Muitas vezes as legislações estaduais do ICMS se adéquam aos termos dos convênios firmados, dando a impressão de que estes se situam no patamar acima da legislação estadual. Não é bem assim, como passaremos a demonstrar.
A matriz constitucional dos convênios está no art. 155, § 2º, inciso XII, letra g, da CF, que diz competir à lei complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos fiscais e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”.
Os convênios do ICMS serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados os representantes de todos os estados e do Distrito Federal, sob a presidência do representante do Governo Federal (art. 2º). A concessão de benefícios fiscais depende da deliberação unânime dos estados representados, e sua revogação total ou parcial dependerá do voto favorável de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes (§ 2º do art. 2º).
Por força do § 5º do art. 155 da CF cabe, ainda, aos convênios editar regras necessárias à aplicação do disposto no § 4º[1], que se refere ao regime de tributação nas operações internas e interestaduais com os lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo e operações interestaduais com gás natural.
Os convênios são editados pelo Confaz, um órgão sem existência legal, criado que foi pelo Convênio nº 8/1975. Um órgão destinado a editar convênio foi criado por um convênio!
Os convênios editados nos limites da Constituição e da lei complementar devem ser observados pelas legislações tributárias dos Estados, não porque se situam acima delas, mas porque os Estados ficam vinculados aos atos por eles aprovados. O Confaz não faz outra coisa senão editar normas aprovadas pelos Estados.
Logo, o convênio não configura um instrumento normativo autônomo, ele tem natureza infralegal, celebrado de forma a complementar a legislação estadual do ICMS. Não pode se sobrepor à legislação estadual. Esta, por sua vez, deve atuar nos limites da previsão constitucional. Fora desse limite, a lei complementar, dita extravagante, não terá a função de norma geral de direito tributário, podendo ser revogada por uma lei ordinária, como já decidiu o STF[2].
Na prática, o Confaz vem abusando ao exercer em diversas oportunidades uma competência legislativa que não tem, nem poderia ter. Isso aconteceu com a regulamentação direta pelo Confaz dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade dos incentivos fiscais concedidos unilateralmente pelos diferentes Estados[3].
Aconteceu, também, com a edição do Convênio nº 110/2007, com alterações introduzidas pelos Convênios nos 101/2008 e 136/2008, que regulavam as operações de substituição tributária, avançando sobre matérias reservadas às deliberações dos estados participantes das reuniões, como é o caso da obrigatoriedade de proceder o estorno de créditos do ICMS “na forma de recolhimento do valor correspondente ao ICMS diferido”, em vez de simplesmente prescrever a anulação escritural dos créditos (cláusula 21ª, §§ 10 e 11). Essas cláusulas foram declaradas inconstitucionais pelo STF porque implicavam bitributação ofensiva aos arts. 145, § 1º, 150, I, e 155, § 2º, I, e § 5º, da CF (ADI nº 4.171-DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 21-8-2015).
Em recente decisão liminar datada de 27-12-2017, o STF suspendeu os efeitos das cláusulas 8ª, 9ª, 10ª, 11ª, 12ª, 13ª, 14ª, 16ª, 24ª e 26ª, do Convênio ICMS nº 52, de 7-4-2017, que extravasavam os limites de atuação do convênio, avançando sobre matérias submetidas ao regime da lei complementar.
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[1] § 4º Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte:
I – nas operações com os lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo, o imposto caberá ao Estado onde ocorrer o consumo;
II – nas operações interestaduais, entre contribuintes, com gás natural e seus derivados, e lubrificantes e combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo, o imposto será repartido entre os Estados de origem e de destino, mantendo-se a mesma proporcionalidade que ocorre nas operações com as demais mercadorias;
III – nas operações interestaduais com gás natural e seus derivados, e lubrificantes e combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo, destinadas a não contribuinte, o imposto caberá ao Estado de origem;
IV – as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g, observando-se o seguinte:
serão uniformes em todo território nacional, podendo ser diferenciadas por produto;
poderão ser especificas, por unidade de medida adotada, ou ad valorem, incidindo sobre o valor da operação ou sobre o preço que o produto ou seu similar alcançaria em uma venda em condições de livre concorrência;
poderão ser reduzidas e restabelecidas, não se lhes aplicando o disposto no artigo 150, III,
[2] RE nº 377.457-PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 26-9-2008.
[3] Convênio nº 70, de 29-4-2014. Patente a inconstitucionalidade desse convênio que avançou sobre a matéria reservada à lei complementar.
Kiyoshi Harada
é Mestre em Teoria Geral do Processo. Especialista em Direito Tributário, Ciência das Finanças e Teoria Geral do Processo. Professor de Direito Administrativo, Tributário e Financeiro em diversas instituições de ensino superior. Autor de 31 obras jurídicas publicadas por diferentes editoras. Ex-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Fonte: Genjuridico.com.br/
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