A conselheira Cristiane Silva Costa, vice-presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), vê com preocupação o alto estoque de processos que aguardam julgamento no tribunal administrativo. Em entrevista ao JOTA, a julgadora representante dos contribuintes disse temer que o volumoso acervo seja interpretado pela sociedade como sinal de que o modelo do processo administrativo fiscal é insustentável.
“Temos um estoque imenso, se ele não se reduzir vai acabar o Carf. As pessoas vão entender que esse sistema não serve”, afirmou Cristiane.
De acordo com dados divulgados pelo Carf em abril deste ano, o crédito tributário que aguarda julgamento atingiu R$ 614 bilhões, valor que é debatido em cerca de 119 mil processos. Nesse sentido, Costa apoiou a reorganização administrativa implementada no tribunal pela presidente Adriana Gomes Rêgo no primeiro semestre. A gestora implementou uma série de mudanças a fim de tornar os julgamentos mais céleres e aumentar a produtividade do órgão.
Nomeada para o cargo em janeiro de 2018, Cristiane mantém contato por telefone e e-mail com os demais conselheiros representantes dos contribuintes, a fim de conhecer as demandas deles e intermediar a relação com a administração. Porém, a vice-presidente argumentou que o Carf não tem autonomia para atender a alguns pedidos, a exemplo de reduzir a diferença entre a remuneração dos julgadores da Receita Federal e dos contribuintes.
Para pagar um valor maior, isso teria que vir por meio de decreto ou de lei. Algumas demandas não são do controle do Carf. A Adriana não é congressista.
Cristiane Silva Costa, vice-presidente do Carf
Em entrevista concedida ao JOTA, a vice-presidente do Carf apoiou o voto de qualidade como critério de desempate nos julgamentos por acreditar na imparcialidade dos colegas conselheiros representantes da Fazenda Nacional. Questionado no Supremo Tribunal Federal (STF), o voto de qualidade é a sistemática de desempate adotada pelo Carf, por meio da qual temas que dividem os colegiados podem ser resolvidos pelo presidente da turma, que é representante da Fazenda Nacional.
Cristiane Costa ingressou no Carf como conselheira suplente em 2010, por indicação da Confederação Nacional do Comércio (CNC). A partir de 2015, a julgadora passou a compor a 1ª Turma da Câmara Superior, que analisa disputas relativas ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Em 2016, Cristiane foi pioneira em adaptar a necessidade de amamentar à rotina de julgamentos no Carf, um ambiente majoritariamente masculino. Segundo ela, poucas mães trabalhavam como conselheiras no Carf antes de 2015, e o número aumentou a partir da reformulação do tribunal administrativo que ocorreu naquele ano.
Leia os principais trechos da entrevista :
JOTA: O que mudou na sua rotina desde que você assumiu a vice-presidência, em janeiro deste ano?
Como vice-presidente, minha função judicante não mudou muito, fico na mesma poltrona que eu já sentava na 1ª Turma da Câmara Superior. A diferença é que também posso compor outras turmas como, por exemplo, a reunião do Pleno [agendada para 3 de setembro para discutir propostas de súmula]. Basta a Adriana [Gomes Rêgo] ir ao julgamento que eu compareço também.
Na parte administrativa, desde que entrei a minha relação com a Adriana é muito boa. Tenho a liberdade de fazer propostas e ela tem muita sensibilidade com as demandas. A Adriana não só reorganizou o Carf administrativamente como também ouve muito as pessoas, os funcionários. Sabe o que querem, conhece as demandas dos conselheiros, isso melhorou muito com a entrada dela. Nisso eu ajudei também.
JOTA: Quais são as principais demandas dos conselheiros representantes dos contribuintes? Você se aproximou deles depois de assumir o cargo?
No início fiz uma reunião presencial para abrir um canal com os conselheiros dos contribuintes. Acho que fazia falta e é parte da função. Faço muitas coisas para aprimorar a comunicação. Por exemplo, um conselheiro tem algum problema no meio do mês, quem ele deve procurar? Precisa resolver alguma coisa, para quem deve pedir? Eu ajudo nesse tipo de coisa.
Algumas demandas são simples, é um problema de informação. Às vezes um conselheiro pede para viajar por Congonhas e o Carf emite a passagem por Guarulhos. E é algo simples de resolver que, se ficar como está, atrapalha muito a vida do conselheiro e tem um grande impacto na rotina dele.
O Carf reestruturou todo o setor de passagens e a Adriana levou duas secretárias da presidência para lá, e acho que demonstra uma melhora. Quanto a isso quase não chega mais reclamação.
JOTA: Você se reúne com frequência com os conselheiros dos contribuintes?
Às vezes fica difícil acompanhar mais de perto porque não venho para Brasília todas as semanas, e os conselheiros moram em cidades diferentes. Para isso criei um e-mail da vice-presidência, para o dia em que eu sair toda a informação ficar lá como um arquivo. Seria muito ruim eu sair e isso se perder.
O canal para os conselheiros me procurarem é esse e-mail, em que eles podem documentar a demanda. E eles também podem sempre me ligar. Por enquanto quatro conselheiros fizeram pedidos por e-mail e hoje só tem uma demanda que ainda está em aberto.
Em fevereiro tive minha primeira reunião com as confederações e centrais sindicais. Antes não tinha uma data fixa para nós conselheiros [representantes dos contribuintes] recebermos a gratificação por um problema no sistema. Isso era algo mais complicado que também já se resolveu, não só porque a Adriana é uma boa gestora, mas também porque as coisas estão caminhando melhor no Carf.
Outra demanda dos conselheiros é receber a gratificação mesmo em casos de falta por algum motivo de força maior
Em alguns casos isso foi possível, com base na assessoria jurídica prestada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) ao Carf.
JOTA: Alguns conselheiros dos contribuintes se mostraram insatisfeitos com o fato de a gratificação deles ser mais baixa que a remuneração paga aos representantes da Fazenda Nacional.
Tem coisas que o Carf não consegue resolver sozinho. Para pagar um valor maior, isso teria que vir por meio de decreto ou de lei. Algumas demandas não são do controle do Carf, a Adriana não é congressista.
Fiz uma reunião com as confederações e centrais sindicais para ver como estão as coisas, e muito do que eles pediram já melhorou. São quase 90 conselheiros dos contribuintes que querem coisas muito diferentes, mas às vezes há demandas comuns.
Tento me reunir com frequência mensal com as confederações e sindicatos, e ajudo no diálogo com a Adriana. Tem dúvidas que eu mesma soluciono e não precisa dela. Às vezes pedem minha opinião, ajudo como interlocutora com a presidência.
JOTA: Alguns conselheiros também reclamaram que o sistema interno do Carf contabiliza um número médio de horas trabalhadas por processos que é muito inferior ao tempo que eles realmente investem em cada caso.
Temos metas de produtividade e um sistema para mensurar o número de horas trabalhadas em cada processo. O sistema dá uma estimativa de tempo por processo e não temos uma solução pronta. Podemos tentar melhorar essa métrica, mas isso não é um pedido exclusivo dos conselheiros representantes dos contribuintes.
Mas temos um estoque imenso no Carf, se ele não se reduzir vai acabar o Carf. As pessoas vão entender que esse sistema não serve.
Criar repetitivos, colocar especialistas para fazer a admissibilidade dos embargos no lugar do relator, isso tudo ajuda a aumentar a produtividade
Então é difícil dizer se é razoável essa demanda [de alterar o número de horas gastas por processo]. É um tema delicado, porque temos que produzir. Abrimos mão da advocacia então temos que produzir.
JOTA: Alguns conselheiros veem com receio a centralização da fiscalização dos julgadores em torno da nova Coordenadoria-Geral de Gestão do Julgamento (Cojul). A equipe poderá notificar os conselheiros que descumprirem prazos regimentais. É possível que o novo processo seja mais rigoroso com conselheiros representantes do contribuintes?
Acho que a centralização na Cojul despersonaliza e organiza o processo de fiscalização. Os critérios estão definidos no regimento e o conselheiro recebe um relatório antes de ser notificado, para fazer a defesa antes e evitar a notificação.
Por exemplo, temos um token e uma senha para acessar o sistema, e às vezes perdemos um prazo para formalizar um processo porque esse token venceu. A formalização envolve incluir o voto, a ata, quem participou da sessão, a data, inserir tudo no sistema, assinar e mandar para o presidente da turma.
Às vezes o conselheiro não formaliza [o processo] por algo que está além dele. Antes o Carf notificava primeiro e, se a defesa do conselheiro for bem-sucedida, cancelava depois. Agora a pessoa também tem alguns dias para se explicar ou resolver, antes da notificação.
Não tem pessoalidade, sei de pouquíssimos que foram notificados. O Carf não quer mandar ninguém embora.
O que não pode é ficar igual a antes: tem julgamento feito em 2008 que só foi formalizado em 2014. Não é bom para ninguém – governo, empresas ou o próprio tribunal. Isso não existe mais.
JOTA: Você costuma trabalhar muito em conjunto com outros vice-presidentes? A conselheira Rita Eliza Reis da Costa Bacchieri ocupa o cargo na 2ª Seção e o conselheiro Demes Brito, na 3ª Seção.
Logo que fomos nomeados eu liguei para eles e pedi ajuda para organizarmos as demandas e nos comunicarmos com os conselheiros, mas não temos reuniões muito regulares.
JOTA: Quais propostas de súmula devem ser votadas na reunião do Pleno em 3 de setembro?
A Cojul recebeu propostas e fez uma análise prévia, para verificar se o enunciado bate com os paradigmas apresentados, ou para ver se a pessoa que apresentou é legitimada para isso. Sei que teve gente não legitimada que apresentou uma proposta, e a sugestão foi rejeitada. Mas teve sugestão da PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional], das confederações, dos conselheiros. Teve propostas para o pleno e para Seções específicas.
Os textos são submetidos à Receita Federal e à PGFN, há vinte anos funciona assim, porque podem virar vinculantes para eles no futuro. Depois a Receita e a PGFN publicam o que foi deferido ou indeferido. As que foram para votação devem ser publicadas 30 dias antes da reunião.
As súmulas uniformizam a jurisprudência no órgão e são voltadas para entendimentos consolidados, e evitam recursos especiais que não precisam subir para a Câmara Superior.
JOTA: Muitos advogados se mostraram apreensivos com a possibilidade de o Carf aprovar uma súmula sobre a amortização de ágio, um dos temas mais polêmicos envolvendo o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Acho que é uma preocupação excessiva, exagerada. É como eu disse várias vezes, o que for por voto de qualidade não dá súmula.
Para a súmula ser aprovada no pleno, tem que ser uma tese consolidada, não adianta a Câmara Superior julgar dessa forma se não tem entendimento parecido nas outras turmas ordinárias.
E ágio é como insumo de PIS e Cofins, isso tem que ser analisado caso a caso. A súmula tem que falar sobre uma questão de direito, é muito difícil aprovar um enunciado sobre matérias que envolvem muito fato.
JOTA: Alguns advogados dizem que a jurisprudência do Carf mudou a partir de 2015 em temas mais polêmicos, como a tributação de ágio em reestruturações societárias e a trava de 30% para aproveitar prejuízos fiscais em incorporações. Segundo os profissionais, muitas teses que eram mais favoráveis aos contribuintes foram revertidas na Câmara Superior por voto de qualidade.
Eu não critico muito o voto de qualidade. Não acho que as pessoas da Receita Federal sejam parciais. Vejo os conselheiros com grande imparcialidade, e as pessoas duvidam da imparcialidade deles. Eu não duvido.
Precisamos de um critério de desempate e o voto de qualidade é um modelo para desempatar
Estive em muitas turmas e tem de tudo, mas no geral os conselheiros [da Receita] são muito bons, muito técnicos.
Se fossem parciais tudo seria sempre por voto de qualidade. Eu não concordo com todos, mas acredito que são imparciais. Sem contar que o número de julgamentos resolvidos por unanimidade é muito alto.
JOTA: Alguns interlocutores também dizem que os conselheiros são escolhidos a dedo para compor a Câmara Superior, a fim de favorecer a formação de maioria para teses mais favoráveis à Fazenda Nacional.
Não acho que isso ocorra. Convivi mais na 1ª Turma da Câmara Superior, mas não acredito que as pessoas tenham sido escolhidas por conta disso, para manter autos de infração.
Jamile Racanicci – Repórter de Tributário
Fonte Oficial: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/reduzir-estoque-acabar-carf-vice-presidente-19072018.
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