Uma das tarefas muito chatas da contabilidade é ter que registrar perdas. Isso desagrada, obviamente, os gestores, os proprietários, os empregados, os credores, até o Fisco (no caso das pessoas jurídicas) — e, por que não dizer, a sociedade como um todo.
As empresas às vezes têm que registrar baixas de ativos que perdem a capacidade de gerar caixa em volume apropriado para recuperar o dinheiro neles investido por azar, ou seja, por fatores externos, não controláveis por ela, tais como baixa do preço internacional do bem que produz, variação desfavorável do câmbio, tecnologias novas etc. É muito chato ter que registrar esses tais de impairments (que mania de anglicizar tudo; em Portugal, “imparidade”).
Às vezes as baixas decorrem de imperícia nas previsões. Existiam, à época da decisão dos investimentos, condições que possibilitavam antever esses e outros fatores futuros que vêm agora mostrar os erros cometidos no passado.
Mas a pior razão das baixas parece ser a figura da fraude, com ou sem corrupção de alguém além do fraudador. Que dor para os fraudados tomar conhecimento dos buracos em ativos inexistentes, em despesas supervalorizadas e quejandos.
Os fraudados se sentem lesados material e emocionalmente (como quando se é roubado ou assaltado), às vezes mais moralmente do que materialmente. Em muitas situações a autoestima desaba mais do que nas situações de imperícia. Sentir-se fraudado é pior, muito pior do que sofrer dos azares da vida ou pagar pelos erros cometidos. E quantos milhões de pessoas nos sentindo assim, e há bastante tempo, mas agora em dose exageradamente cavalar.
Mas é bom lembrar (bom nada, é horrível!) que isso não ocorre só nas empresas, é claro. Quantas ONGs, quantas entidades benemerentes, quantas associações de bairro, quantos… bem vamos parar. Sem falar em contas governamentais.
Nossas contas nacionais, por exemplo, foram dilaceradas com o esconde-esconde dos buracos; parte deles acabou agora sendo reconhecida e o déficit do ano passado (pelo menos em parte) apareceu. Nesse caso, uma mistura de excesso de competência em manipular (no mau sentido) números e, também, de crença na ignorância alheia provocaram uma mentira pelas perdas antes não reconhecidas. Deve ter sido chato ter que escriturar agora o que já estava claro aos olhos de muitos. Só que estou com uma enorme dificuldade de enquadrar esse fato.
por Eliseu Martins - Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP - Bacharel, Doutor e Livre-Docente pela FEA -USP. É consultor, palestrante e parecerista da área contábil; Membro de Conselhos de Administração, Consultivo e Fiscal de empresas privadas e estatais e de entidades sem fins lucrativos. Ex-Diretor da FEA-USP; Ex-Diretor Pró-Tempore da FEARP; Foi Coordenador do Pós-Graduação e Chefe do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA-USP; Ex-Diretor da CVM (período de out/2008 a dez/2009 e de 1985 a 1988); Ex-Diretor de Fiscalização do Banco Central do Brasil; Foi representante do Brasil junto a ONU para assuntos de Contabilidade e Divulgação de Informações; Ex-Diretor do IBRACON - SP; Ex-Diretor da ANEFAC, entre outras funções já realizadas.
Fonte: Capital Aberto
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