RESUMO: O trabalho é uma atividade ligada umbilicalmente com todas as esferas da vida de uma pessoa, posto que parte significativa do tempo de vida do ser humano estar-se a trabalhar, o que reflete nas dimensões pessoais, familiar e sociais do trabalhador. De tal sorte, um ambiente de trabalho sadio é fulcral para o bem desenvolver da pessoa, em todas as referidas dimensões. Não é por outra razão que os direitos sociais são erigidos a status de direitos humanos. O objetivo do presente ensaio é exatamente aferir os contornos jurídicos normativos que permitem a subsunção de condutas como forma de assédio moral laboral e, nestes termos, o consequente jurídico da referida prática. A pesquisa em tela, fazendo uso de uma metodologia de análise qualitativa, usando-se os métodos de abordagem hipotético-dedutivos de caráter descritivo e analítico, adotando-se técnica de pesquisa bibliográfica, tem por linha de fundo fazer uma análise dogmática quanto à construção normativa da conduta de assédio moral no bojo do sistema jurídico brasileiro, tendo por vetor axiológico, sempre, a busca da eficácia dos direitos fundamentais esculpidos na Constituição Federal de 1988.
O assédio moral possui diversas denominações no direito comparado: acoso moral, na Espanha; mobbing, na Itália e na Alemanha; ijime, no Japão; bullying, na Inglaterra; harassment, nos Estados Unidos; harcèlement moral, na França. Também é comum a terminologia de psicoterror.
O chamado assédio moral laboral, em verdade, é fruto da apropriação da terminologia mobbing utilizada na ciência que estuda o comportamento animal (etologia), o qual está relacionado com a prática coletiva de animais praticarem comportamentos hostis com o desiderato de banir um dos seus membros do convívio do bando.
O mobbing no contexto laboral só fora utilizado na década de 1980 pelo psicólogo do trabalho Heinz Leymann. A referida terminologia e o assunto em si ganham destaque e importância em seu estudo a partir de 1998 com a obra da psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen (Harcèlement Moral: Démêler le Vrai du Faux)1.
Heinz Leymann foi o primeiro a definir o mobbing laboral, apresentando o tema da seguinte maneira:
"Psychical terror or mobbing in working life means hostile and unethical communication which is directed in a systematic way by one or a number of persons mainly toward one individual. There are also cases where such mobbing is mutual until one of the participants becomes the underdog. These actions take place often (almost everyday) and over a long period (at least for six months) and, because of this frequency and duration, result in considerable psychic, psychosomatic and social misery. This definition eliminates temporary conflicts and focuses on the transition zone where the psycho social situation starts to result in psychiatric and/or psychosomatic pathological states."2
Em seu best-seller, Marie-France Hirigoyen apresenta a seguinte definição sobre o assunto:
"Por assédio em um local de trabalho temos que entender total e qualquer conduta abusiva, manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho."3
Rodolfo Pamplona Filho, Antônio Lago Junior e Paula Sarno Braga assim definem assédio moral e observam quanto ao seu conceito generalístico:
"O assédio moral pode ser conceituado como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do convívio social.
Este nosso conceito busca um sentido de generalidade, pois o assédio moral não é um 'privilégio' da relação de emprego, podendo ser praticado em qualquer ambiente onde haja uma coletividade, como, por exemplo, em escolas, comunidades eclesiásticas, corporações militares, entre outros."4
José Cairo Jr. assim define o assédio moral no trabalho:
"(...) como o comportamento por meio do qual o empregador ou seus prepostos escolhe um ou alguns empregados e inicia um processo deliberado de perseguição insistente, composto por atos repetitivos e prolongados, com o objetivo de humilhar-los, constrangê-los, inferiorizá-los e isolá-los dos demais colegas de trabalho, provocando danos à sua saúde psicofisiológica em sua dignidade."
Já a professora Vólia Bomfim Cassar explicita que o assédio moral é caracterizado:
"(...) pelas condutas abusivas praticadas pelo empregador direta ou indiretamente, sob o plano vertical ou horizontal, ao empregado, que afetem seu estado psicológico. Normalmente, refere-se a um costume ou prática reiterada do empregador."5
Quanto ao assunto, assim se posiciona o professor Mauricio Godinho:
"(...) conduta reiterada seguida pelo sujeito ativo no sentido de desgastar o equilíbrio emocional do sujeito passivo, por meio de atos, palavras, gestos e silêncios significativos que visem ao enfraquecimento e diminuição da autoestima da vítima ou a outra forma de tensão ou desequilíbrio emocionais graves."6
É lapidar a definição de Cláudio Roberto Carneiro de Castro, no qual busca apresentar todas as características do assédio moral:
"Violência moral intensa praticada por um agente (ou mais), em regra, o empregador ou superior hierárquico (assédio moral 'vertical descendente'), porém, pode ser efetuado por subordinado (assédio moral 'ascendente'), por colega de trabalho (assédio moral 'horizontal') ou por terceiro não vinculado à hierarquia empresarial. Os atos ofensivos devem ser dolosos ou simplesmente ter por efeito provocar um dano, não desejado, à dignidade ou integridade moral de uma ou de muitas vítimas no trabalho e ocorrem através de uma série de ações - em que cada uma das quais aparece isoladamente como lícita ou ilícita, embora na realidade seja simples fração da atuação total - unidas entre si pela sistematização das circunstâncias que se repetem durante um período (normalmente de duração longa, lenta e gradual), que, no conjunto, constituem, por ficção, fato unitário e unidade jurídica, para todos os efeitos de Direito."7
Sergio Pinto Martins assim se manifesta quanto à definição de assédio moral:
"O assédio moral é a conduta ilícita do empregador ou seus prepostos, por ação ou comissão, por dolo ou culpa, de forma repetitiva e geralmente prolongada, de natureza psicológica, causando ofensa à dignidade, à personalidade e à integridade do trabalhador. Causa humilhação e constrangimento ao trabalhador. Implica guerra de nervos contra o trabalhador, que é perseguido por alguém. O trabalhador fica exposto a situações humilhantes e constrangedoras durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções."8
Em uma verdadeira interpretação autêntica, a Lei Estadual do Rio de Janeiro nº 3.921, de 2002, apresenta a seguinte definição de assédio moral, no seu art. 2º:
"Art. 2º - Considera-se assédio moral no trabalho, para os fins do que trata a presente Lei, a exposição do funcionário, servidor ou empregado a situação humilhante ou constrangedora, ou qualquer ação, ou palavra gesto, praticada de modo repetitivo e prolongado, durante o expediente do órgão ou entidade, e, por agente, delegado, chefe ou supervisor hierárquico ou qualquer representante que, no exercício de suas funções, abusando da autoridade que lhe foi conferida, tenha por objetivo ou efeito atingir a auto-estima e a autodeterminação do subordinado, com danos ao ambiente de trabalho, aos serviços prestados ao público e ao próprio usuário, bem como, obstaculizar a evolução da carreira ou a estabilidade funcional do servidor constrangido."
É importante frisar que, a título de lege ferenda, há o Projeto de Lei nº 4.593/09 do ex-Deputado Federal Nelson Goetten que trata especificamente sobre o assédio moral nas relações de trabalho e que assim apresenta a conceituação de assédio moral:
"Art. 1º - (...).
§ 1º - Entenda-se por assédio moral a reiterada e abusiva sujeição do empregado a condições de trabalho humilhantes ou degradantes, implicando violação à sua dignidade humana, por parte do empregador ou de seus prepostos, ou de grupo de empregados, bem como a omissão na prevenção e punição da ocorrência do assédio moral."
Em síntese, tem-se no mobbing laboral um processo de vitimização do trabalhador, seja discriminando, inferiorizando, hostilizando, dentre outras condutas, de forma habitual e constante, acarretando a marginalização do mesmo dentro do espaço laboral e podendo ocasionar severos abalos psicossomáticos no trabalhador vitimado, que acaba por sofrer de ansiedade, depressão, ataques de pânico, ou mesmo chegando ao ponto de tentativa de suicídio.
A prática de assédio moral laboral é o vilipêndio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da Constituição Federal) e do valor do trabalho e dos direitos sociais, vetor axiológico este presente, também, como fundamento da República (art. 1º, IV, da CF) e no título sobre a ordem econômica (art. 170 da CF)9 e no título da ordem social (art. 193 da CF)10.
Fazendo uso de uma metodologia de análise qualitativa, usando-se os métodos de abordagem hipotético-dedutivos de caráter descritivo e analítico, adotando-se técnica de pesquisa bibliográfica, esta pesquisa tem por linha de fundo fazer uma análise dogmática quanto à construção normativa da conduta de assédio moral no bojo do sistema jurídico brasileiro, tendo por vetor axiológico, sempre, a busca da eficácia dos direitos fundamentais esculpidos na Constituição Federal de 1988.
Frisa-se que o consequente do assédio moral, o qual seria a figura do dano moral, bem como da competência da Justiça do Trabalho para analisar o referido dano não são objetos do ensaio aqui apresentado.
2 Das Classificações Quanto ao Assédio Moral
2.1 Da Classificação Quanto ao Grau Hierárquico
Esta classificação é a mais utilizada e tem por vértice o grau hierárquico do agente assediador, classificando-se em assédio moral vertical descendente; assédio moral vertical ascendente; assédio moral horizontal; e assédio moral misto.
No assédio moral vertical descendente, o assediador é a figura do empregador ou pessoa de nível hierárquico superior com poder de mandado em relação ao trabalhador vitimado. É evidente uma relação assimétrica de poder entre as partes.
Esta figura também é conhecida como bossing11, sendo de todas a mais comum de acontecer e de perdurar, visto a subordinação jurídica do contrato de trabalho e a dependência econômica da vítima12.
Já o assédio moral ascendente é de difícil prática, ocorrendo por parte dos subordinados em relação ao superior hierárquico (exemplo de motivação - o chefe é muito jovem e administrava subordinados muito mais velhos; falta de experiência e segurança; superior advindo de outra empresa)13. Geralmente, neste caso, dá-se a associação por mais de um subordinado para perseguir e denegrir a figura do superior hierárquico praticando insubordinações, sarcasmos, etc.
O assédio moral horizontal apresenta-se quando a prática mobilizante é perpetrada por pessoas do mesmo nível hierárquico, inexistindo a superioridade hierárquica, e é desencadeado, geralmente, por conflitos interpessoais ou rivalidades de caráter profissional. Nestes casos é comum a omissão ou falta de interesse da empresa em suprimir tais práticas.
Por fim, ainda, subsiste o assédio moral misto ou "mobbing combinado", que consiste na combinação de assédio vertical e horizontal para denegrir o trabalhador vitimado.
Afere-se que nesta prática o assédio começa por parte da autoridade superior e vem por contaminar os colegas de trabalho, autorizando, implicitamente, que os mesmos realizem a referida prática em relação ao trabalhador assediado. O inverso também é válido. A prática assediante dar-se no nível horizontal, vindo a configurar o assédio vertical por omissão dos superiores hierárquicos.
2.2 Da Classificação Quanto ao Grau do Dano
Esta classificação tem por foco excessivo a vítima, sendo esta a razão da crítica, posto que a culpa não é do indivíduo assediado.
No assédio moral de primeiro grau, as condutas são passíveis de serem absorvidas pelo trabalhador, sendo possível se desvincular da perseguição, de forma que não acarreta a sua exclusão do ambiente de trabalho.
Já no assédio moral de segundo grau, o trabalhador não consegue se desvencilhar das condutas mobizantes, havendo afetação quanto a sua saúde e dificuldades quanto ao regresso ao ambiente de trabalho14.
Por fim, no assédio moral de terceiro grau o assediado fica impossibilitado por completo de retornar ao ambiente de trabalho, além da dificuldade de reabilitação do próprio trabalhador em face das doenças físicas e psíquicas desenvolvidas.
2.3 Da Classificação Quanto à Motivação
Esta última classificação tem por foco a motivação por trás do qual se perpetra o assédio, dividindo-se em mobbing emocional e mobbing estratégico15.
No mobbing emocional as condutas assediantes são em face das relações interpessoais onde se desenvolvem sentimentos de inveja, competição, antipatia, discriminação em face da raça, da cor, do gênero, etc.
O mobbing estratégico refere-se ao planejamento e à execução de artifícios com o desiderato de levar o trabalhador indesejado a pedir demissão, o que reduziria as verbas trabalhistas com a rescisão do contrato de trabalho16.
Exempli gratia de prática de mobbing estratégico foi o que perpassou-se no sistema bancário, em um passado não muito distante, em que diversos bancos, com o fito de diminuir o quadro de pessoal, começaram a pressionar os funcionários a aderirem ao plano de demissão voluntária (PDV), ou sobrecarregá-los com excesso de trabalho e uma constante pressão para atingir metas inalcançáveis com o desiderato de que os mesmos pedissem demissão.
3 Das Fontes do Direito Quanto ao Assédio Moral
Prefacialmente, é primordial apontar a inexistência de fonte heterônoma, ou seja, de legislação laboral específica sobre o assédio moral, sendo este, como já explicitado, uma construção normativa decorrente da doutrina e da jurisprudência.
Há, a título de lege ferenda, em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.593/09, o qual dispõe sobre o assédio moral nas relações de trabalho, e um projeto mais antigo, o Projeto de Lei nº 2.369/03, que altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT para dispor sobre a proibição da prática do assédio moral nas relações de trabalho.
Consta a existência de duas leis federais esparsas que em sua síntese normativa vendam a concessão de empréstimos a empresas condenadas por assédio moral.
A Lei nº 11.514, de 2007, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2008 e dá outras providências prevê em seu art. 96, § 1º, IV, a vedação à concessão ou renovação de empréstimos ou financiamentos pelas agências oficiais às instituições condenadas por assédio moral.
"Art. 96 - (...)
§ 1º - É vedada a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelas agências financeiras oficiais de fomento:
(...)
IV - a instituições cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral ou sexual, racismo, trabalho infantil ou trabalho escravo."
Já a Lei nº 11.948, de 2009, veda, no mesmo sentido, concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social a empresas condenadas por assédio moral.
"Art. 4º - Fica vedada a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo BNDES a empresas da iniciativa privada cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral ou sexual, racismo, trabalho infantil, trabalho escravo ou crime contra o meio ambiente."
Na Norma Regulamentar nº 17, que trata sobre ergonomia no anexo II, o qual versa sobre o trabalho em teleatendimento/telemarketing, tem-se a vedação quanto à prática do assédio moral:
"5.13. É vedada a utilização de métodos que causem assédio moral, medo ou constrangimento, tais como:
a) estímulo abusivo à competição entre trabalhadores ou grupos/equipes de trabalho;
b) exigência de que os trabalhadores usem, de forma permanente ou temporária, adereços, acessórios, fantasias e vestimentas com o objetivo de punição, promoção e propaganda;
c) exposição pública das avaliações de desempenho dos operadores."
Por óbvio, não se ouvida a possibilidade de fonte autônoma decorrente de acordos e convenções coletivas de trabalho com previsão de cláusulas com o desiderato de coibir a prática do assédio moral.
Fora deste contexto da seara privada, a existência de norma específica de forma a pormenorizar a figura do assédio moral, ou mesmo, simplesmente, vedando sua prática, é encontrada em legislações estaduais e municipais que organizam o regime próprio dos seus respectivos servidores ou leis específicas que proíbem a prática no seio da Administração Pública.
O primeiro Estado a se preocupar com a questão do assédio moral foi o do Rio de Janeiro, tendo criado a Lei nº 3.921, de 2002, para disciplinar o assunto. Na esfera municipal, o Município de Iracemápolis, do Estado de São Paulo, foi o primeiro a criar uma lei municipal sobre a matéria (Lei nº 1.163/00)17.
Não existe previsão legal quanto ao assédio moral, nomeadamente, na legislação federal para a Administração Pública como em exemplo das leis estaduais e municipais retro.
No bojo da Lei nº 8.112/90, que estatui o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, a conduta de assédio moral poderia subsumir-se, em tese, nas infrações disciplinares quanto ao dever de manter conduta compatível com a moralidade administrativa ou tratamento urbano, ambos previstos no art. 116 da Lei nº 8.112/9018.
Destaca-se, ainda, que a depender do caso concreto, o assédio moral pode-se configurar hipótese de improbidade administrativa (art. 11 da Lei nº 8.429/92)19, o qual já fora reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ):
"ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ASSÉDIO MORAL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI Nº 8.429/92. ENQUADRAMENTO. CONDUTA QUE EXTRAPOLA MERA IRREGULARIDADE. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO GENÉRICO.
1. O ilícito previsto no art. 11 da Lei nº 8.249/92 dispensa a prova de dano, segundo a jurisprudência do STJ.
2. Não se enquadra como ofensa aos princípios da administração pública (art. 11 da LIA) a mera irregularidade, não revestida do elemento subjetivo convincente (dolo genérico).
3. O assédio moral, mais do que provocações no local de trabalho - sarcasmo, crítica, zombaria e trote -, é campanha de terror psicológico pela rejeição.
4. A prática de assédio moral enquadra-se na conduta prevista no art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, em razão do evidente abuso de poder, desvio de finalidade e malferimento à impessoalidade, ao agir deliberadamente em prejuízo de alguém.
5. A Lei nº 8.429/92 objetiva coibir, punir e/ou afastar da atividade pública os agentes que demonstrem caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida.
6. Esse tipo de ato, para configurar-se como ato de improbidade, exige a demonstração do elemento subjetivo, a título de dolo lato sensu ou genérico, presente na hipótese.
7. Recurso especial provido."20 (grifos nossos)
4 Dos Elementos Normativos Estruturantes do Assédio Moral
No Projeto de Lei nº 4.593/09 ventila hipóteses (rol não taxativo) de condutas que subsumiriam a figura do assédio moral:
"Art. 2º - (...)
I - a exposição do empregado a situação constrangedora, praticada de modo repetitivo ou prolongado;
II - a tortura psicológica, o desprezo e a sonegação de informações que sejam necessárias ao bom desempenho das funções do empregado ou úteis ao desempenho do trabalho;
III - a exposição do empregado, em prejuízo de seu desenvolvimento pessoal e profissional, a críticas reiteradas e infundadas, que atinjam a sua saúde física, mental, a sua honra e a sua dignidade, bem como de seus familiares;
IV - a apropriação do crédito do trabalho do empregado, com desrespeito à respectiva autoria;
V - a determinação de atribuições estranhas ou atividades incompatíveis com o contrato de trabalho ou em condições e prazos inexeqüíveis;
VI - a obstacularização, por qualquer meio, da evolução do empregado na respectiva carreira;
VII - a ocorrência das hipóteses previstas nas alíneas a, b, d, e e g, do art. 483 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943."
O referido dispositivo de projeto de lei apresenta, apenas, situações ensejadoras do assédio moral. Então faz-se a pergunta-chave do problema apresentado: que elementos constituiriam o fenômeno do assédio moral?
4.1 Do Contexto Laboral
Para poder vessar sobre assédio moral laboral, primeiramente, tem por requisito que a referida conduta abusiva suceda-se no que tange ao ambiente de trabalho (dependências do local de trabalho) ou em função do trabalho.
Apesar de não haver necessidade de cingir-se, especificamente e tão somente, ao espaço físico do trabalho, é fulcral o nexo de causalidade com a realidade social laboral sob pena, seja de restringir, apenas, à circunscrição do estabelecimento empresarial, seja ampliar de forma estratosférica indo além do contexto laboral.
4.2 Da Prática Reiterada e Sistêmica
O assédio moral configura-se, exatamente, por um conjunto de condutas (diversos atos), reiteradas durante certo lapso de tempo, que acabam por macular danosamente os direitos de personalidade do trabalhador21.
Um ato isolado pode se conformar como uma agressão moral com repercussão na esfera civil, penal e trabalhista. Entretanto, não configura assédio moral na relação de emprego.
O lapso temporal em que essa soma de atos configurariam o assédio moral é quantificado matematicamente por alguns doutrinadores, ventilando-se frações de tempo como seis meses a um ano.
Não se acredita que a obediência de um marco temporal fixo seja a melhor forma de imputar a subsunção do fato laboral como assédio moral. Em realidade, seria melhor aferir caso a caso e, a partir das provas ventiladas, determinar se se está diante de um real assédio moral laboral ou de ações de agressão moral isoladas.
Outra forma de pensar seria deixar descoberta a proteção da dignidade do trabalhador em diversas hipóteses.
Nesse sentido está a melhor jurisprudência trabalhista que tem vislumbrado o assédio moral no curtíssimo lapso temporal do aviso prévio.
4.3 Do Resultado Danoso
A controvérsia sob o qual recai o resultado danoso decorrente da prática do assédio moral laboral versa sobre a necessidade ou não de se aferir clinicamente lesão à dimensão da saúde física e psicológica do trabalhador assediado22.
Perfilhamos junto com parte da doutrina que reconhece a necessidade da lesão (dano) como imprescindível para a configuração do assédio moral, não se configurando, todavia, como fulcral a presença de dano quanto à saúde do trabalhador.
A conduta do mobbing pode acarretar dano a um plexo de direitos fundamentais do trabalhador, como a honra, a liberdade de expressão, o direito de tratamento igualitário, sem discriminação, dentre outros. Ou seja, o mero dano moral já bastaria para a formatação do assédio moral.
Na esfera do Direito, deve-se atentar para a lesão do bem jurídico tutelado, que, no presente, identifica-se como a integridade moral do trabalhador.
O nível de gravidade do dano quando da afetação da saúde (dano psíquico) do trabalhador tem importância no que tange à quantificação da responsabilidade civil do assédio moral, mas não como elemento fulcral a sua constituição23.
4.4 Da Conduta Dolosa
É imprescindível para a configuração do assédio moral laboral a constatação da conduta dolosa do agente assediador, não sendo crivo admitir a responsabilização em virtude de prática culposa.
O elemento doloso é ínsito ao mobbing, posto a necessidade de prática reiterada que fere a dignidade e a personalidade do trabalhador cujo desiderato final ("finalidade especial de agir") apresenta-se com a marginalização do trabalhador no ambiente de trabalho, ou a sujeição a condições desfavoráveis de trabalho, dentre outros (o rol não é exaustivo).
Neste contexto do assédio moral laboral deve ter a questão da conduta dolosa na mesma perspectiva do Direito Penal, sendo conceituado pelo professor Zaffaroni nos seguintes termos: "(...) é conveniente conceituá-lo como a vontade realizadora do tipo objetivo, guiado pelo conhecimento dos elementos deste no caso concreto"24.
É ínsito à figura do dolo dois elementos: o intelectual (cognitivo) e o volitivo (emocional, intencional). Ou seja, o sujeito assediador precisa ter conhecimento das circunstâncias fáticas da conduta que deseja perpetrar25, bem como a vontade de querer realizá-lo26.
Na esfera do Direito Penal, o dolo abarca as seguintes dimensões:
"O conhecimento do dolo compreende a realização dos elementos descritivos e normativos, do nexo causal e do evento (delitos de lesão), da lesão ao bem jurídico dos elementos da autoria e da participação dos elementos objetivos das circunstâncias agravantes e atenuantes que supõem uma maior ou menor gravidade do injusto (tipo qualificado ou privilegiado) e dos elementos acidentais do tipo objetivo."27
Fazendo uma filtragem para a seara laboral, é ínsito que o assediador tenha conhecimento efetivo de que sua conduta é causa de um dano na dimensão da personalidade do trabalhador, além de querer o referido resultado danoso.
Não se descarta que condutas culposas (realizadas em face da negligencia, imprudência e imperícia) possam acarretar dano na personalidade do trabalhador, todavia, desnaturar-se-ia a figura de um assédio moral laboral.
A imprescindibilidade da conduta dolosa é algo tão evidente que, quando da tipificação penal do crime de assédio sexual (abaixo explicitado), o qual constitui-se numa forma de assediar moralmente o trabalhador, só previu o tipo na sua forma dolosa, não fazendo previsão quanto ao tipo culposo28.
Destaca-se, ainda, que na conduta culposa há uma finalidade (geralmente lícita)29, todavia, o que importa nessa conduta é se a escolha do meio, pelo agente, para atingir o fim, viola ou não o dever de cuidado, onde o direito exigia a previsão do resultado30.
De tal sorte, perceba que a estruturação dogmática da conduta culposa perpassa exatamente pela violação do dever de cuidado, onde a escolha dos meios para atingir o fim da conduta é fundamental para se atestar qual era o dever de cuidado.
A partir dessa explicação do elemento subjetivo culpa que integra a conduta, vislumbra-se que a mesma pudesse compor a prática sistemática de violação da dignidade do trabalhador com o correspondente dano moral.
4.5 Da Intensidade da Violência
Há um consenso no que tange à necessidade de um certo grau de intensidade na violência perpetrada, de forma que não venha a constituir um dano insignificante, facilmente absorvido pelo trabalhador, decorrente dos embates normais nas tratativas laborais.
Em suma, aponta-se como fulcral gravidade na violência, a ponto de acarretar um dano valorado como não insignificante.
Atestar que esse nível e intensidade não é analisada no que tange cada conduta isoladamente, mas sim, o conjunto de ações (em seu todo) perpetrado pelo assediador.
5 Das Consequências Jurídicas do Assédio Moral no Bojo do Contrato de Trabalho
Em decorrência do assédio moral, seja vertical ou horizontal, pode-se dar a extinção do contrato de trabalho.
Na hipótese de assédio moral vertical, isso acarretaria a rescisão indireta do contrato de trabalho, resguardando todos os direitos trabalhistas do empregado assediado, conforme fosse uma hipótese de demissão sem justa causa.
A base normativa para tanto encontra-se no art. 483 da CLT:
"Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários." (grifos nossos)
Afira que o assédio moral, por si só, de forma generalística, já se subsome a hipótese de "não cumprir o empregador as obrigações do contrato". Todavia, no caso concreto, deparar-se-á com situações enquadráveis em mais de uma alínea do art. 483 da CLT, como "praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama"; ou a depender do caso "correr perigo manifesto de mal considerável".
A configuração de rescisão indireta decorrente de assédio moral é tranquilamente reconhecida no seio da jurisprudência:
"RESCISÃO INDIRETA E ASSÉDIO MORAL. A rescisão indireta do contrato laboral constitui falta máxima cometida pelo patrão, de modo a tornar insustentável a manutenção do contrato de trabalho. No caso em apreço, o assédio moral evidenciado constitui motivo para a configuração da rescisão indireta do contrato de trabalho na forma tipificada no septuagenário art. 483 consolidado de 1943. Recurso ordinário não provido."31
De outra sorte, quando do assédio moral horizontal, pode acarretar a demissão por justa causa do empregado assediante visto que o assédio moral poderia ser enquadrado como incontinência de conduta ou mau procedimento; ato de indisciplina; ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições.
"Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar." (grifos nossos)
6 Da Distinção entre Assédio Moral e Assédio Sexual
Diverso do que se sucede com a figura do assédio moral, o assédio sexual possui uma tipificação penal, tendo sido inserido ao Código Penal por meio da Lei nº 10.224/01.
O tipo penal do assédio sexual assim encontra-se prescrito no art. 216-A do Código Penal:
"Art. 216-A - Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos."
Afira que o núcleo do tipo é a conduta de constranger, sendo esta sem violência ou grave ameaça, o que desnaturaria o crime de assédio sexual para a esfera de outro tipo penal.
O assédio sexual constitui-se, em verdade, em uma forma de assédio moral laboral, tendo o elemento sexual como o especial fim de agir do agressor (sujeito ativo do delito), acarretando repercussões, não só na esfera trabalhista e civil como também na penal.
Pela prescrição dos elementos do tipo penal, em sua parte final "(...) prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função", constata-se que a única forma de assédio sexual configurador de delito seria aquele perpetrado de forma descendente (assédio moral vertical descendente).
Ou seja, o assédio sexual na modalidade horizontal, praticado por colegas de trabalho, ou na modalidade ascendente, do subordinado em relação ao superior hierárquico, constituem, como visto anteriormente, em formas de assédio moral, mas não em um tipo penal.
O assédio sexual pode ocorrer tanto na esfera pública de trabalho como na seara privada. A controvérsia existente, apesar de não ter repercussões muito mais práticas, referente ao fato de doutrinadores interpretarem que o elemento normativo do tipo "condição de superior hierárquico (...) inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função", restringir-se-ia à seara laboral da Administração Pública, posto estar regido pelo princípio da hierarquia, enquanto que a "(...) ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função" diria respeito à esfera laboral privada32.
Em uma breve pesquisa sobre o assunto, no bojo da jurisprudência33, afere que o elemento de superioridade hierárquica abrangeria, também, a seara laboral e não apenas a Administração Pública34, como no julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que reconheceu o assédio sexual no caso de empregado doméstico:
"APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES SEXUAIS. ASSÉDIO SEXUAL MAJORADO. MATERIALIDADE E AUTORIA. Não prevalece a alegação de insuficiência de provas relativamente à materialidade e autoria do crime de assédio sexual imputado ao réu, tendo em vista o robusto e concludente conjunto probatório coligido aos autos, de onde se destaca o relato da vítima, que demonstrou que o réu, aproveitando-se da sua superioridade hierárquica, pois que à época do fato era o empregador da ofendida, agarrou-a contra a sua vontade tentando lhe dar um beijo. DOSIMETRIA DA PENA. Mantido o apenamento aplicado na sentença, porquanto evidenciado que está em sintonia com os critérios de necessidade e suficiência para a reprovação e prevenção do crime. Apelação a que se nega provimento."35
Em vista disso, podemos tirar algumas premissas: 1º) todo assédio sexual caracteriza, necessariamente, em um assédio moral; 2º) nem todo assédio sexual seria crime, mas apenas aquele praticado em uma relação vertical descendente.
Concordamos que a doutrina que questiona a necessidade da criação do tipo penal do assédio sexual, visto que a matéria é melhor tratada por outros ramos do Direito (Direito do Trabalho, Direito Civil, Direito Administrativo), devendo o Direito Penal ser a ultima ratio, nos ditames do princípio da intervenção mínima36, configurando, assim, em mais um exemplo de Direito Penal simbólico, cuja infração penal, pragmaticamente, acabará no seio dos juizados especiais criminais, seja com uma suspensão condicional do processo (pena mínima de até um ano)37, seja com uma transação penal (pena máxima de até dois anos)38, visto estar diante de um crime de menor potencial ofensivo.
É nesse mesmo sentido as duras críticas do Professor Guilherme de Sousa Nucci quanto ao tipo penal do assédio sexual:
"(...) cremos ser totalmente inadequada e inoportuna a criação do delito de assédio sexual no Brasil. Primeiramente, deve-se ressaltar que são poucos os casos noticiados de importunações graves, no cenário das relações de trabalho, que não foram devidamente solucionados, com justiça, nas esferas cível e trabalhista - ou mesmo administrativa, quando se cuidar de funcionário público. Em segundo lugar, é preciso considerar que, para o nascimento de uma nova figura típica incriminadora, seria indispensável levar em conta o conceito material de crime, isto é, o fiel sentimento popular de que uma conduta merecesse ser sancionada com uma pena, o que não ocorre. Trata-se de um delito natimorto, sem qualquer utilidade pública, o que o tempo irá demonstrar. Não se desconhece que o assédio sexual é uma realidade em todo o mundo, merecendo punição, além de ser nitidamente ilícito, antiético e imoral, mas não se trata de assunto para o direito penal. Podemos insistir que, em vez de descriminalização, observamos o fenômeno inverso, consistente no surgimento de mais uma figura incriminadora, desconsiderando-se ser o direito penal a ultima ratio, ou seja, a última cartada do legislador para a punição de condutas verdadeiramente sérias e comprometedoras da tranquilidade social. Não é o caso do assédio sexual, fruto da importação de normas de outros sistemas legislativo, inadequados à realidade brasileira. Enfim, melhor teria sido a previsão, se fosse o caso, de maior rigidez na punição de empregadores e funcionários, nos campos civil, trabalhista e administrativo, do que ter criado um outro tipo penal, cuja margem de aplicação será diminuta, quando não for geradora de erros judiciários consideráveis, até mesmo porque a prova de uma existência será extremamente complexa. (...). Em suma, a solução legislativa para os casos de assédio sexual, tipificando-a, não foi acertada, em nosso entender."39
6.1 Da Proposta de Lei nº 5.971/01
Destaca-se o Projeto de Lei nº 5.971/01 do ex-deputado federal Inácio Arruda e outros com o fito de tipificar a conduta do assédio moral, acrescentando o art. 203-A no Código Penal com o nomen iuris de "coação moral no ambiente de trabalho":
"Art. 203-A - Coagir moralmente empregado no ambiente de trabalho, através de atos ou expressões que tenham por objetivo atingir a dignidade ou criar condições de trabalho humilhantes ou degradantes, abusando da autoridade conferida pela posição hierárquica.
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa."
As mesmas considerações apresentadas quanto à criminalização do assédio sexual e o vetor normativo da intervenção mínima do Direito Penal aplicam-se à proposta de criminalização do assédio moral laboral40.
É importante frisar, por fim, que, apesar de não concordamos com a criação de um tipo penal específico quanto ao assédio moral, as diversas condutas assediantes acabam resvalando em diversos tipos penais já existentes, como por exemplo a injúria, a difamação, a ameaça, o constrangimento ilegal, o atentado contra a liberdade de trabalho, etc.
7 Das Considerações Finais
O assédio moral laboral, apesar de não ser um fenômeno novo, tem-se destacado o seu reconhecimento cada vez mais constante no bojo das reclamações trabalhistas, após a Emenda Constitucional nº 45/04.
A definição do mobbing laboral não encontra respaldo em nenhuma fonte heterônoma no seio do sistema jurídico brasileiro, pelo menos no que se refere à esfera das relações privadas, o que tem acarretado diversas divergências quanto aos elementos e limites da caracterização do assédio moral laboral, o que põe o referido fenômeno em uma pauta de certa insegurança jurídica.
Entendemos que a figura do assédio moral na seara laboral configura-se quando presente, necessariamente, a conduta dolosa que acarreta resultado danoso à dignidade do trabalhador, estando relacionado com o contexto laboral, de forma reiterada e sistêmica, sendo perpetrado com uma certa intensidade de violência.
Diante de um assédio moral vertical, isso acarretaria a rescisão indireta do contrato de trabalho. Já quando do assédio moral horizontal, pode acarretar a demissão por justa causa do empregado assediante visto por se enquadrar como incontinência de conduta ou mau procedimento; ato de indisciplina; ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições.
No que tange à distinção entre assédio moral e assédio sexual, tira-se as seguintes premissas: 1º) todo assédio sexual caracteriza, necessariamente, em um assédio moral; 2º) nem todo assédio sexual seria crime, mas apenas aquele praticado em uma relação vertical descendente.
Em um primeiro momento não coadunamos com o projeto de lei que criminaliza conduta do assédio moral como crime, pois o Direito Penal é a ultima ratio, nos ditames do princípio da intervenção mínima41, configurando, assim, em mais um exemplo de direito penal simbólico, cuja infração penal, pragmaticamente, acabará no seio dos juizados especiais criminais, seja com uma suspensão condicional do processo (pena mínima de até um ano)42, seja com uma transação penal (pena máxima de até dois anos)43, visto estar diante de um crime de menor potencial ofensivo.
A atualização da CLT faz-se premente com o fim de criar um capítulo próprio quanto à figura do assédio moral para que a insegurança jurídica existente em torno desta matéria seja sanada, o que permitiria uma melhor base normativa com o desiderato de combater essa prática odiosa, inconcebível num chamado direito global que tem o primado da dignidade da pessoa humana como vetor máximo.
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PALAVRAS-CHAVE: Assédio Moral. Características. Previsão Legal. Posicionamento dos Tribunais.
SUMÁRIO: 1 Das Considerações Iniciais. 2 Das Classificações Quanto ao Assédio Moral; 2.1 Da Classificação Quanto ao Grau Hierárquico; 2.2 Da Classificação Quanto ao Grau do Dano; 2.3 Da Classificação Quanto à Motivação. 3 Das Fontes do Direito Quanto ao Assédio Moral. 4 Dos Elementos Normativos Estruturantes do Assédio Moral; 4.1 Do Contexto Laboral; 4.2 Da Prática Reiterada e Sistêmica; 4.3 Do Resultado Danoso; 4.4 Da Conduta Dolosa; 4.5 Da Intensidade da Violência. 5 Das Consequências Jurídicas do Assédio Moral no Bojo do Contrato de Trabalho. 6 Da Distinção entre Assédio Moral e Assédio Sexual; 6.1 Da Proposta de Lei nº 5.971/01. 7 Das Considerações Finais. 8 Referências.
TITLE: Labor moral harassment - doctrinal and jurisprudential construction.
ABSTRACT: Work is an umbilically linked activity with all spheres of a person's life, since a significant part of the human being's working life is reflected in the personal, family, and social dimensions of the worker. In such a way, a healthy working environment is crucial for the good development of the person, in all said dimensions. It is for no other reason that social rights are erected to human rights status. The objective of this essay is precisely to verify the normative juridical contours that allow the subsumption of conduct as a form of moral harassment, and in these terms, the legal consequence of said practice. The on-screen research, using a methodology of qualitative analysis, using the hypothetical-deductive approaches of a descriptive and analytical character, adopting a bibliographic research technique, has as its background a dogmatic analysis of the construction normative of the conduct of moral harassment in the bulge of the Brazilian juridical system having by axiological vector, always, the search of the effectiveness of the fundamental rights carved in the Federal Constitution of 1988.
KEYWORDS: Harassment. Features. Legal Forecast. Positioning of Court.
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8 Referências
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Notas:
* Artigo de investigação elaborado em estudo desenvolvido na linha de pesquisa "Democracia, Cidadania e Direitos Fundamentais", inscrito no Grupo de Estudo e Pesquisa em Extensão e Responsabilidade Social, do Instituto Federal do Rio Grande do Norte - IFRN, Brasil.
1 Cf. CASTRO, Cláudio Roberto Carneiro de. O que você precisa saber sobre o assédio moral nas relações de emprego. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 20-21.
2 LEYMANN, Heinz. Mobbing and psychological terror at work places. Violence and Victims, n. 5, 2, 1990, p. 119-126. Disponível em: <http://www.mobbingportal.com/LeymannV&V1990(3).pdf>. Acesso em: 20 jul. 2017, p. 120.
3 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. Trad. Maria Helena Kühner. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 65.
4 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; LAGO Jr., Antônio; BRAGA, Paula Sarno. Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UNIFACS - Debate Virtual, Salvador, n. 190, 2016, p. 08. Disponível em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/4229/2884>. Acesso em: 20 jul. 2017.
5 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 976.
6 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso do direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 698.
7 CASTRO, Cláudio Roberto Carneiro de. O que você precisa saber sobre o assédio moral nas relações de emprego. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 143.
8 MARTINS, Sergio Pinto. Assédio moral no emprego. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 17.
9 Constituição Federal: "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:".
10 Constituição Federal: "Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais".
11 Cf. CASTRO, Cláudio Roberto Carneiro de. O que você precisa saber sobre o assédio moral nas relações de emprego. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 54.
12 "DANO MORAL. IMITAÇÕES E APELIDOS PEJORATIVOS. ATENTADO À DIGNIDADE. INDENIZAÇAO DEVIDA. Confirmando a prova dos autos, a adoção pela reclamada, de forma injuriosa de gestão, valendo-se de reiterada prática de constrangimento moral imposto por superiora hierárquica (mobbing vertical descendente, ou simplesmente bossing), é de se reformar decisão que indeferiu à obreira indenização por dano moral decorrente da degradação do ambiente laboral, com manifesto atentado à dignidade das trabalhadoras e da reclamante em particular. Não se pode considerar 'normal' que chefes imediatos humilhem seus subordinados, tanto mais quando passadas as ofensas em público. Os epítetos pejorativos dirigidos pela gerente à reclamante, como macaco, dentuça, atrapalhada, burra e cabeça de tomate, entre outros, além da imitação de um símio relacionando-o à empregada, têm notória feição vexatória, preconceituosa e discriminatória, de que resulta o dever de indenizar. Recurso da autora a que se dá provimento, no particular." (TRT da 2ª Região, Recurso Ordinário 691200803702002/SP, Rel. Des. Ricardo Artur Costa e Trigueiros, j. 31.03.09, DEJT 17.04.09).
13 "Os motivos para a ocorrência das agressões podem ser, por exemplo, se o chefe é uma pessoa nova, vinda de fora, com métodos diferentes dos tradicionalmente utilizados na empresa, os quais não são aprovados pelo grupo. Pode ocorrer ainda em razão de uma promoção de um colega, sem que o restante do pessoal tenha sido consultado.
A violência de subordinados contra superiores pode dar-se ainda quando um colega é promovido a um cargo de chefia cujas funções os subordinados supõem que o promovido não possui méritos para desempenhar." (SOARES, Fernanda de Carvalho; DUARTE, Bento Herculano. O assédio moral no ordenamento jurídico brasileiro. Fórum Trabalhista - RFT, Belo Horizonte, ano 3, n. 11, p. 21-47, mar./abr. 2014, p. 32)
14 Cf. CASTRO, Cláudio Roberto Carneiro de. O que você precisa saber sobre o assédio moral nas relações de emprego. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 60.
15 Cf. CASTRO, Cláudio Roberto Carneiro de. O que você precisa saber sobre o assédio moral nas relações de emprego. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 61.
16 "Ocorre quando o empregador quer que um empregado peça demissão para não arcar com o custo da despedida. É uma forma de livrar-se do empregado com o menor custo financeiro. Muitas vezes, o empregado é colocado na 'geladeira', de forma que peça demissão." (MARTINS, Sergio Pinto. Assédio moral no emprego. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 30).
17 Lei nº 1.163/00: "Art. 1º Ficam os servidores públicos municipais sujeitos às seguintes penalidades administrativas na prática de assédio moral, nas dependências do local de trabalho:
I - Advertência.
II - Suspensão, impondo-se ao funcionário a participação em curso de comportamento profissional.
III - Demissão.
Parágrafo único - Para fins do disposto nesta Lei, considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um individuo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis, passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de idéias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços".
18 Lei nº 8.112/90: "Art. 116. São deveres do servidor:
(...)
IX - manter conduta compatível com a moralidade administrativa;
(...)
XI - tratar com urbanidade as pessoas;".
19 Lei nº 8.249/92: "Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...)".
20 STJ, Segunda Turma, REsp 1.286.466/RS, Relª Minª Eliana Calmon, j. 03.09.2013, DJe 18.09.2013.
21 "INDENIZAÇÃO POR ASSÉDIO MORAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DOS FATOS. Assédio significa submeter sem trégua a pequenos ataques repetidos. Trata-se, portanto, de ato que só adquire significado pela insistência, visando atingir a autoestima da pessoa. O termo moral, por sua vez, quer dizer o que é ou não aceitável na sociedade, havendo valoração de acordo com o contexto social. Diante da inexistência de legislação específica sobre assédio moral no âmbito da relação de emprego, e a partir do seu conceito, exsurgem como elementos caracterizadores do instituto: a) identificação dos sujeitos; b) conduta, comportamento e atos atentatórios aos direitos da personalidade; c) reiteração e sistematização; e d) consciência do agente. Na situação em apreço, ao analisar o conjunto probatório percebo que o autor não logrou demonstrar satisfatoriamente os fatos que teriam gerado o assédio. Nessa seara, despicienda a persecução processual no sentido de se conjuminar os fatos narrados com os traços característicos do assédio moral, à míngua de elementos aptos a comprová-los. MULTA DO ART. 477 DA CLT. NÃO INCIDÊNCIA. A homologação rescisória operada em data posterior aos prazos previstos no § 6º do art. 477 da CLT não atrai a multa preconizada no parágrafo 8º do mesmo artigo se o reclamado procedeu, tempestivamente, ao depósito do valor correspondente às verbas resilitórias em conta bancária do obreiro. Recurso do reclamante parcialmente conhecido e parcialmente provido. Recurso da reclamada conhecido e não provido." (TRT da 10ª Região, 3ª Turma, RO 1149201110110007, Relª Desª Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro, j. 21.11.2012, DEJT 30.11.2012) (grifos nossos)
22 "Dano psíquico não é, portanto, elemento para a caracterização do assédio moral." (MARTINS, Sergio Pinto. Assédio moral no emprego. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 21).
23 "Pensa-se, pois, que juridicamente o dano psíquico pode ter relevância para fins de fixação de responsabilidade civil, mas não é imprescindível à configuração do mobbing." (CASTRO, Cláudio Roberto Carneiro de. O que você precisa saber sobre o assédio moral nas relações de emprego. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 129)
24 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 6. ed. São Paulo: RT, 2005. v. I. p. 413-414.
25 "A consciência, ou seja, o momento intelectual do dolo, basicamente, diz respeito à situação fática em que se encontra o agente. O agente deve ter consciência, isto é, deve saber exatamente aquilo que faz, para que se lhe possa atribuir o resultado lesivo a título de dolo. (...)" (GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. v. I. p. 183)
26 "(...) Compõe-se de um momento intelectual (conhecimento do que se quer) e de um momento volitivo (decisão no sentido de sua realização) (...)". (PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 8. ed. São Paulo: RT, 2010. v. I. p. 325)
27 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 8. ed. São Paulo: RT, 2010. v. I. p. 320.
28 Código Penal: "Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Parágrafo único - (VETADO)
§ 2º - A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos".
29 "O tipo culposo não individualiza a conduta pela finalidade e sim porque, na forma em que se obtém essa finalidade, viola-se um dever de cuidado, ou seja, como diz a própria lei penal, a pessoa, por sua conduta, dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. A circunstância de que o tipo não individualize a conduta culposa pela finalidade em si mesma não significa que a conduta não tenha finalidade, como parece terem entendido muitos autores." (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 6. ed. São Paulo: RT, 2005. v. I. p. 435)
30 "O crime culposo é aquele onde há a falta de previsão do resultado, quando o Direito exigia do agente essa previsão, ou é aquele onde, havendo a efetiva previsão do resultado, o agente confia que ele não se configurara. (...)" (BRANDÃO, Cláudio. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 182)
31 TRT da 2ª Região, 11ª Turma, RO 1001734-51.2014.5.02.0501, Rel. Des. Ricardo Verta Luduvice, DEJT 15.03.2016.
32 "A expressão superior hierárquico indica uma relação de Direito Público, vale dizer, de Direito Administrativo, não se incluindo, as relações de Direito Privado.
Para que a máquina administrativa possa funcionar com eficiência, é preciso que exista uma escala hierárquica entre aqueles que detêm o poder de mando e seus subordinados. (...). Isso significa que não há relação hierárquica entre particulares, como no caso do gerente de uma agência bancária e seus subordinados, bem como inexiste tal relação nas hipóteses de temor reverencial entre pais e filhos ou mesmo entre líderes religiosos e os fiéis. No entanto, poderia haver a prática do delito de assédio sexual, por exemplo, entre um coronel e alguém de uma patente menor (...). Enfim, visualizando-se a relação de Direito Público, seria possível o reconhecimento do assédio sexual." (GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 8. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. v. III. p. 518)
"Superior hierárquico: trata-se de expressão utilizada para designar o funcionário possuidor de maior autoridade na mesma estrutura administrativa pública, civil ou militar, que possui poder de mando sobre os outros. Não se admite, nesse contexto, a relação de subordinação existente na esfera civil. (...).
Ascendência: significa superioridade ou preponderância. No caso presente, refere-se ao maior poder de mando, que possui um indivíduo, na relação de emprego, com relação a outro. Liga-se ao setor privado (...). Não há qualquer possibilidade de haver assédio sexual quando envolver empregados de igual escalão, nem tampouco quando o de menor autoridade assediar o de maior poder de mando." (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 15. ed. São Paulo: Forense, 2015. p. 1.219. Cf. MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte especial. 3. ed. São Paulo: Método, 2013. v. 3. p. 47-48)
33 A questão não fora ventilada no seio do STJ.
34 "A relação superior-subalterno pode existir na seara pública e na seara privada. Na relação hierárquica há uma escala demarcando posições, graus ou postos ordenados configuradores de uma carreira funcional. Na ascendência, contrariamente, não existe essa organização funcional, mas tão somente uma situação de influência ou respeitoso domínio, podendo atingir, inclusive, o nível de temor reverencial. Nesse sentido, discordamos do entendimento esposado por Guilherme Nucci, segundo o qual, a superioridade hierárquica retrata uma relação laboral no âmbito público, enquanto a ascendência reflete a mesma relação, porém, no âmbito privado, ambas inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Na verdade, a ascendência não se vincula a qualquer relação laboral, funcional ou trabalhista, no âmbito público ou privado, como destacamos. Cargo e função referem-se ao setor público, disciplinado pelo Direito Administrativo; emprego expressa a relação empregatícia no setor privado. O Código Penal brasileiro disciplina a obediência hierárquica (art. 22, segunda parte), 'que requer uma relação de direito público, e somente de direito público. A hierarquia privada, própria das relações da iniciativa privada, não é abrangida por esse dispositivo'. O subordinado não tem o direito de discutir a oportunidade ou conveniência de uma ordem. Considerando que o subordinado deve cumprir ordem do superior, desde que essa ordem não seja manifestamente ilegal, pode-se concluir os abusos que um superior mal-intencionado pode praticar quando, por exemplo, for movido por desvio de conduta, especialmente se alimentada por interesses libidinosos. Embora a "hierarquia privada" não receba a mesma disciplina no CP, com as devidas cautelas, mutatis mutandis, os abusos também podem ser gravemente praticados contra quem se encontre em condição de inferioridade, na relação de trabalho ou emprego." (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. IV. p. 81)
"Na situação de superioridade hierárquica, se detecta um relacionamento que diz respeito à hierarquia decorrente de uma organização funcional, que pode dar-se tanto nas relações laborais de direito público quanto nas de direito privado: as elementares cargo e função são conceitos que dizem respeito ao serviço público, enquanto que emprego faz referência às relações trabalhistas inerentes ao setor privado, onde uma pessoa presta serviços ao empregador mediante salário no regime regido pela CLT. A ascendência apresenta um outro aspecto, não se vinculando a qualquer hierarquia, mas sim a uma relação de domínio, de influência ou mesmo o temor reverencial, porém referentes também às relações laborais, em seu sentido amplo." (FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui [Coord.]. Código Penal e sua interpretação. 8. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 1.061-1.062)
35 TJRS, Apelação Crime 70065105108, Sétima Câmara Criminal, Rel. José Conrado Kurtz de Souza, j. 05.11.2015.
36 "As condutas dessa estirpe, covardes e repugnantes, indiscutivelmente merecem rígida punição, mas fora da órbita penal. Se o legislador esqueceu-se do caráter fragmentário do Direito Penal, criando um crime quando a ilicitude era resolvida por outros ramos do ordenamento jurídico, na prática o tipo penal quase não é usado, em obediência ao princípio da subsidiariedade (ultima ratio)." (MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte especial. 3. ed. São Paulo: Método, 2013. v. 3. p. 45-46)
37 Lei nº 9.099/95: "Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)".
38 Lei nº 9.099/95: "Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta".
39 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 15. ed. São Paulo: Forense, 2015. p. 1.217-1.218.
40 A favor pela tese da criminalização do assédio moral laboral é a corrente defendida por Gisele Mendes de Carvalho e Érika Mendes de Carvalho.
"Tudo quanto foi dito anteriormente põe em evidência a necessidade de criação de um tipo penal específico e novo no âmbito dos "Crimes contra a Organização do Trabalho" (Título IV do Código Penal), através do qual fosse criminalizada uma conduta com as características do assédio moral nas relações de trabalho. Já vimos como os atuais tipos penais resultam insuficientes para a repressão do assédio psicológico no ambiente laboral. Só através da criação dessa nova figura delitiva, será possível fazer com que os assediadores conheçam a conduta proibida pela norma e sua punição, e os assediados saibam a partir de que momento o assédio ultrapassa os limites do permitido e é possível contar com a proteção da legislação penal. Também seria conveniente que essa proposta de criminalização viesse acompanhada pela devida reforma da legislação trabalhista (Consolidação das Leis do Trabalho), da qual deveria constar expressamente a proibição do assédio moral e o direito dos trabalhadores a não sofrê-lo, além da específica sanção para o empregado ou empregador que desrespeitasse tal normativa.
(...)
Conforme destacado anteriormente, o tratamento atual do assédio moral nas relações de trabalho no ordenamento brasileiro resulta extremamente insatisfatório, já que o máximo de proteção que pode obter o trabalhador assediado, no âmbito do Direito Laboral, é a rescisão unilateral do contrato de trabalho, o que acarreta a necessidade de que seja ele quem abandone o seu posto de trabalho e, o que é pior, muitas vezes permite que o assediador ou assediadores fiquem completamente impunes. Por outro lado, não parece ser que os tipos penais dos delitos já existentes na legislação brasileira (lesões corporais, injúria, difamação, assédio sexual, constrangimento ilegal, ameaça, etc.) possam encerrar com precisão todo o conteúdo do injusto específico do assédio moral no ambiente de trabalho." (CARVALHO, Gisele Mendes de; CARVALHO, Érika Mendes de. O Assédio moral nas relações de trabalho: uma proposta de criminalização. Anais do XV Congresso Nacional organizado pelo Conpedi, Manaus, 2006, p. 2.018-2.019. Disponível em: <www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/brasilia/05_841.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2017)
42 Lei nº 9.099/95: "Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)".
43 Lei nº 9.099/95: "Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta".
Autores:
NELSON, Rocco Antonio Rangel Rosso
TEIXEIRA, Walkyria de Oliveira Rocha
Fonte: LEX
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