O universo tributário brasileiro é estufado de leis complicadas, excessivas e lotadas de excepcionalidades, conturbando o ambiente de negócios.
A impressão que tenho do Brasil, depois de 40 anos de clínica tributária e de professor da matéria, é a de que somos muito “enrolados”, para usar uma expressão popular de alto teor comunicativo. O termo complexo não cairia bem pois os Estados Unidos, com 326 milhões de habitantes e mais de 50 Estados, com grande autonomia legislativa, são objetivos e pragmáticos, “desenrolados”, tanto nos negócios quanto na tributação, apesar de serem complexos.
A carestia prejudica o crescimento econômico. Se a carga fosse menor, sem prejuízo da arrecadação, os consumidores comprariam, digamos, dois pares de sapatos em vez de um (carga de 46%). Com isso, haveria mais produção, máquinas, salários e, portanto, maior poder de compra (nosso PIB depende em 65% do consumo).
A tributação não deve ser complicada. Em qualquer parte do mundo, os núcleos da tributação são os mesmos, por isso que são universais amostras de “capacidade contributiva”: (a) a renda dita ganhada pelas pessoas físicas e jurídicas, mês a mês, ano a ano, repetida ou isoladamente (salários, juros, dividendos, rendimentos e outras pagas permanentes ou ganhos isolados, chamadas de ganhos de capital, tipo ganho lotérico, uma doação em dinheiro, uma diferença positiva entre uma compra de ações e venda, uma semana depois, com ganho de 35%); (b) a renda dita gasta no consumo de bens e dos mais diversos serviços de que precisamos (os chamados “impostos sobre o consumo”). Juridicamente são pagos pelas empresas, mas repassados nos preços das vendas ao consumidor final, nós; e (c) os patrimônios, seja o imobiliário, edificado ou não, urbano ou rural e o mobiliário, seja o dinheiro e suas aplicações.
Portanto, renda ganhada, consumo e patrimônio são os três modais que suportam a incidência dos mais diversos impostos. Saber dosar a progressividade, a seletividade, a não cumulatividade, a razoabilidade, da tributação deve ser obra de um legislador especializado. Não se pode tributar o consumo supérfluo em esmeraldas e perfumes caríssimos etc., com o mesmo teor que se tributa o consumo de alimentos da cesta básica nem tampouco tributar do mesmo modo o consumo de remédios e serviços em planos de saúde e investimentos, seja em empresas seja em máquinas ou criação de fábricas. A renda gastada, mas voltada a estabelecimentos de saúde e educação, hão de merecer carga menor. O mesmo se diga da renda, agora ganha, mas doada sem fins lucrativos, beneficentes, solidários – como ocorre com intensidade nos EUA – a merecerem baixa tributação. Os exemplos são vários e buscam os valores de justiça e equidade na tributação.
Os EUA tributam pouco o consumo, para não atrapalhar e, sim, incentivar a economia de trocas, e carregam a mão na renda. Lá as empresas pagavam 34% sobre os seus lucros. Trump baixou para 21%. Obviamente, o valor sobrante será gasto em consumo de bens e/ou serviços (o moinho econômico) ou em aplicações nos mercados financeiros ou na expansão dos negócios (obviamente, a médio prazo, aumentará a dívida federal americana de 116% do seu PIB de US$18,2 trilhões), complicando o lado financeiro, aumentando as despesas com juros dos títulos do Tesouro. Quando um país gasta mais do que arrecada, busca dinheiro vendendo títulos do Tesouro, pagando juros, problema crônico das finanças públicas americanas, após Clinton, que entregou o país no zero a zero.
O Brasil tributa muito indiretamente com o IPI federal, o ICMS estadual sobre insumos universais: energia, telecomunicações, transportes e combustíveis, o ISS municipal e mais as contribuições sociais PIS/Cofins sobre a receita bruta dos agentes econômicos (que os repassam nos preços). Não satisfeito, ataca as receitas líquidas (lucro líquido) com o imposto sobre a renda e o capital e a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), que não passa de um adicional do imposto de renda. As pessoas físicas da classe média são tributadas a 27.5% pelo IR tanto quanto (Antônio)Ermínio de Moraes. Os pobres pagam 45% em média sobre roupa, comida e remédios, indiretamente, por força de impostos repassados para os preços. O Ermínio, também. As classes médias levam pancadas de todo lado. Além da carga geral, pagam o IPVA e IPTU, o que não incomoda os ricos.
Sofremos, é certo, mas já começa a voltar a esperança. Que 2018 nos insira novamente no crescimento econômico e no contexto das nações com alto potencial de crescimento. Ao cabo, a China, a Índia, a Rússia, pela ordem, crescem e se organizam e se expandem cada vez mais. Somente o Brasil ficou atrás. Essa sina, espera-se, chegará ao fim, após as reformas, inclusive a tributária. Sem elas, sei lá! Antes de tudo cumpramos o que está na bandeira nacional: “Ordem e Progresso”.
Sacha Calmon Navarro Coêlho
é Doutor em Direito. Jurista. Advogado e parecerista. Conferencista. Autor.
Fonte: Genjuridico.com.br/
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