Cumprindo a promessa do último artigo, volto a abordar o tema da relação das empresas com os investidores. Uma boa comunicação com os agentes de mercado (analistas, gestores e investidores pessoa física) é fundamental para que o preço das ações da companhia incorpore da melhor forma possível suas atividades operacionais e financeiras presentes e futuras e, com isso, se aproxime do preço justo da ação.
Há três semanas, falei, citando casos que vivenciei profissionalmente, sobre três temas: a recompra de ações, empresas alvo de aquisições e a visão de curto prazo das empresas. Hoje, discorrerei sobre as estimativas oficiais fornecidas pelas próprias companhias sobre dados operacionais, também conhecidas pelo termo em inglês “guidances” e o período de silêncio (“quite period”, em inglês).
É comum que as empresas forneçam espontaneamente estimativas próprias para alguns dados como receita e Ebitda (medida simplificada de fluxo de caixa). Geralmente, a empresa não fornece um número específico, mas um intervalo de valores (“range”, em inglês) no qual deve se situar, por exemplo, a receita no ano. Assim existe uma estimativa mínima, média e máxima. A empresa deve estar muito confortável sobre os números apresentados, pois o mercado acredita que ninguém possa conhecer melhor as perspectivas da empresa do que a própria empresa. Assim, um resultado efetivo inferior ao valor fornecido mínimo pode causar um efeito devastador sobre o preço da ação. A administração deve estar confiante de que possa alcançar com tranquilidade o ponto médio, pois esse deve ser o valor utilizado pela maior parte dos analistas. Uma empresa que eu analisava, logo após a abertura de capital, forneceu um “guidance” de crescimento de receita muito ambicioso. Questionei o responsável pelo departamento de relação com investidores (RI) se a informação prestada ao público não era irreal que retrucou imediatamente: “se eu não acreditar na minha empresa, quem acreditará?”. O tempo passou e, como sempre, a realidade cobra a conta dos fanfarrões. Apesar de a empresa ter apresentado um crescimento anual do faturamento de cerca de 20%, as ações despencaram após a divulgação dos resultados, pois o crescimento estava aquém do sinalizado pela empresa. O outrora arrogante profissional me ligou resmungando: “o mercado é muito exigente”. Contudo, a culpa foi do próprio administrador que alimentou mal as expectativas do mercado.
Caso clássico de estimativas não condizentes com a realidade foi o da petrolífera OGX.
Outro cuidado que deve ser tomado é o de que a informação sobre o “guidance” seja fornecido ao mesmo tempo para todo o mercado. O documento pode ser o “press release” de resultados ou um “comunicado ao mercado”. A divulgação de estimativas oficiais em entrevistas ou em reuniões patrocinadas por corretoras, cuja audiência é restrita a poucos clientes, tem de ser evitada, pois estaria se privilegiando uma pequena parcela do mercado.
Foi o que em tese aconteceu com as ações do Banco do Brasil, segundo reportagem do Valor “Ações do BB caem após suposto guidance”, de 3 de fevereiro de 2014. Segundo a matéria, o analista de um banco teria obtido em conversa com o BB um “guidance” ainda não oficial de crescimento da carteira de crédito para o ano. Esse número, que decepcionou o mercado, fez as ações recuarem 4,4% após a divulgação do relatório do analista. O Banco do Brasil negou a existência de vazamento.
Período de silêncio (“quiet period”, em inglês)
É comum os departamentos de RI, antes da divulgação dos resultados, evitarem os agentes de mercado alegando estarem em período de silêncio. O Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado (Codim) emitiu, em 2009, um pronunciamento de orientação padronizando os procedimentos a serem adotados pelas companhias em períodos anteriores à divulgação dos resultados. O documento diz que as companhias não devem fornecer informações privilegiadas sobre seus resultados ao público externo durante o preparo das demonstrações contábeis. Mas o mesmo pronunciamento permite que “outras informações rotineiras devem continuar a ser transmitidas para não prejudicar o acompanhamento de suas atividades pelo público estratégico”. Contudo, apesar da orientação clara do Codim, a maioria das empresas esquiva-se de informar qualquer coisa ao mercado, escondendo-se atrás do período de silêncio. Como há quatro divulgações trimestrais no ano e o período de silêncio é de 15 a 20 dias, um RI padrão das companhias nacionais não atende o mercado durante 80 dias. Em outras palavras, em 30% dos dias úteis do ano, a empresa não interage com um dos seus principais pilares: seus atuais ou potenciais acionistas. Não à toa, o mercado reclama da interação com as empresas.
por Andre Rocha
Fonte: Estrategista.net
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