Como noticiado nesta prestigiosa revista eletrônica, após décadas de contínuo aprendizado com os meus eternos mentores Gilberto de Ulhôa Canto e Condorcet Rezende, e 33 anos de convívio fraternal com os meus queridos sócios do escritório Ulhôa Canto, Rezende e Guerra – Advogados, resolvi, juntamente com a minha equipe (Rodrigo Caserta, Eduardo Muniz, Lis Aguileira, Gustavo Reis, Pedro Grillo e Marco Araujo Jorge), percorrer novos caminhos e abrir um novo escritório, juntamente com o meu estimado companheiro de coluna Roberto Duque Estrada e com a minha querida colega de longa data Renata Emery.
Ambos foram discípulos do nosso saudoso e inesquecível mestre Alberto Xavier e ingressam nessa nossa nova empreitada com a equipe que antes integrava o escritório Xavier, Duque Estrada, Emery e Denardi – Advogados (Alberto Medeiros, Pedro Simão, Carlos Renato Vieira, Gabriel Bez Batti, Juliana Rosa, Natascha Javoski, Wellington Maia, Ana Cristina Assunção, Isabelle Marucci e Maria Clara Oliveira).
Vamos agora ao tema objeto desta coluna.
Como já tive a oportunidade de abordar neste espaço, em razão da sua extrema complexidade, a legislação que rege a incidência do PIS e da Cofins propicia inúmeras divergências interpretativas entre o Fisco e os contribuintes, que somente podem ser dirimidas mediante a intervenção do Poder Judiciário.
No âmbito do regime não cumulativo, a ausência de definição legal do conceito de “insumo” para fins de aproveitamento de créditos das referidas contribuições fez com que as discussões em sede administrativa e judicial se proliferassem, do que decorreu enorme controvérsia jurisprudencial sobre a amplitude do termo. Nem mesmo o recente precedente firmado pela 1a Seção do STJ no REsp 1.221.170, sob a sistemática dos recursos repetitivos, foi capaz de pacificar a questão (a respeito do tema, recomendo a leitura das minhas colunas publicadas em 21.10.2015 e 23.05.2018).
Muito embora as empresas que desenvolvem atividades econômicas mantidas na sistemática cumulativa de cobrança do PIS e da Cofins estejam à salvo da disputa descrita acima, para elas, há outras questões igualmente tormentosas, especialmente no que diz respeito à correta mensuração da base de cálculo para recolhimento dessas contribuições.
Claro exemplo disso é a dificuldade que as instituições financeiras (expressamente mantidas no regime cumulativo) vêm enfrentando para ver reconhecido o seu direito à exclusão da base de cálculo do PIS e da Cofins das despesas incorridas com a contratação dos denominados correspondentes, isto é, agentes autônomos que, atuando junto a potenciais clientes, viabilizam a contratação de operações de crédito, na forma do artigo 8º, inciso V, da Resolução CMN 3.954/11.
De fato, a Lei 9.718/98 (com a redação dada pela MP 2.158-35), que rege a cobrança do PIS e da Cofins cumulativo, autoriza as instituições financeiras a excluírem e/ou deduzirem da base de cálculo dessas contribuições determinados dispêndios, entre os quais as “despesas incorridas nas operações de intermediação financeira” (artigo 3º, parágrafo 6º, inciso I, alínea “a”).
A atividade “intermediação financeira” se refere à captação de recursos em “operações passivas” (depósitos bancários à vista, CDBs etc.) que são posteriormente disponibilizados aos tomadores de crédito (“operações ativas”).
O aspecto nuclear da atividade de intermediação financeira é elucidado por Roberto Quiroga Mosquera, nos seguintes termos:
“No mercado financeiro, a instituição financeira se intromete entre o cedente e o cessionário do crédito, viabilizando a mobilização na economia da poupança nacional. Quando capta valores junto ao público, a entidade financeira assume uma posição devedora perante o doador de recursos, já quando repassa os valores captados aos tomadores de crédito ela passa a integrar o pólo credor da relação creditícia. Naquela revelam-se as denominadas operações passivas dos bancos, nestas revelam-se as operações ativas. Ao tomar recursos financeiros junto ao público poupador a entidade financeira acaba por remunerá-lo com juros; ao colocar à disposição dos tomadores de crédito os respectivos recursos captados, estes, igualmente, a remuneram com juros. Da diferença entre os juros das operações passivas e os juros das operações ativas é que vivem as instituições financeiras.” (“Os Princípios Informadores do Direito do Mercado Financeiro e de Capitais”, Revista Dialética, 1999, pgs. 258/259)
Os correspondentes são pessoas contratadas com a função de viabilizar a “recepção e encaminhamento de propostas de operações de crédito e de arrendamento mercantil concedidas pela instituição contratante, bem como outros serviços prestados para o acompanhamento da operação” (artigo 8º, inciso V, da Resolução CMN 3.954/11).
Note-se que os correspondentes não são contratados para desempenhar meras tarefas auxiliares (como abertura de contas ou funções similares), mas, sim, para efetivamente permitir que o crédito disponibilizado pelas suas instituições financeiras possa ser acessado por seu público-alvo, que, muitas vezes, está situado em áreas ou regiões com restrições de acesso ao mercado financeiro. Em outras palavras, se não houvesse a contratação dos correspondentes, as referidas operações de crédito possivelmente sequer existiriam, uma vez que os clientes das instituições financeiras não teriam outro meio para a contratação desses recursos.
Ou seja, os correspondentes exercem atividade tão relevante que contribuem para que as próprias instituições financeiras possam exercer a sua função social de forma mais efetiva, como bem demonstrado pela Procuradoria-Geral do Banco Central em petição apresentada nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 236/DF:
“50. (...) centenas de municípios brasileiros não disporiam de serviços financeiros básicos, não fosse a presença dos correspondentes; mesmo no seio de grandes metrópoles, a inclusão de parcelas mais carentes da população no Sistema Financeiro Nacional só foi possível pela capilaridade e pelo atendimento mais próximo e informal por eles prestado; a recente expansão do crédito direto ao consumidor, que contribuiu para a manutenção do consumo mesmo nos tempos de crise financeira internacional mais acentuada, deve-se, em grande parte, ao instituto. Mencionem-se, novamente, o relevante papel que os correspondentes têm desempenhado na arrecadação de tributos, na execução de programas de amparo social e redistribuição de renda e no aumento da poupança interna, indispensável para os crescentes investimentos na infraestrutura nacional.” (PETIÇÃO PGBC 6994/2011, de 17.08.2011 – ADPF 236/DF) (grifos nossos)
Verifica-se, assim, que, além de essenciais para que as instituições financeiras possam exercer o seu objeto social de forma efetiva, as despesas com a contração dos correspondentes são inegavelmente incorridas na atividade de intermediação financeira, por viabilizarem o fechamento das chamadas operações de crédito “ativas”.
Ora, por serem incorridas na atividade de “intermediação financeira”, a conclusão natural é a de que as despesas com a contratação dos correspondentes podem ser excluídas da base de cálculo do PIS e da Cofins, em observância ao disposto no artigo 3º, parágrafo 6º, inciso I, alínea “a”, da Lei 9.718/98.
Contudo, esse entendimento vem sendo rejeitado pelas autoridades fiscais, que já se manifestaram no sentido de que somente as “despesas com captação” de recursos (isto é, a remuneração paga para fins de captação de recursos nas “operações passivas” praticadas pelas instituições financeiras) poderiam ser deduzidas da base de cálculo das referidas contribuições.
Esse entendimento foi formalmente adotado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no Parecer 325/2009, cuja ementa transcrevemos a seguir:
“COFINS. Contribuição ao PIS. Base de Cálculo. Dedução de comissão paga por corretora ou distribuidora de câmbio e valores mobiliários aos agentes, em decorrência da apresentação de clientes. Impossibilidade. Lei nº 9.718 (art. 3º, § 6º). Qualificação das despesas incorridas em operações de intermediação financeira e das despesas de captação.”
Esse entendimento se fundamenta nos seguintes argumentos centrais: (a) a Lei 9.718/98 veiculou regra de exclusão da base de cálculo do PIS e da Cofins que representa benefício fiscal, o que exigiria a interpretação “restritiva” do seu alcance, na forma do art. 111, II, do Código Tributário Nacional (CTN); (b) o Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (COSIF), instituído pela Circular BACEN 1.273/87 não contém qualquer campo que permita a inserção das despesas com a contratação dos CORRESPONDENTES na seção de “DESPESAS DA INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA” (código 15), o que demonstraria que esses gastos não são incorridos nessa atividade; (c) as despesas com a contratação dos CORRESPONDENTES teria natureza meramente acessória/administrativa, não sendo passíveis de exclusão da base de cálculo do PIS/COFINS.
Esse mesmo entendimento também foi adotado pela Receita Federal, na Solução de Consulta SRRF06/DISIT 36, de 2 de abril de 2007.
Em relação ao primeiro dos argumentos invocados pelo parecer da PGFN destacado acima, determina o artigo 111, inciso II, do CTN, que a legislação tributária que disponha sobre a “outorga de isenção” deve ser interpretada literalmente (ou restritivamente, conforme jurisprudência pacífica do STJ).
É, contudo, equivocado afirmar que esse dispositivo seria aplicável à presente controvérsia, na medida em que a Lei 9.718/98, ao dispor sobre o regime tributário dispensado às instituições financeiras, não veicula isenção ou benefício fiscal de qualquer natureza, mas apenas regras de definição da base de cálculo do PIS e da Cofins, fixadas conforme as particularidades dos serviços prestados por essas entidades.
De toda forma, ainda que adotada interpretação literal e/ou restritiva, não poderia o intérprete concluir que o legislador teria pretendido limitar a aplicação das regras de exclusão da base de cálculo em exame às “despesas com captação”, como pretendem as autoridades fiscais.
Fosse esse o caso, o legislador o teria feito de maneira expressa, como ocorreu em relação às sociedades que tem por objeto a securitização de determinados créditos, que podem abater da base de cálculo do PIS/COFINS as “despesas de captação de recursos”, como se verifica a seguir:
“Art. 3º (...). § 8º - Na determinação da base de cálculo da contribuição para o PIS/PASEP e COFINS, poderão ser deduzidas as despesas de captação de recursos incorridas pelas pessoas jurídicas que tenham por objeto a securitização de créditos: (...) (Incluído pela Medida Provisória 2.158-35, de 2001)”
Nem se alegue que se trata de um descuido do legislador, pois as hipóteses de exclusão da base de cálculo acima referidas foram também introduzidas pela mesma MP 2.158-35.
Ora, é regra básica de hermenêutica que não cabe ao intérprete distinguir onde a lei não distinguiu. Com base nesse fundamento, a 12ª Vara Federal de São Paulo proferiu decisão, nos autos do Mandado de Segurança 0013695-10.2015.4.03.6100, que autoriza a exclusão da base de cálculo do PIS e da Cofins de “pagamentos de agentes contratados por sociedades corretoras de valores para intermediar operações financeiras”. Cite-se, abaixo, breve trecho do referido julgado:
“(...) onde a lei não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo, sendo certo que a expressão ampla e extensiva utilizada pelo legislador (“despesas da intermediação financeira”) permite concluir que, também no benefício fiscal em tela, estão incluídos os pagamentos de agentes contratados por sociedades corretoras de valores para intermediar operações financeiras.” (Mandado de Segurança 0013695-10.2015.4.03.6100, 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo, e-DJF3 22.09.2016; no mesmo sentido, vale destacar o seguinte precedente: Mandado de Segurança 0019931-75.2015.4.03.6100, 26ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo, e-DJF3 de 22.01.2016)
Com efeito, não se pretende, com essa interpretação, ampliar benefício fiscal de qualquer natureza, mas tão somente definir a correta amplitude da regra de exclusão da base de cálculo veiculada pela Lei 9.718/98.
Nesse sentido, o próprio Superior Tribunal de Justiça já adotou entendimento no sentido de que a “(...) interpretação literal preconizada pela lei tributária objetiva evitar interpretações ampliativas ou analógicas (...), mas também não pode levar a interpretações que restrinjam mais do que a lei quis” (REsp 1.109.034-PR, Primeira Turma, relator ministro Benedito Gonçalves, DJe 06.05.2009). Na mesma linha, citamos os seguintes julgados: REsp 1.468.436, Segunda Turma, relator ministro Mauro Campbell Marques, DJe 09.12.2015; REsp 1.125.064/DF, Segunda Turma, relatora ministra Eliana Calmon, DJe 14.04.2010; entre outros.
Em relação ao segundo fundamento explorado pelas autoridades fiscais, entendemos ser igualmente improcedente a alegação de que o Cosif, mero plano de contas fixado por meio de “circular” do Banco Central, teria o poder de restringir os efeitos da Lei 9.718/98.
De fato, esse entendimento levaria à absurda conclusão de que a base de cálculo do PIS e da Cofins poderia ser fixada por meio de ato infralegal de órgão estranho à administração tributária, em clara afronta ao princípio da legalidade que rege o Direito Tributário. Nesse particular, destaque-se que a própria Receita Federal revogou o artigo 95 e o Anexo I, da IN RFB 247/02, que, por vias transversas, exigiam que as instituições financeiras apurassem a base de cálculo do PIS e da Cofins com a observância do supracitado plano de contas.
Está em linha com esse entendimento, o seguinte precedente do Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3):
“A ausência de previsão para lançamento contábil no campo "despesa" dos valores pagos a título de intermediação a terceiros no Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional - COSIF (Banco Central) não afeta o regramento próprio da tributação. IV- Remessa oficial e apelação da União desprovidas.” (TRF-3ª Região, 4ª Turma, Apelação Cível 0018687-68.2002.4.03.6100, rel. des. fed. Alda Basto, e-DJF3 de 19.05.2014)
Por fim, cabe igualmente afastar as alegações de que as despesas incorridas com a contratação dos CORRESPONDENTES teriam natureza meramente administrativa, o que, de acordo com o artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 9.701/98, vedaria a possibilidade de exclusão desses valores da base de cálculo do PIS e da Cofins.
De fato, as despesas administrativas representam gastos incorridos com a administração geral do negócio, sendo geralmente representadas por “alugueis, despesas legais e judiciais, material de escritório e outras com a mesma natureza”[1].
Portanto, é evidente que a vedação à dedução das despesas meramente administrativas tem como objetivo evitar que as instituições financeiras excluam todos e quaisquer gastos incorridos no exercício da sua atividade da base de cálculo do PIS/COFINS, fazendo com que a referida dedutibilidade esteja restrita às despesas que guardem vínculo maior de essencialidade com a atividade-fim de cada instituição.
E, como visto, as despesas com a contratação dos correspondentes são efetivamente incorridas na atividade-fim das instituições financeiras, com o intuito de viabilizar o fechamento de operações de crédito “ativas”, o que afasta a sua natureza meramente administrativa. Esse entendimento está em linha com decisão proferida pela 18ª Vara Federal do Rio de Janeiro, como se verifica abaixo:
“A impetrante paga os serviços dos agentes autônomos porque eles atuam diretamente na realização de suas operações de captação de recursos e intermediação, afetas, portanto, ao seu objeto social, tal como se prevê na legislação, nos precitados dispositivos ao garantir a dedução. Não se enquadram, pois, como despesas administrativas, estas mais ligadas à manutenção da atividade do que ao seu exercício nuclear, do objeto social propriamente dito. (...) Sobre a dificuldade de ajuste de tais despesas às previsões contábeis uniformizadas pela RFB, tenho que o argumento não se justifica. Se não há campo específico para inclusão como "agentes autônomos", que sejam incluídas como o que de fato são, isto é, despesas de intermediação. Ademais, não faz sentido que a dedução prevista na Legislação seja obstada até que o padrão contábil mude ou por faltar padronização, mas sim o raciocínio inverso.” (Mandado de Segurança 0044637-42.2015.4.02.51.01, 18ª Vara Federal, julgado em 14.10.2015)
Essa sentença foi recentemente confirmada pelo TRF da 2a Região (Apelação Cível 0044637-42.2015.4.02.5101, 4ª Turma Especializada, rel. des. fed. Letícia de Santis Melo, DJ 28.08.2017).
Não há, portanto, como se negar o direito das instituições financeiras a excluir da base de cálculo do PIS e da Cofins as despesas incorridas com a contratação de correspondentes.
[1] SILVA, José Pereira da. Gestão e Análise de Risco de Crédito. Editora Atlas, 2ª Edição, São Paulo, 1998.
Gustavo Brigagão é sócio do escritório Brigagão, Duque Estrada, Emery - Advogados; presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF); membro do Comitê Executivo da International Fiscal Association (IFA); presidente da Câmara Britânica do Rio de Janeiro (BRITCHAM-RJ); conselheiro da OAB-RJ; diretor de Relações Internacionais do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa); diretor da Federação das Câmaras de Comércio do Exterior (FCCE); e professor em cursos de pós-graduação na Fundação Getulio Vargas.
Fonte: Conjur
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