Em uma decisão rara, a Justiça Federal determinou que a União pague uma multa de R$ 100 mil a uma empresa do setor de telecomunicações de São Paulo. O motivo da condenação foi a demora da Receita Federal em consolidar os débitos do contribuinte no Refis – programa de parcelamento de dívidas tributárias, com desconto em multas e juros.
A companhia havia quitado os seus débitos por meio do programa em 2013 e, passados três anos, ainda não tinha a confirmação da extinção da dívida.
Os problemas entre o Fisco e o contribuinte começaram após a empresa ingressar com pedido de extinção da execução fiscal correspondente aos débitos que foram inseridos no Refis. A companhia aderiu em 2013 ao programa – instituído pela Lei nº 11.941 em 2009 – e pagou, à vista, os seus débitos, aproveitando os descontos de 100% nas multas e 45% nos juros oferecidos pelo programa.
Ao ser intimada a responder sobre a situação do contribuinte, a Fazenda informou "impossibilidade momentânea de afirmar se o débito encontrava-se quitado" e pediu prazo ao juiz. Foram determinados 90 dias para a manifestação. Esse prazo, a pedido da União, foi prorrogado por mais dez dias. Em razão de a nova data também não ter sido cumprida, o juiz concedeu mais cinco dias e multa em caso de descumprimento.
"Tínhamos a demonstração evidente do pagamento desde 2013, mas a Receita reiterava petição após petição que não tinha mecanismos para calcular se o débito estava extinto", diz a advogada da empresa, Ana Luiza Martins, do escritório Tauil & Chequer Advogados.
Por esse motivo, segundo Ana Luiza, a empresa não conseguia recuperar valores referentes aos débitos já quitados que haviam sido depositados em juízo antes da adesão ao Refis. Na prática, a empresa tirou dinheiro do caixa para fazer o pagamento pelo programa e ainda foi obrigada a manter tal depósito pelo período de três anos. O fato, conforme a advogada, obrigou a companhia a fazer um empréstimo com a controladora no exterior. O saldo, em valores atualizados, é de cerca de R$ 900 mil.
Especialistas afirmam que são raras as decisões de multa ao Fisco. A advogada Gabriela Jajah, do Siqueira Castro, chama a atenção que mesmo nos casos de demora na expedição de regularidade fiscal os pedidos para a imposição de multa não costumam ser acolhidos. "Então essa decisão acaba sendo um ótimo precedente para que os contribuintes que estão na mesma situação tenham um pouco mais de força nessa relação [com o Fisco] que não é equilibrada."
A advogada Priscila Faricelli, do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, diz ser grande o número de contribuintes à espera da consolidação do Refis. Ela destaca que, no escritório onde atua, também há casos de clientes obrigados a manter os depósitos em juízo e existem ainda os que permanecem custeando fiança bancária porque também não tiveram a confirmação de que as dívidas incluídas no programa foram extintas.
Ela afirma que os problemas se concentram no programa instituído pela Lei nº 11.941. Segundo a advogada, "houve um problema grave de consolidação" porque o programa passou a permitir que os contribuintes usassem prejuízo fiscal e base negativa para abater os débitos.
"Só que quando a Receita lançou o parcelamento, portarias e normas, o sistema ainda não estava pronto para fazer a consolidação. Inúmeros contribuintes não tiveram resolvida a consolidação do parcelamento por conta de dificuldades no sistema", diz. " Infelizmente, essa decisão da 3ª Vara Federal de São Paulo não trata de um caso isolado", acrescenta a advogada.
Para o tributarista José Andrés, sócio do Chediak Advogados, há uma dificuldade operacional por parte da Fazenda Nacional em função da quantidade de Refis que foram abertos e das diferenças de descontos oferecidos por cada um dos programas. Ele destaca que alguns permitiam, inclusive, a migração do saldo do Refis anterior para o parcelamento do atual. "Não é fácil consolidar débitos. Principalmente débitos diferentes, incluídos em diferentes programas de parcelamento e muitas vezes com migração de um para o outro", observa.
Por outro lado, o advogado entende que não se justifica tamanha demora em atender o contribuinte. Ele lembra que na Lei nº 9.784 – que regula o processo administrativo federal – é estabelecido um prazo máximo de 365 dias para que a União responda aos pleitos dos administrados.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou que ainda não foi intimada da decisão e que avaliará o cabimento das medidas recursais para o caso.
Por Joice Bacelo | De São Paulo
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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