o risco de falência (risco de crédito).
Ao nível do risco do negócio, é particularmente relevante a determinação e análise do ponto crítico e da margem de segurança. Esta análise é baseada na teoria do Custo-Volume-Resultado (CVR), a qual relaciona o nível de atividade (volume de negócios) com os gastos fixos (estáveis ao longo do tempo e independentes do volume de negócios) e variáveis (proporcionais ao nível de atividade). Esta teoria assume a estabilidade dos preços unitários de venda e a não existência de inventários de produção (ou seja, produção = vendas).
O Ponto Crítico corresponde ao nível de atividade em que a empresa não tem lucro nem prejuízo operacional (EBIT=0). Assim, se designarmos por margem bruta a diferença entre os rendimentos operacionais e os gastos variáveis, a empresa situa-se no ponto crítico quando a margem bruta é completamente absorvida pelos gastos fixos. Quanto maior for o ponto crítico, maior será o risco operacional do negócio.
A Margem de Segurança exprime o distanciamento relativo do nível de atividade atual da empresa (volume de negócios) face ao ponto crítico, ou seja, traduz o nível de segurança em que a empresa trabalha, acima de um resultado operacional nulo. Quanto maior a margem de segurança, menor o risco económico. Se a empresa tiver um nível de atividade próximo do ponto crítico, então a margem de segurança é baixa e uma pequena redução do volume de negócios poderá ter como consequência a entrada da empresa numa zona de prejuízos.
O risco de negócio pode ainda ser apreciado à luz do indicador Grau de Alavancagem da Atividade de Exploração (GAAE), o qual exprime em que medida uma variação percentual dos resultados de exploração é motivada por uma variação percentual do volume de atividade. A existência de gastos fixos determina que a variação do nível de atividade provoque uma variação não proporcional do resultado de exploração. Nessas circunstâncias, se o volume de negócios aumenta, como os gastos fixos se mantêm inalterados e se diluem por um maior número de produtos vendidos, o custo médio diminui (i.e., existem economias de escala), pelo que a variação percentual dos resultados será proporcionalmente maior que a variação percentual do volume de negócios. A este fenómeno designamos por efeito económico de alavancagem. Assim, o risco económico será tanto maior quanto maior o grau de alavancagem da atividade de exploração. Um GAAE de 5, por exemplo, significa que uma variação percentual de 1% nos rendimentos de exploração (volume de negócios), terá um impacto, no mesmo sentido, de 5% nos resultados de exploração.
O risco financeiro traduz a probabilidade da empresa não conseguir resultados operacionais suficientes para cobrir os juros suportados e outros gastos de financiamento, sendo um indicador desse risco o Grau de Alavancagem da Atividade de Financiamento (GAAF). Este indicador define-se como a variação percentual que ocorre nos resultados antes de impostos decorrente de uma variação percentual nos resultados operacionais, e quanto maior o GAAF maior o risco financeiro. Uma empresa com elevado endividamento suporta maiores gastos de financiamento estando, por isso, exposta a um maior risco financeiro. O Grau de Alavancagem das Restantes Atividades Financeiras (GARAF) reflete a variação percentual nos resultados operacionais em resultado de uma variação percentual nos resultados de exploração, e traduz a importância dos rendimentos e ganhos em investimentos financeiros e meios financeiros líquidos e dos gastos e perdas em investimentos e outros gastos e perdas de financiamento nos resultados operacionais.
Muitas vezes, por simplificação, utiliza-se no cálculo dos graus de alavancagem o EBIT em vez do resultado de exploração e, nesse caso, a análise do GARAF é irrelevante (sendo igual a 1).
* Resultados de exploração = Resultado operacional antes de gastos de financiamento e impostos (EBIT) – rendimentos e ganhos em investimentos financeiros e meios financeiros líquidos + gastos e perdas em investimentos e outros gastos e perdas de financiamento. Por simplificação, muitas vezes utiliza-se o EBIT em vez do resultado de exploração.
O Risco Global combina o risco económico e o risco financeiro de uma empresa, o qual pode ser medido pelo Grau de Alavancagem Combinada9 (GAC), traduzindo uma variação não proporcional do resultado antes de impostos face a variações ocorridas no volume de atividade. A título de exemplo, se o GAC for igual a 10, então uma variação de 1% nos rendimentos de exploração terá um impacto, no mesmo sentido, de 10% no resultado antes de impostos. Por último, saliente-se que o risco de negócio e o risco financeiro não são totalmente independentes, na medida em que elevados níveis de endividamento poderão provocar o receio de falência, com consequências ao nível da atividade operacional. Por exemplo, esse receio de falência poderá conduzir à redução das encomendas dos clientes, à maior exigência dos fornecedores quanto às condições de pagamento, eventuais dificuldades em determinados abastecimentos e à saída de alguns colaboradores, situações que se traduzem naturalmente no aumento do risco de negócio.
Vejamos então, como evoluíram os rácios de alavancagem para as empresas não financeiras em Portugal, entre 2011 e 2012.
A análise dos rácios de alavancagem permite constatar um aumento do risco global das empresas portuguesas neste período. Este efeito é visível quer ao nível do risco de negócio - o Grau de Alavancagem da Atividade de Exploração aumenta de 2,64, em 2011, para 3,13, em 2012-, quer ao nível do risco financeiro - dado que o Grau de Alavancagem Financeira mais do que duplica no último ano.
Esta primeira parte do artigo foi dedicada à apresentação e interpretação de um conjunto de indicadores do desempenho económico e financeiro das empresas, designadamente sobre a estrutura de capitais, endividamento, liquidez, rendibilidade, atividade e risco. Mais do que simplesmente elencar exaustivamente todo o tipo de rácios11, procurou-se identificar alguns dos mais relevantes, realçando as dificuldades que poderão existir na construção desses indicadores e os cuidados a ter na sua interpretação. De facto, mais do que mera aritmética, no cálculo e interpretação dos indicadores há que atender aos diferentes condicionalismos específicos das empresas, dos setores e aos critérios de valorização e mensuração utilizados na contabilidade. Deste modo, uma evolução negativa ou positiva de um determinado indicador poderá ter interpretações diferentes consoante as razões que justificam tal evolução. Procurou-se ainda realçar as limitações da análise isolada dos rácios, salientando-se a necessidade de, frequentemente, ser necessário recorrer a fontes de informação complementares que permitam efetuar uma completa e adequada análise da situação económica e financeira da empresa.
PARTE II – ESTUDO DE CASO
Encerramos este artigo com a apresentação de um Estudo de Caso – Empresa Beta, o que permitirá, por um lado, aplicar a maioria dos indicadores apresentados e, por outro, compreender melhor a importância da interpretação crítica dos resultados alcançados. Assim, proceder-se-á à caracterização da situação económica e financeira da empresa ao longo dos últimos três anos12, tendo por base as demonstrações financeiras da empresa e do setor. Antes da análise dos rácios, procederemos à apreciação da evolução e estrutura da demonstração dos resultados por natureza e do balanço13.
1_DEMONSTRAÇÃO DOS RESULTADOS POR NATUREZA
(a) Margem bruta (% da produção) = [1-consumos / (vendas e serviços prestados + variação nos inventários da produção)] *100; (b) Resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos; (c) Resultado operacional (antes de gastos de financiamento e impostos); (d) Resultados antes de impostos; (e) Autofinanciamento = Resultado líquido do período + depreciações e amortizações + imparidades (- reversões) + provisões (- reduções) + Aumentos (- reduções) de justo valor; (f) Fonte: Banco de Portugal - Central de Balanços.
A empresa Beta dedica-se à produção e comercialização de vestuário de homem e senhora, pelo que a sua atividade se enquadra na indústria do vestuário, designadamente na CAE 14131 - Confeção de outro vestuário exterior em série. Nos últimos anos, o volume de negócios apresenta uma evolução errática. Após uma quebra de 5,1% das vendas e serviços prestados no ano de 2011, a empresa recuperou no último exercício, aumentando até ligeiramente, o nível de atividade observado em 2010. A empresa Beta, que apresenta uma dimensão superior à média das empresas do setor, parece estar a perder alguma competitividade. De facto, entre 2010 e 2012, as empresas da indústria de vestuário apresentaram, em termos médios, um crescimento significativo, superior a 6% anuais14, bem acima do registado pela empresa Beta. A margem bruta apresenta um ligeiro decréscimo nos últimos dois anos (de 71,9% para 70,9%), ainda assim acima da média verificada no setor (entre 65% e 67%).
A estrutura de gastos da empresa tem-se mantido relativamente estável, ainda que apresente diferenças substanciais face à estrutura da empresa média do setor. Enquanto na empresa Beta a rubrica de gastos mais importante é a dos FSE (que absorve cerca de 50% do volume de negócios), seguida dos consumos (quase 30%) e dos gastos com pessoal (inferior a 20%), o mesmo não se verifica em termos médios no setor. Neste caso, os consumos e os FSE apresentam idêntica representatividade nas vendas e serviços prestados (cerca de 34%) e um pouco acima da dos gastos com pessoal (entre 27% e 31%). A opção pelo maior recurso à subcontratação (de algumas fases do processo produtivo) justifica, no essencial, tais diferenças, o que contribui para a redução dos custos fixos e consequentemente do risco do negócio. Este facto permite ainda que a empresa Beta, apesar de ter um volume de negócios bastante superior (+40%) ao valor médio do setor, tenha um número de trabalhadores idêntico (em 2012, a empresa tinha 22 trabalhadores, ou seja, apenas mais 3 que a empresa média do setor). O nível de produtividade, medido pelo volume de negócios por trabalhador é também superior (cerca de 46 mil euros na empresa Beta e 37 mil euros na média setorial), apesar de, nos últimos anos, se constatar uma tendência de redução/ estabilização, contrastando com o crescimento do setor.
Apesar do aumento significativo do EBITDA no último ano, este ficou aquém do registado em 2010. Ainda assim, a empresa conseguiu, com exceção do ano de 2011, ter um melhor desempenho ao nível da sua exploração que a generalidade das empresas do setor. O EBITDA em percentagem do volume de negócios da empresa Beta foi de 4,1% em 2012, enquanto na indústria do vestuário foi de apenas 3,4% (valor máximo atingido no período em análise). De facto, a margem EBITDA do setor (e também da empresa) situa-se num nível relativamente baixo, sendo inferior à registada noutros setores15, o que seguramente estará associado à existência de uma forte concorrência via preços (a nível nacional, mas também oriunda de outras geografias) e à maturidade desta indústria.
Os resultados líquidos da empresa Beta são negativamente influenciados pelos crescentes gastos financeiros (juros e gastos similares) suportados pela empresa, os quais, no último exercício, já representaram 2,1% do volume de negócios (significativamente superiores ao valores médios do setor). Com exceção do ano de 2011, a empresa Beta tem apresentado resultados líquidos positivos, ao contrário da generalidade das empresas do setor que, nos últimos três anos, sistematicamente registaram resultados líquidos do período negativos.
O autofinanciamento gerado pela atividade reduziu-se entre 2010 e 2012, sendo aliás negativo no ano de 2011. Deste modo, nesse ano, a empresa Beta não foi capaz de gerar financiamento internamente para cobrir o serviço da dívida, remunerar os capitais investidos pelos seus sócios/acionistas e/ou realizar novos investimentos.
2_BALANÇO
(a) Fundo de maneio = ativo corrente – passivo corrente; (b) Necessidades de fundo de maneio = necessidades cíclicas de exploração (inventários + clientes + estado e outros entes públicos ativo) – recursos cíclicos de exploração (fornecedores + estado e outros entes públicos passivo); (c) Fonte: Banco de Portugal - Quadros do Setor.
O ativo da empresa Beta é composto essencialmente por ativos correntes, entre os quais se destacam os inventários e as dívidas de clientes que, em conjunto, representam mais de 50% do total do ativo. Ao longo dos últimos anos, a composição do ativo da empresa não tem apresentado grandes oscilações. Ainda assim, o elevado valor dos inventários (com valor absoluto e relativo bastante superior à média do setor) deve merecer alguma atenção, dado tratarem-se de ativos que, pela sua natureza, são menos líquidos e poderão apresentar algum grau de obsolescência. Constata-se também um aumento dos ativos fixos tangíveis, em consequência dos investimentos realizados pela empresa nos últimos exercícios. Pelo contrário, em termos médios, na indústria do vestuário, o ativo não corrente, em particular o ativo fixo tangível, tem vindo a reduzir-se. Também a nível setorial se observa a maior representatividade do ativo corrente.
Os capitais próprios têm-se mantido relativamente estáveis, e financiam cerca de um terço do ativo da empresa (substancialmente superior ao verificado em termos médios no setor, onde os capitais próprios representam apenas 20% do ativo). Contudo, a reduzida maturidade dos passivos da empresa Beta poderá condicionar a sua liquidez a curto prazo. Importa ainda salientar a tendência de redução do saldo dos fornecedores, compensado pelo aumento contínuo do nível de endividamento da empresa, em particular dos financiamentos obtidos correntes. Aliás, a aparente substituição de passivo não remunerado (dívidas a fornecedores) por passivo remunerado (financiamentos obtidos) deverá ter contribuído decisivamente para o já referido aumento dos juros e gastos similares suportados nos últimos anos. A empresa Beta apresenta um nível de endividamento superior ao verificado em termos médios no setor quer em termos absolutos, quer em termos relativos.
A análise do fundo de maneio e a sua comparação com as necessidades de fundo de maneio sugerem a existência de desequilíbrios financeiros graves na empresa Beta, os quais se têm vindo a agravar ao longo dos últimos anos. O fundo de maneio tem sido sistematicamente inferior às necessidades de fundo de maneio para a sua atividade, o que tem exigido o sistemático recurso a financiamentos bancários de curto prazo. Acresce que, ao longo do período, o fundo de maneio tem-se vindo a reduzir, tornando-se negativo no último ano. Assim, no final de 2012, os ativos correntes detidos pela empresa, realizáveis a curto prazo, são inferiores ao seu passivo corrente, exigível a curto prazo. Deste modo, o risco de incumprimento das suas obrigações de curto prazo é muito elevado, o que exigirá da equipa de gestão da empresa, a rápida tomada de medidas que permitam ultrapassar esta grave situação.
A observação das demonstrações financeiras da empresa Beta permitiu traçar uma primeira imagem da sua situação económica e financeira, donde se destaca a instabilidade do nível de atividade e reduzida rendibilidade de exploração (ainda que superior ao verificado a nível setorial); problemas de liquidez e crescente nível de endividamento (e dos gastos financeiros), apesar da percentagem do ativo financiada por capitais próprios (autonomia financeira) ser relativamente confortável.
3_ANÁLISE DOS PRINCIPAIS INDICADORES ECONÓMICOS E FINANCEIROS
De seguida concluiremos o estudo de caso da empresa Beta com a análise dos principais indicadores económicos e financeiros. Todos os rácios que aqui se apresentam foram calculados a partir das demonstrações financeiras atrás apresentadas. Simultaneamente, disponibiliza-se uma folha de cálculo16 que permite, após a introdução dos dados das empresas e do setor correspondente, calcular automaticamente todos os indicadores apresentados ao longo deste artigo. Para além da sua esperada utilidade no apoio à gestão, esta ferramenta poderá também ser útil para a elaboração do relatório de gestão.
ESTRUTURA FINANCEIRA, ENDIVIDAMENTO E LIQUIDEZ
A autonomia financeira da empresa Beta tem vindo a reduzir-se ao longo dos últimos exercícios. Ainda assim, a percentagem dos ativos da empresa financiados por capitais próprios em 2012 (32,7%) é superior à registada, em termos médios, pelas empresas do setor de atividade a que pertence (20%). Contudo, a empresa não cumpre a regra do equilíbrio financeiro mínimo. No último exercício, os seus capitais permanentes (capitais próprios e passivo não corrente) foram inferiores ao ativo não corrente (i.e., a cobertura dos ativos não correntes é inferior a 100%). Esta situação decorre, não pelo facto da empresa Beta ter um nível de capitais próprios muito reduzido, mas antes pela reduzida maturidade dos seus passivos (a análise do balanço de 2012 permite verificar que o passivo não corrente representava apenas 3% do valor do ativo).
Entre 2010 e 2012, observa-se também um crescimento sustentado da taxa do custo dos financiamentos obtidos da empresa Beta.
Embora a nível setorial a tendência de subida dos custos dos financiamentos obtidos também se verifique, a empresa Beta regista, em todos os exercícios, um custo superior, tendo atingido, em 2012, 6,2% (5% no setor). O agravamento da taxa do custo dos financiamentos, a par do aumento do nível de endividamento, justifica o já anteriormente referido crescimento dos gastos com juros e gastos similares. Com efeito, em 2012, os resultados antes de impostos representam apenas 22,1% dos resultados operacionais (efeito dos juros suportados), ou seja, os juros e gastos similares absorveram grande parte dos resultados operacionais (EBIT).
As dificuldades financeiras da empresa são também reveladas ao nível do indicador dívida líquida / EBITDA. De acordo com este indicador, a empresa Beta necessitaria de mais de 7 anos para liquidar o seu passivo financeiro, admitindo a manutenção do cash-flow de exploração da empresa (EBITDA) e a não realização de novos investimentos. Este valor é claramente superior àquele que normalmente é recomendável (inferior a 3 anos17).
A evolução dos rácios de liquidez traduz as já referidas dificuldades que a empresa poderá ter no cumprimento das suas obrigações (passivo) a curto prazo. Não só o rácio de liquidez geral é inferior a 100%, em 2012, como os inventários (ativos com menor liquidez) assumem um peso muito significativo no total dos ativos correntes.
RENDIBILIDADE
A rendibilidade da empresa Beta caiu abruptamente em 2011, registando, nesse ano, resultados líquidos negativos. Apesar da recuperação já observada no último exercício, os níveis de eficiência da empresa mantiveram-se abaixo dos registados no ano de 2010.
Apesar disso, em comparação com a generalidade das empresas da indústria do vestuário, a empresa Beta tem tido, com exceção do ano de 2011, um melhor desempenho. Em 2011 e 2012, a remuneração do capital investido pelos sócios/acionistas da empresa tem-se situado a um nível muito baixo (ou mesmo negativo, em 2011), fixando-se em apenas 1,8% no último ano. Através da análise Dupont, podemos concluir que tal comportamento resulta da redução da eficiência e da produtividade do ativo da empresa. A eficiência da empresa, medida pela rendibilidade líquida das vendas (resultado líquido/volume de negócios) é muito reduzida - apenas 0,5% - ainda que superior à do setor (negativa nos últimos 3 anos). A produtividade do ativo (volume de negócios/ ativo) sofreu uma quebra superior a 12 pontos percentuais entre 2010 e 2012, sendo, nos últimos dois exercícios, inferior à da indústria do vestuário. Tal evolução resultou do incremento do ativo (entre 2010 e 2012, o ativo aumentou cerca de 11%) sem o correspondente aumento do volume de negócios (que, em igual período, cresceu muito ligeiramente – apenas 0,3%). O efeito da alavancagem financeira aumentou de forma sustentada neste período, atingindo 3,06 em 2012.
ATIVIDADE
O ciclo de tesouraria aumentou de 213 dias para 283 dias em apenas 2 anos. Este incremento de 70 dias foi originado, no essencial, pelo aumento do PMRI e pela redução do PMP. O PMP, que no início do período se encontrava muito acima do verificado no setor, tem vindo a reduzir-se muito significativamente, tendo atingido 82 dias em 2012 (88 no setor). Dado que, como já referido, as dívidas a fornecedores têm vindo a ser substituídas por financiamentos, esta evolução deverá estar relacionada com o menor poder negocial junto dos fornecedores, os quais estarão a exigir menores prazos de pagamento. O PMRI também aumentou de 247 dias, em 2010, para 289 dias, em 2012 – bem acima dos valores médios do setor, o que deverá estar relacionado com a gestão menos eficiente dos inventários e, eventualmente, com a existência de inventários obsoletos. A empresa não tem registado quaisquer imparidades de inventários (ver demonstração de resultados), o que seria expectável tendo em conta a natureza da atividade da empresa (vestuário). Aliás, em termos setoriais, constatamos que em todos os exercícios são registadas imparidades de inventários. Este aumento do ciclo de tesouraria é particularmente relevante, dado que estará a condicionar a evolução da liquidez da empresa. Assim, a empresa Beta terá de urgentemente encontrar soluções que contribuam para a maior eficiência na gestão de inventários e melhorem o seu poder negocial com fornecedores. Ao nível do prazo médio de recebimento, este tem-se mantido relativamente estável, e encontra-se alinhado com as práticas habituais na indústria do vestuário.
PONTO CRÍTICO
A empresa Beta apresenta uma estrutura de gastos maioritariamente variável (decorrente, conforme já referido, do recurso à subcontratação de algumas fases do processo produtivo), o que permite reduzir o risco operacional. Ainda assim, a forte redução do volume de negócios observada em 2011, provocou um aumento do ponto crítico e a redução da margem de segurança, a qual se situou, nesse exercício, abaixo dos 100%, o que equivale à existência de resultados operacionais (EBIT) negativos. Em 2012, o volume de negócios da empresa Beta (1.009 mil euros) situou-se acima do ponto crítico (915 mil euros), ainda que a margem de segurança não seja muito expressiva (o volume de negócios situou-se apenas 10% acima do ponto crítico), pelo que uma redução superior a 10% do volume de negócios, sem qualquer alteração na estrutura de gastos fixos, conduziria novamente a empresa para resultados operacionais negativos. Neste contexto, a empresa deverá efetuar uma gestão muito criteriosa dos seus gastos operacionais (fixos e variáveis) de modo a evitar que a situação de rendibilidade negativa se repita (à semelhança do verificado em 2011).18
RISCO
Entre 2010 e 2012, a empresa Beta aumentou significativamente o grau de alavancagem combinada (de 5,2, em 2010, para 37,8, em 2012), o qual foi motivado pelo crescimento quer do efeito económico quer do efeito financeiro de alavancagem. No ano de 2012, o grau de alavancagem da atividade de exploração (GAAE) situou-se em 8,3 (4,3 em 2010), pelo que, nesse ano, uma variação percentual do volume de atividade de 1% resultaria numa variação percentual dos resultados de exploração de 8,3%. O risco financeiro, medido pelo grau de alavancagem da atividade de financiamento mais do que triplicou em igual período (de 1,2 para 4,5), o que resulta do crescimento dos gastos financeiros (em valor absoluto e relativo – em percentagem do EBIT). Assim, em 2012, uma variação de 1% nos resultados operacionais provocaria uma variação de 4,5% nos resultados antes de impostos.
Comparativamente com o setor, a empresa Beta, em 2012, apresenta um efeito económico de alavancagem bastante inferior. Em contrapartida, o risco financeiro da indústria de vestuário é bastante inferior ao da empresa. Em termos globais, o risco do setor, medido pelo grau de alavancagem combinada, é bastante superior, o que decorre essencialmente do menor risco económico da empresa (o que, muito provavelmente, estará relacionado com o maior recurso à subcontratação da empresa Beta e menores custos fixos).
4_CONCLUSÕES
A situação económica e financeira da empresa Beta foi apreciada através da análise da evolução e estrutura das demonstrações financeiras (demonstração dos resultados e balanço) e de alguns dos principais rácios. Foi ainda, e sempre que possível, efetuada a respetiva comparação com o setor de atividade da empresa (indústria do vestuário). As principais conclusões que se extraíram da análise efetuada são, em síntese, as seguintes:
• Nos últimos anos, observa-se alguma instabilidade da atividade da Beta, ainda assim superior à média do setor e, aparentemente, a empresa está a perder alguma competitividade (o volume de negócios tem registado um ritmo de crescimento inferior à média do setor). A opção pelo maior recurso à subcontratação permite à empresa Beta reduzir os custos fixos e o risco do negócio, o que lhe tem permitido obter um nível de desempenho operacional superior à generalidade das empresas do setor. Da análise da demonstração dos resultados destaca-se, ainda, o crescimento dos gastos financeiros suportados e a redução do autofinanciamento entre 2010 e 2012.
• A análise do balanço permitiu identificar problemas de liquidez e crescente nível de endividamento. O elevado peso dos inventários no ativo da empresa Beta e a reduzida maturidade dos seus passivos condicionam os seus níveis de liquidez. Acresce que o aumento do nível de endividamento e a aparente substituição de passivo não remunerado (dívidas a fornecedores) por passivo remunerado (financiamentos obtidos) estarão a aumentar o risco de crédito da empresa e os respetivos custos de financiamento, com impacto direto na sua rendibilidade.
• Os indicadores de estrutura financeira, endividamento e liquidez confirmam os graves desequilíbrios financeiros da empresa e os problemas de liquidez. Apesar da autonomia financeira da empresa Beta ser superior à média do setor, esta tem vindo a reduzir-se nos últimos anos e a empresa não cumpre a regra do equilíbrio financeiro mínimo (devido essencialmente à reduzida maturidade dos seus passivos). A empresa poderá, a curto prazo, ter dificuldades em cumprir com as suas obrigações correntes.
• Apesar da redução da rendibilidade da empresa entre 2010 e 2012, os níveis de eficiência da empresa têm sido superiores aos da generalidade das empresas do setor.
• O ciclo de tesouraria aumentou significativamente nos últimos anos (motivado essencialmente pelo aumento do PMRI e pela redução do PMP) o que estará a condicionar a evolução da liquidez da empresa.
• A empresa Beta apresenta um risco operacional relativamente mais baixo devido à estrutura de gastos maioritariamente variável. Apesar da empresa estar com um nível de atividade superior ao ponto crítico, a margem de segurança não é muito expressiva.
• Entre 2010 e 2012, a empresa Beta aumentou significativamente o grau de alavancagem combinada, em resultado do crescimento, quer do efeito económico, quer do efeito financeiro de alavancagem.
Em suma, a sustentabilidade económica e financeira da empresa Beta exige, a curto prazo, a tomada de medidas que permitam reforçar a sua competitividade, melhorar a eficiência de gestão dos inventários, aumentar o poder negocial com fornecedores e ultrapassar os seus desequilíbrios financeiros. É assim urgente a reestruturação do passivo da empresa, que deverá passar pelo aumento da maturidade dos seus passivos e, se possível, pela redução do seu endividamento (eventualmente, através do reforço dos capitais próprios).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Banco de Portugal (2014). Quadros do Setor e Quadros da Empresa e do Setor – Notas Metodológicas: Série Longa 1995-2013. Estudos da Central de Balanços n.º 19. Novembro de 2014.
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Gonçalves, C., Santos, D., & Rodrigo, J. (2013). Relato Financeiro: Interpretação e Análise (2ª Ed.). Porto: Vida Económica.
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Ross, S., Westerfield, R., & Jaffe, J. (2002). Corporate Finance (6th international edition), Boston et al: McGraw-Hill.
Scott, J. J. H. (1976). A theory of Optimal Capital Structure. Bell Journal of Economics, 7(1), 33-54.
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1 Aviso n.º 15652/2009 de 7 de setembro.
2 Vejamos o seguinte exemplo: o prazo médio de recebimento de clientes de uma empresa aumentou significativamente no último ano. Ainda que esta constatação possa ser um sinal de alerta, é necessário obter informação complementar sobre as razões que determinaram tal aumento e averiguar a necessidade de implementar medidas corretivas. Tal evolução pode resultar de atrasos de pagamento dos clientes (o que poderá exigir medidas de reforço do controlo sobre o crédito concedido) ou resultar do maior crescimento das vendas para os clientes com maior prazo de pagamento.
3 Para uma descrição pormenorizada sobre o conteúdo (e respetivos aspetos metodológicos) dos Quadros do Setor ver Banco de Portugal (2014).
4 Abordagem desenvolvida por Myers, S. C. e Majluf, N. S. (1984) e por Myers, S. C. (1984).
5 A teoria do tradeoff foi desenvolvida, entre outros, nos seguintes estudos: Kraus, A. e Litzenberger, R.H. (1973), Kim, H. (1978) e Scott, J. H. (1976).
6 Os quadros do setor podem ser obtidos em: http://www.bportugal.pt/pt-PT/ServicosaoPublico/CentraldeBalancos/ Paginas/QuadrosdaEmpresaedoSetor.aspx.
7 O modelo aditivo e o modelo multiplicativo são versões mais desenvolvidas da análise Dupont. O modelo aditivo permite desagregar a rendibilidade dos capitais próprios em duas parcelas: a eficiência económica e o efeito da alavanca financeira. O modelo multiplicativo permite analisar o efeito combinado do investimento, do financiamento e da fiscalidade na rendibilidade dos capitais próprios. Para uma análise das versões mais desenvolvidas da análise Dupont ver, por exemplo, Martins (2002).
8 FIFO – First In First Out.
9 O GAC também pode ser calculado segundo a fórmula: GAC = GAAE X GAAF X GARAF
10 Os quadros do sector do Banco de Portugal não apresentam os indicadores Ponto Crítico e Margem de Segurança, pelo que não procederemos à sua análise.
11 Outros importantes indicadores, como os rácios de mercado aplicáveis a empresas cotadas (em que o PER - Price-Earning Ratio e o Dividend-Yield são apenas alguns exemplos), não foram aqui abordados, dado que se pretendeu centrar a análise no desempenho das PME portuguesas (não cotadas).
12 Serão analisados os exercícios de 2010 a 2012 em virtude de, à data de elaboração deste artigo, ainda não se encontrarem disponíveis os dados do setor para o ano de 2013.
13 Para uma breve caracterização da informação prestada pelo Balanço e Demonstração de Resultados ver Ross, Westerfield & Jaffe (2002).
14 Mesmo considerando a diminuição ocorrida no número de empresas do setor (de 2.961, em 2010, para 2.828, em 2012), o volume de negócios agregado do setor aumentou 5,5%, em 2011, e 2,5%, em 2012.
15 O EBITDA em percentagem do volume de negócios foi de 9,38%, em 2011, e 7,64%, em 2012, para o conjunto de todas as empresas (de todas as atividades) que constituem a base de dados da Central de Balanços do Banco de Portugal.
16 Disponível para descarga em: http://www.informador.pt/download/?k=bee-009-anexo01
17 A título de exemplo, para efeito das linhas de crédito PME Crescimento, as empresas com menor nível de risco de crédito são as que apresentam um rácio de dívida líquida / EBITDA inferior a 3 e uma autonomia financeira superior a 30% (ou 20%, no caso das empresas de comércio e serviços).
18 A indisponibilidade de informação pública sobre a natureza dos gastos (fixos/variáveis) para o conjunto das empresas do setor, não permite efetuar a comparação setorial destes indicadores “Ponto Crítico e Margem de Segurança”.
por Sandra Isabel dos Santos Correia
(Artigo originalmente publicado no Boletim Economia e Empresas, nos seus n.ºs 5, 6, 7, 8 e 9.)
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