O Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) de São Paulo permitiu que a Barsa Planeta Internacional aplique a imunidade constitucional de livros a fitas cassete de áudio, fitas de vídeo e CD-room que faziam parte de um curso de inglês comercializado pela empresa. Este foi o primeiro caso envolvendo livros eletrônicos ou similares julgado pela Câmara Superior do órgão. A Fazenda paulista não pode mais recorrer.
A empresa foi autuada em 2003 por não recolher ICMS sobre a comercialização do curso de inglês Barsa Linguaphone – um conjunto de livros, fitas cassete de áudio, fitas de vídeo, CD-room e estojo. O caso foi levado à Câmara Superior do TIT depois de a 16ª Câmara Julgadora aceitar o pedido do contribuinte.
A Câmara Superior entendeu que a imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, da Constituição Federal, tem como bem jurídico protegido o acesso à informação, como também a livre manifestação do pensamento e a difusão da cultura, não sendo relevante se o livro ou periódico é confeccionado em papel ou em mídia digital (e-book). O artigo 150 veda a cobrança de impostos de livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Poucos casos sobre o tema chegaram ao TIT. Antes do processo da Barsa, foram julgados apenas dois processos, com a manutenção das autuações, conforme a Fazenda de São Paulo. Nenhum deles teve o mérito apreciado pela Câmara Superior do órgão.
Dentre os juízes, dez acolheram a tese do contribuinte e seis votaram pela manutenção da autuação, seguindo a relatora, Cacilda Peixoto. Ela entendeu que a Constituição vincula a imunidade ao papel. "O denominado ‘cd room’ não se confunde com livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão, não estando, portanto, ainda que se destine a fins culturais e de difusão do pensamento, ao abrigo da imunidade prevista no artigo 150 da Constituição Federal", afirmou em seu voto.
A relatora citou ainda a orientação do Código Tributário Nacional (CTN) para que se interprete literalmente a legislação tributária em se tratando de isenção.
Em voto-vista, a juíza Vanessa Pereira Rodrigues Domene, porém, defendeu que a imunidade dos livros, jornais, periódicos e o papel da sua impressão tem como objetivo dar efetividade aos princípios da livre manifestação do pensamento e da livre expressão da atividade intelectual. Portanto, a intenção do constituinte era difundir o livre acesso à cultura e à informação.
"O conceito de livro não pode ficar amarrado à sua antiga concepção. Além disso, há que se diferenciar o ‘veículo’ da ‘mensagem’, pois a imunidade do ‘livro, jornal e periódico’ tem como objetivo proteger esta última, e não o veículo pelo qual ela é transmitida", disse em seu voto. A juíza considerou que a intenção do constituinte original com a norma era proteger a criação e a propagação das ideias, a livre manifestação do pensamento e a difusão da cultura.
De acordo com o juiz Eduardo Perez Salusse, quando a Constituição foi discutida não se tinha muita clareza da possibilidade de, em um futuro próximo, ter livros em um suporte físico que não o papel. "Por isso, talvez, o legislador não tenha previsto uma amplitude maior", afirmou. A discussão, acrescentou, é a mesma dos e-books, os livros digitais, mas pode ser um pouco diferente da dos e-readers (leitor de livros digitais).
Os três assuntos já foram levados ao Supremo Tribunal Federal (STF). Há recursos extraordinários, em repercussão geral, que discutem a imunidade de livro eletrônico e de livro em mídia (CD) que acompanha material didático. Ainda não foram julgados. Somente um processo envolvendo leitor de livros digitais já foi analisado. Os ministros mantiveram em dezembro liminar concedida à Saraiva e Siciliano, isentando-a de ICMS. Porém, no caso dos impostos federais, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região entendeu que a empresa não teria direito ao benefício.
Se a decisão do Supremo nos casos em repercussão geral for contrária à concessão da imunidade, o TIT poderá rever seu entendimento nos próximos casos, segundo Salusse. "Mas, por enquanto, se houver outros processos sobre o assunto, acredito que o TIT seguirá o precedente da Câmara Superior", disse.
O advogado da Barsa no processo, Mauro Ernesto Moreira Luz, do Demarest Advogados, acredita que várias empresas poderão se beneficiar dessa decisão, muito embora ela não afaste nem minimize o risco de autuações fiscais.
"Eles vão continuar autuando enquanto o STF não decidir", afirmou o advogado Francisco Lisboa Moreira, do escritório Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados, que destacou a existência de duas correntes no TIT. Uma delas interpreta a Constituição de forma literal e desconsidera os meios eletrônicos, enquanto a outra tenta buscar a intenção do legislador. Para Moreira, deve prevalecer o entendimento adotado pela maioria da Câmara Superior do TIT.
Para Luiz Fernando Mussolini Júnior, juiz da Câmara Superior e professor de direito tributário, houve uma evolução no entendimento do TIT. "É muito positiva essa decisão. Se revista pornográfica tem imunidade, como um curso com acessórios eletrônicos para facilitar o aprendizado não vai ter?"
Fonte: Valor | Por Beatriz Olivon | De São Paulo
Via Alfonsin
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