A recente possibilidade de pagamento de dívidas tributárias com precatórios fez empresários e investidores olharem com mais atenção para esse mercado bilionário. Cresceram as apostas em fundos de renda fixa com esses papéis e em empresas especializadas na negociação com credores de títulos federais, estaduais e municipais. Esquecidos pelo Estado, eles agora são assediados por atendentes de call center, que os orientam e tentam convencê-los a vender, com deságio, seus créditos.
Em atividade desde 2002, a São Paulo Investimentos treinou e montou uma equipe para a compra de precatórios – um mercado estimado hoje em aproximadamente R$ 160 bilhões. Os papéis, negociados diretamente com os credores originais, vão para fundos de investimentos e empresas interessadas em usá-los para pagar dívidas fiscais, prática que ganhou força com Emenda Constitucional nº 99. Publicada em dezembro de 2017, a norma obriga municípios, Estados e o Distrito Federal a editarem regulamentações neste sentido.
O atual cenário, segundo Corino, tende a prestigiar o dono de precatório, que até então, por conta da demora, deixava o título de herança para familiares ou acabava se desfazendo dele por um preço infinitamente menor que o valor de face. O futuro, acrescenta, será promissor. "Em dez anos, será um mercado operado por grandes bancos, com pequenas margens de ganho, privilegiando, portanto, o dono do precatório", avalia o CEO da São Paulo Investimentos.
O mercado já começou a se sofisticar, a ponto de já existir empresas especializadas na venda de informações sobre o andamento dos processos e da fila de recebimento. Dependendo do valor do crédito, basta o nome do credor aparecer no início da fila de recebimento para começar a receber propostas de venda, vindas de várias direções.
A Mercatório, de Belo Horizonte, surgiu há um ano sob a premissa de que a obscuridade do mercado de precatórios e a falta de confiança e informações entre as partes inibem a realização de negócios. Uma de suas atividades é a venda de informações sobre as ordens judiciais contra os Estados, a União e os municípios para importantes fundos de investimentos.
"Nosso objetivo principal é aproximar os credores dos compradores", diz Breno Rodrigues, gestor do Mercatório. "Estruturamos e organizamos as informações que estão dispersas na internet e que serão usadas para a tomada de decisão de investimento."
Dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) do mês de maio, mostram, por exemplo, a existência de 26 fundos de investimentos em direitos creditórios (FDICs), que trabalham com um total de R$ 3,8 bilhões em precatórios. A maior parte desses fundos opera com títulos federais, que costumam ser pagos pela União com maior rapidez e, portanto, com deságio menor, de cerca de 20%. Mas já existem operações sendo feitas com os precatórios estaduais.
A área de precatórios também é aproveitada por escritórios de advocacia. O Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados, por exemplo, assessora bancos e fundos de investimentos na compra desses créditos. "Nos últimos dois anos, os fundos internacionais têm olhado com muita atenção para esse tipo de oportunidade no Brasil. A taxa de retorno e os deságios são interessantes, além do fato de terem a garantia de um título público", afirma advogado Tiago Lopes.
Para o advogado Cristiano Maciel, do escritório Maciel Advocacia, o aquecimento do mercado está ligado à publicação das emendas constitucionais 94 e 99. "A legislação trouxe uma segurança jurídica para as operações envolvendo os precatórios. O assunto, que antes era proibido e nebuloso, entrou na pauta dos escritórios de advocacia", diz.
No Estado de São Paulo, a questão foi regulamentada por meio da Portaria nº 12, editada em maio pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Empresas com dívidas de cerca de R$ 600 milhões, em média, procuraram o órgão para realizar a compensação. Por ora, porém, nenhum dos precatórios apresentados passaram pelo crivo da Procuradoria.
De acordo com o coordenador de Precatórios da PGE-SP, Wladimir Ribeiro, há quem compre esses papéis sem saber a procedência, em que termos e mesmo se existem. Os problemas são identificados logo na primeira etapa, que é a verificação da titularidade do papel. "Parte dos contribuintes que nos procuraram para fazer a compensação tinham créditos adquiridos num passado remoto. As cessões mais recentes mostram-se mais regulares", afirma.
Hoje, São Paulo é o Estado que mais deve em precatórios. As dívidas do governo estadual e dos municípios paulistas somadas alcançam R$ 59 bilhões (valor atualizado até setembro de 2017). Em segundo lugar, aparece o Paraná, com R$ 8,8 bilhões, seguido do Rio Grande do Sul, com R$ 5,1 bilhões, e Rio Grande do Norte, com R$ 5 bilhões. As informações da Mercatório têm como base de dados Tribunais de Justiça de cada Estado.
Por Sílvia Pimentel | De São Paulo
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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