A divulgação do Justiça em Números 2014 do CNJ comprovou o aumento das execuções fiscais, o que já era esperado. Elas já representam 41,4% de todos os processos judiciais brasileiros. O insucesso do procedimento também é conhecido. A recuperação de créditos federais gira em torno de 1% do que é cobrado. São muitos processos para pouco resultado. Continua-se pensando em uma única solução: a desjudicialização da execução fiscal. Ela representa, em última análise, entregar a senha do Bacenjud para o Fisco, que poderá bloquear as contas bancárias dos contribuintes que entenda faltosos. A constitucionalidade da medida é discutível e, sem dúvida, muitos correrão para o Poder Judiciário pedindo o desbloqueio de suas contas. Em parte, essa proposta só mudará o tipo de processo.
Diversas outras medidas podem ser pensadas para enfrentar o grande desafio que são as execuções fiscais, principalmente se a solução passar por muitos agentes. Imagine-se o fisco auxiliando mais do que hoje. A Receita Federal do Brasil, por exemplo, somente fez o programa de informática para confirmar os pagamentos à vista do REFIS de 2009 em 2014. Com isso, milhares de processos ficaram 4 anos parados, impactando negativamente a quantidade de execuções fiscais. A Receita poderia, também, cumprir o Decreto-Lei 1.687/1979 e mandar os processos para a Fazenda Nacional em 90 dias após a inércia do devedor, e não quase cinco anos depois, como faz atualmente. Esses mesmos órgãos poderiam melhorar sua comunicação interna. Atualmente, não é raro que eles só informem um ao outro os dados da cobrança mediante ordem do juiz.
A Fazenda Nacional poderia contribuir decisivamente para a redução das execuções fiscais. Primeiro reconhecendo a prescrição intercorrente. Grande parte das execuções fiscais são velhas e estão arquivadas, mas ativas. As chances de arrecadação, nesses casos, são próximas a zero. Na Justiça Federal de São Paulo tais processos são aproximadamente dois terços de todas as execuções. Nesse ponto, a atuação conjunta de procuradores e juízes poderia ocorrer no próprio arquivo, como já aconteceu no passado, quando o CNJ assim determinou, com sucesso inegável. Em torno de 200 mil processos federais poderiam, na Cidade de São Paulo, serem extintos. A PFN poderia, também, passar a atender os advogados dos contribuintes. Assim, um canal direto de solução das controvérsias seria formado e muitos casos não precisariam da intermediação dos juízes. Hoje o advogado tem o direito de ser atendido pelo juiz, mas não pelo procurador da Fazenda Nacional. Em terceiro lugar, esse órgão do Poder Executivo poderia aprimorar seus procedimentos. Eles fazem tudo o que podem para deixar o processo de execução fiscal ativo, ainda que a chance de êxito não mais exista. O CNJ poderia estimulá-los, por exemplo, a requerer apenas as providências que trariam efetividade à cobrança.
Por falar em CNJ, esse Conselho poderia auxiliar os juízes das execuções fiscais divulgando práticas que, sem contrariar a lei, são mais eficazes. Isso implicaria, em muitos casos, negar o que os advogados públicos pedem. Mas a contrapartida na redução das execuções fiscais é evidente. Há muita jurisprudência que exige que o Poder Executivo seja mais célere, atuante, o que implica até mesmo na extinção do processo quando a ineficiência do Estado fique patente. A divulgação dessas decisões, pelo CNJ, poderia estimular os juízes das execuções, tão criticados por serem excessivamente pró-fisco, a atuarem com mais equilíbrio, pondo na balança o interesse de todos. De fato, nada justifica a visão que o Poder Judiciário passou a ter do Estado como o hipossuficiente na execução fiscal. O resultado desse equívoco fica claro no Justiça em Números. Também o Ministério Público poderia atuar, como fiscal da lei, para melhorar as execuções fiscais. Exemplificando, a Receita Federal, conforme dito, não cumpre a lei que determina o ajuizamento rápido dos processos. O MPF poderia passar a investigar o motivo da demora, estimulando seu cumprimento.
Evidentemente que o Poder Judiciário muito pode fazer para diminuir as execuções fiscais. Quer seja trabalhando sobre os feitos arquivados, como mencionado, quer melhorando a estrutura existente. O processo eletrônico que está sendo implantando vai agilizar significativamente as execuções fiscais. Mas os juízes de execução fiscal precisam de mais apoio administrativo, notadamente de servidores em número compatível com a quantidade de feitos que estão sob sua responsabilidade. Também ao construir a jurisprudência, o Judiciário pode levar em conta seu impacto no andamento de tais processos. Por fim, o Poder Legislativo pode contribuir retirando os excessos legais a favor da máquina administrativa. Eles a deixariam mais eficiente.
Como ensinou Miguel Reale na sua consagrada teoria tridimensional, o direito é fato, valor e norma. Assim, não há como negar os fatos: execuções propostas tardiamente não dão bom resultado; a desvalorização dos juízes das execuções contribui negativamente para seu trabalho; os excessos a favor do fisco e de seus advogados estão levando à inviabilidade das execuções fiscais.
por Renato Lopes Becho é juiz federal em São Paulo e coordenador do Fórum de Execuções Fiscais.
Fonte: Conjur
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