A existência de um processo administrativo fiscal leva ao aperfeiçoamento da cobrança do crédito tributário, inclusive evitando a propositura de execuções fiscais inviáveis. No plano federal, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais está à frente dessa tarefa, demonstrando ser um órgão com inconteste especialidade e acurácia na apreciação das causas, como aflora do exemplo abaixo.
É que houve um Auto de Infração discordando de procedimento de contribuinte, no que tange a enquadramento de produto em benefício fiscal de redução de Imposto de Importação para bens de informática (artigo 16A da Lei 8.248/91). A autuação, então, refez a apuração do tributo, cobrando diferença.
Todavia, a 1ª instância recursal cancelou o lançamento, porque, no recálculo da autuação, valores foram arbitrados sem ter sido dado oportunidade para o contribuinte apresentar os dados contábeis reais. E, tendo havido essa desoneração, foi encaminhado recurso de ofício para a 2ª instância.
Ocorre que, na sessão de julgamento do Carf, o Conselheiro Relator votou pelo afastamento do defeito no arbitramento apontado no Acórdão da DRJ, aduzindo que “ao contrário do que afirmou o Acórdão, encontro neste processo comprovação de que a autoridade fiscal intimou (fls. 270-271) o contribuinte para informar os dados de CMO, mas há a resposta do contribuinte de sua impossibilidade (fls. 233-234) de apresentar esses dados”. Fato esse que poderia levar a ser negado o recurso de ofício da DRJ, para manter íntegra a autuação.
Porém, o desfecho foi outro, pois o conselheiro relator também detectou que, na intimação do acórdão da DRJ que o contribuinte recebeu, comunicando a anulação da autuação e o recurso de ofício, havia o seguinte registro: “deverá ser aguardado o resultado do julgamento do recurso acima mencionado”.
Daí porque possivelmente por isso o recurso de ofício subiu ao Carf sem as contrarrazões do contribuinte, que teve justas expectativas de que a decisão lhe seria favorável; e, portanto, a Turma do Carf, após essa minuciosa análise dos autos, decidiu que não poderia simplesmente reverter o cancelamento da autuação sem a manifestação e defesa do contribuinte; assim ementado e fundamentado:
Acórdão 3401-002.841 (publicado em 23.02.15)
RECURSO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE DA CONTRA RAZÕES POR PARTE DA CONTRIBUINTE. POSSIBILIDADE DE RECURSO VOLUNTÁRIO POR PARTE DA CONTRIBUINTE.
Prejudica a capacidade de defesa e de exercer o contraditório e prejudica a efetividade do Tribunal Administrativo apreciar a lide a contribuinte autuada ser orientada a não contestar ou apresentar as razões por que concorda ou discorda do Acórdão que recorre de ofício ao CARF, bem como das demais decisões ou atos que constituem objeto da lide. Justifica-se a anulação do processo a partir dessa orientação.
Voto (...)
Em minha visão, a unidade preparadora extrapolou o sentido do que disciplina a Lei do Processo Administrativo ao orientar a contribuinte a aguardar o julgamento do CARF do recurso de ofício, ou seja, ao orientar a contribuinte a não apresentar os argumentos porque não concorda com a decisão dos julgadores de primeiro piso. (...)
Não há na Lei proibição para que a contribuinte se manifeste ou conteste a decisão de primeiro grau, mesmo que aparentemente ela lhe seja favorável. Não há na Lei disposição que determina à autoridade preparadora orientar a contribuinte a não contestar a decisão do primeiro grau; ou mesmo de reforçar seus argumentos concorrentes ou não aos utilizados pelos julgadores a quo. (...)
Esse ato e proceder prejudica a capacidade de defesa e de contraditório da parte; e prejudica a efetividade da apreciação da lide por parte deste Tribunal.
Por isso, antes de prosseguirmos nos outros aspectos deste julgamento, proponho a este Colegiado anular o processo a partir da intimação da decisão de primeiro grau, de modo que outra seja produzida sem a ressalva constante da ora anulada, isto é, facultando a oferta de recurso ao conselho no prazo de trinta dias, como de praxe.
Riscos fiscais no STJ
Para compor o Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias para o exercício 2016, a PGFN atualizou e acrescentou os riscos fiscais, apresentando as teses e valores de ações judiciais em trâmite perante o STJ; assim fundamentada:
Nota PGNF/CRJ 102/2015 (publicada em 03.02.2015)
1. Objeto: Julgar-se-á a legitimidade da incidência da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) sobre os ganhos das entidades fechadas de previdência complementar – equiparadas por lei a instituições financeiras – a partir de mandado de segurança coletivo impetrado por associação que representa diversas dessas entidades. As contribuintes entendem não existir fato gerador quanto à CSLL e ao IRPJ, por supostamente serem proibidas de ‘auferir lucros’. Discussão travada no âmbito do REsp n. 1.419.370/DF, de relatoria da Ministra Assussete Magalhães
Estimativa de impacto: R$ 19,98 bilhões (Período de 5 anos - 2010 a 2014) e R$ 3,96 bilhões (2014).
2. Objeto: Julgar-se-á acerca do aproveitamento de créditos de PIS e COFINS apurados no regime não cumulativo (decorrente da venda ‘facilitada’ de aparelhos celulares) aos débitos existentes no regime cumulativo de apuração daqueles tributos (decorrente da prestação de serviços de telecomunicação). Discussão travada no âmbito do REsp n. 1.298.404/RJ, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques.
Estimativa de impacto: R$ 1,05 bilhão para 2014 e R$ 6,66 bilhões para os últimos 5 anos (2010 a 2014).
3. Objeto: Julgar-se-á acerca da possibilidade de exclusão da base de cálculo da COFINS e do PIS dos valores referentes ao ISS. Discussão travada no âmbito do REsp n. 1.330.737, recurso eleito como representativo de controvérsia, nos termos do Art. 543-C do CPC, de relatoria do Ministro Og Fernandes. O julgamento já foi iniciado em 10.12.2014 tendo o Ministro Relator proferido voto favorável à Fazenda Nacional, sendo que pediu vista o Ministro Mauro Campbell Marques. O risco se representa pela manifestação em sessão de alguns Ministros contrária à pretensão da Fazenda Nacional, escorados especialmente em precedente do Supremo Tribunal Federal que tratou da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.
Estimativa de impacto: R$ 3.928,07 milhões anuais.
4. Objeto: Julgar-se-á acerca da incidência de Imposto de Renda da pessoa física sobre os juros decorrentes do recebimento em atraso de benefício previdenciário. Discussão travada no âmbito do REsp n. 1.470.443, recurso eleito como representativo de controvérsia, nos termos do Art. 543-C do CPC, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques. O julgamento já foi iniciado em 24.09.2014 tendo o Ministro Relator proferido voto favorável à Fazenda Nacional, sendo que a Ministra Regina Helena Costa inaugurou divergência trazendo voto-vista contrário à pretensão da Fazenda Nacional e à jurisprudência que já se encontra pacificada na Corte. Em seguida, pediu vista regimental o próprio relator. O risco se apresenta porque já obtivemos informações de que há possibilidade de alteração da jurisprudência.
Estimativa de impacto: R$ 395 milhões somente para 2015.
5. Objeto: Julgar-se-á acerca da incidência do Imposto de Renda da pessoa física sobre o adicional de um terço recebido pelo gozo das férias do trabalhador. Discussão travada no âmbito do RESP 1.459.779, recurso eleito como representativo de controvérsia, nos termos do Art. 543-C do CPC, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques. O julgamento já foi iniciado em 26.11.2014 tendo o Ministro Relator proferido voto desfavorável à Fazenda Nacional, contrariando a jurisprudência que já se encontra pacificada na Corte. Em seguida pediu vista o Ministro Benedito Gonçalves. O risco se apresenta porque o próprio relator modificou a jurisprudência já pacificada com base em precedente do Supremo Tribunal Federal que tratou da incidência de contribuição previdenciária sobre o terço de férias.
Estimativa de impacto: R$ 4.270,76 milhões em 2015, R$ 4.723,58 milhões em 2016 e R$ 5.225,05 milhões em 2017.
Decisões variadas
a) No Acórdão 2803-003.781 (publicado em 19.02.2015), Turma do Carf cancela autuação contra Tribunal de Justiça estadual, apontando que não gera vínculo empregatício as atividades de conciliador e de juiz leigo; assim ementado: “de acordo com Provimento nº 7/2010 do CNJ, o exercício das funções de conciliador e de juiz leigo é de relevante caráter público, sem vínculo empregatício ou estatutário, é temporário e pressupõe a capacitação prévia e continuada, por curso ministrado ou reconhecido pelo Tribunal de Justiça, não ensejando, assim, a incidência de contribuições previdenciárias nos valores por eles percebidos”.
b) No Acórdão 3402-002.599 (publicado em 19.02.2015), Turma do Carf segue o entendimento de que o prazo de homologação tácita só atinge casos de compensação, ante a literalidade da norma (§ 5º do art. 74 da Lei 9.430/96), não se estendendo a pedido de ressarcimento solteiro; assim ementado: “pela absoluta ausência de previsão legal, não corre prazo contra a Administração Tributária para análise de pedido de ressarcimento”.
c) No Acórdão 2301-004.138 (publicado em 19.02.2015), Turma do Carf mantém autuação que enxergou verba de natureza remuneratória em plano de stock option; assim ementado: “contrato de opção de compra de ações firmado com pessoa física que envolve o seu trabalho tem o caráter mercantil cível ou trabalhista, dependendo de suas características. No caso em tela o contrato celebrado entre a Recorrente e o Beneficiário indicado, ficou comprovado que para exercer o direito de opção de compra de ações só pode ser exercido enquanto o Beneficiário mantiver vínculo empregatício, ou seja, uma condição sem a qual não (conditio sine qua non) existe o direito de compra de ações. Contrato em que não há risco para a Recorrente na relação, ficando tão somente ao trabalhador que presta seu serviço em troca de um possível ganho de capital, o que fere a relação frontalmente, a medida que não há equidade nela. No presente caso há traços marcantes da subordinação, dependência e controle, que determinam a relação de contrato de trabalho ao simples fato de a Recorrente estabelecer no contrato que a opção de compra somente poderá ser exercida pelo empregado/beneficiário enquanto este prestar serviços a ela e ou a Companhia”.
por Mary Elbe Queiroz é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.
Antonio Elmo Queiroz é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.
Fonte: Conjur
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