segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

09/02 Planejamento reprimido em duas vias

O fisco federal, ao defrontar-se com planejamentos tributários, tem produzido autuações muitas vezes mantidas na discussão administrativa perante o CARF, sendo importante conhecer as razões do Poder Judiciário quando também analisa com severidade os negócios privados.

Foi o que ocorreu em apreciação de Agravo de Instrumento, que objetivou a reforma de indeferimento de medida liminar em ação de rito ordinário. A causa no 1º grau combatia uma glosa de despesa de um contribuinte, feita pela Receita Federal, o que gerou Auto de Infração.

A parte glosada se referia a despesas do contribuinte, em contrato de prestação de serviço em barcos para empresa petroleira, estando vigorando no mesmo momento outro contrato de afretamento dos mesmos barcos pela empresa petroleira, dessa vez com empresa vinculada ao contribuinte no exterior. Segundo a Receita Federal, o contrato de afretamento não era tributado, pois com alíquota zero; e o outro contrato, de prestação de serviço do contribuinte, gerava baixa receita e redundava em prejuízo ante as despesas. Ou seja, a empresa sem tributação ficava com a receita e, a tributada, com a despesa, portanto gerando apenas prejuízo.

Assim, a situação foi enquadrada como um contrato único, de agenciamento pelo contribuinte, sem possibilidade de deduzir a despesa do lucro, pois a despesa seria da empresa que afretou, não do contribuinte que teria sido um mero agenciador do afretamento.

Como se vê, uma ampla desconsideração de contratos e lançamentos contábeis.

Pois bem, houve uma decisão monocrática no E. TRF2 também negando liminar, por visualizar que teria havido um planejamento tributário indevido para gerar prejuízo, e portanto não teria ocorrido a despesa, sendo endossada a alegação da autuação, e mantida pelo CARF, de que o contrato de afretamento, e concomitante contrato de prestação de serviço, seria uma dissimulação para criar a despesa.

Mas o ponto importante para destacar, que mostra o rigor com que vem sendo tratados os arranjos empresariais tanto na via administrativa quando na judicial, reside no fato de ter existido uma alteração de lei justamente para contemplar, e tributar de forma especial, a situação do contribuinte; mas mesmo assim a decisão afastou a retroatividade para beneficiar o contribuinte; e, na verdade, a nova lei foi usada contra o contribuinte, apontando que se houve uma alteração de lei é porque antes a construção contratual era ilegal. Decisão assim fundamentada:

Agravo de Instrumento 0108785-73.2014.4.02.0000 (publicada em 19.01.2015)

Com efeito, a conexão de contratos de afretamento e prestação de serviços empreendidos pelos atores do palco contratual descrito nos autos, tem sido objeto de suspeita de dissimulação por parte do fisco, com eventual perda de considerável receita de IR e CSSL.

No caso, a “XX” exige dos licitantes para participação de afretamento e prestação de serviços de manutenção das embarcações fretadas, a entabulação de planejamento tributário que redunda na criação de subsidiária brasileira de empresa estrangeira, sendo esta remunerada diretamente pela “XX”, pelo afretamento, gozando de benefício fiscal, ao passo que a empresa brasileira, suporta todos os ônus da manutenção e, por conseguinte, das despesas de operação, não gerando lucro, mas, ao que pareceu à Fazenda, senão prejuízos.

Tal procedimento contratual, embora possa ser defendido à luz do princípio da autonomia da vontade, na entabulação de contratos atípicos, conexos, ou mesmo união de contratos (Antunes Varela e Mário Júlio de Almeida Costa), empolgando o princípio constitucional da livre iniciativa, não é de molde a afastar a incidência da legislação tributária.

Nesse passo, revela notar que no ano de 2014, em 13/11, veio à lume a Lei nº 13.043/14, cujo art. 106, inseriu novos parágrafos no art. 1º da Lei nº 9.481/97, com a seguinte redação:

“Art. 1º A alíquota do imposto de renda na fonte incidente sobre os rendimentos auferidos no País, por residentes ou domiciliados no exterior, fica reduzida para zero, nas seguintes hipóteses:

I - receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras ou motores de aeronaves estrangeiros, feitos por empresas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes, bem como os pagamentos de aluguel de contêineres, sobrestadia e outros relativos ao uso de serviços de instalações portuárias; (...)

§ 2o No caso do inciso I do caput deste artigo, quando ocorrer execução simultânea do contrato de afretamento ou aluguel de embarcações marítimas e do contrato de prestação de serviço, relacionados à prospecção e exploração de petróleo ou gás natural, celebrados com pessoas jurídicas vinculadas entre si, do valor total dos contratos a parcela relativa ao afretamento ou aluguel não poderá ser superior a: (...)”

Veja-se que a construção contratual utilizada pela recorrente, somente encontrou amparo na legislação tributária no final do ano de 2014, induzindo à conclusão segundo a qual os negócios jurídicos não guardavam consonância com a legislação de regência, devendo, desse modo, prevalecer a conclusão da maioria, vazada no julgamento pelo CARF.

Destaco que a nova legislação não pode ser aplicada retroativamente por não se tratar de lei mais benéfica, lex mitior, mas legislação que inaugura novo regime jurídico, com caráter prospectivo.

Apenas se se tratasse de legislação que penalizasse a autora com nova dosimetria da pena ou sua subtração é que se poderia falar de retroatividade benéfica.

por Elmo Queiroz - Advogado sócio de Queiroz Advogados Associados. Vice-presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários (IPET). Pós-graduação em Direito Tributário (IBET/SP) e em Docência do Ensino Superior (UFRJ/RJ).

Fonte: Foco Fiscal

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