sexta-feira, 28 de novembro de 2014

28/11 Transparência fiscal é o diferencial de democracias avançadas

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/FGV Direito SP. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

No dia 3 de novembro passado, o Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, discutiu o texto Political Regimes, Institutions and the Nature of Tax Systems[1] (Regimes Políticos, Instituições e a Natureza dos Sistemas Tributários), dos autores Stanley L. Winer[2], Lawrence W. Kenny[3] e Walter Hettich[4].

Com viés interdisciplinar entre o Direito, a Ciência Política e a Economia, o texto evidenciou a correlação existente entre os regimes políticos dos países e suas características institucionais com a estruturação de seus respectivos sistemas tributários. Sustentam que os mesmos são produtos da interação de forças políticas e institucionais.

Além da sua abordagem interdisciplinar, o texto também apresentou enfoque empírico buscando evidenciar a correlação entre fatores políticos e institucionais com a estruturação de sistemas tributários a partir de três níveis de análise. No primeiro nível, estabeleceu comparações entre regimes políticos democráticos e não democráticos. No segundo, estreitou a análise para a comparação entre sistemas eleitorais, contrapondo regimes parlamentares proporcionais com regimes parlamentares majoritários. Por fim, buscou estabelecer conexões entre as microestruturas dos sistemas eleitorais, tais como custos de transação de veto players, e os impactos desses fatores na definição da estrutura tributária de um país.

Para o primeiro nível de análise a pergunta endereçada foi a seguinte: dado o grau de democracia de um país, que efeito pode ser atribuído à sua estrutura tributária? Para responder essa pergunta os autores se utilizaram do Índice Gastil[5]. A conclusão alcançada, a partir dessa análise, foi de que quanto mais democrático é o país, ou seja, quanto melhores os seus indicadores de direitos políticos e liberdades civis, mais o governo utiliza-se de uma tributação mais focada na renda do que no consumo.

A perda da disponibilidade econômica por parte do contribuinte motiva sua oposição à tributação. Tributação é, portanto, custo político que qualquer governante deve estar preparado a suportar. Da perspectiva da política fiscal, essa conclusão é indicativa de que a transparência tributária e o consentimento do cidadão pelo pagamento de impostos são fatores característicos de países mais democráticos. O diferencial está justamente na transparência da tributação.

Nesse sentido, se por um lado democracias avançadas tributam eminentemente a renda, países menos democráticos focam a tributação no consumo, vez que ela é mais fácil de se ocultar e independe do consentimento do cidadão em pagar. Trata-se do fenômeno da ocultação e ofuscação fiscal[6], estratégia que contorna o custo político da tributação por meio de uma política fiscal indireta e regressiva.

Sistemas eleitorais também são fatores determinantes da política fiscal. De acordo com Winer et al., países de regime parlamentarista majoritário[7], tendem, em tese, a tributar menos a renda direta do que regimes proporcionais[8]. A explicação oferecida pela Ciência Política é de que nas representações majoritárias verifica-se maior incidência de regimes centro-direita e menos propensos à tributação progressiva e redistributiva da renda.

No Brasil temos um sistema eleitoral misto: a eleição de cargos executivos ocorre pelo sistema majoritário, vence o candidato mais votado em determinado distrito eleitoral. Por outro lado, contamos com o sistema proporcional para a eleição da Câmara dos Deputados Federais.

Como consequência, nosso Executivo protagoniza o exercício das políticas públicas e articula a política fiscal como instrumento para obtenção de apoio social.

Se por um lado o aumento da tributação inicialmente representa custo político, por outro a provisão de bens e serviços públicos impactam diretamente na percepção do eleitorado sobre o bom funcionamento da atividade governamental. Há a sensação pública de bem-estar atrelada ao exercício do poder político do Estado.

A composição bicameral do nosso Legislativo e o considerável número de veto players também impactam diretamente nas escolhas de política fiscal, vez que favorecem o comportamento conservador do Legislativo, avesso às mudanças no cenário fiscal. Esses arranjos institucionais incentivam os deputados a buscarem sua reeleição e atuarem em prol dos interesses meramente arrecadatórios do governo federal e dos municípios.

A atuação que deveria ser determinante para o sucesso das tentativas de reformulação do sistema tributário brasileiro acaba sendo fragilizada pelo envolvimento do Poder Executivo[9] que está mais próximo da sociedade.

Diante desta realidade, democracia significa sensibilizar o eleitorado sobre a importância da transparência fiscal para garantir políticas públicas eficientes. O cidadão tem papel decisório na definição das estratégias de arrecadação e é responsável por garantir o desenvolvimento nacional. Não cabe mais sermos coadjuvantes à política fiscal brasileira.

“Se quisermos, podemos viver em um mundo de ilusão reconfortante.”
Noam Chomsky[10]

[1] Disponível em: http://goo.gl/meLQTb

[2]Canada Research Chair Professor in Public Policy School of Public Policy and Administration, and Department of Economics.

[3] Professor University of Florida, Warrington College of Business Administration Department of Economics

[4] California State University, Fullerton - Department of Economics

[5] Índice composto por duas variáveis: (i) liberdades políticas e (ii) direitos civis. Cada variável recebe pontuação de 1 a 7, de modo que a menor nota possível no índice é 2 e a maior é 14. Quanto menor a nota atingida, maior o nível de liberdades políticas e direitos civis presente em determinado país. Países da OCDE, por exemplo, apresentam pontuação sempre inferior à 5.

[6] Sobre esse tema recomenda-se a Leitura do Artigo “Fiscal Illusion and Fiscal Obfuscation: An Empirical Study of Tax Perception in Sweden” de Sanandaji, Tino e Wallace, Björn. Disponível em: http://goo.gl/nE1WT7. Acesso em 26/11/2014.

[7] Será eleito o partido ou o candidato que obtiver o maior número de votos, até que efetivamente assumida toda a representação parlamentar que cabe à circunscrição.

[8] É assegurado aos partidos um número de cadeiras no Parlamento na proporção exata dos votos recebidos.

[9] Número excessivo de Medidas Provisórias em matéria tributária como forma de superar os custos de transação que o trâmite legislativo ocasiona.

[10] Avram Noam Chomsky é linguista, filósofo e ativista político norte-americano. Professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

por Laura Romano Campedelli é pesquisadora Núcleo de Estudos Fiscais (NEF/ FGV Direito SP).

      Gisele Barra Bossa é advogada, pesquisadora Núcleo de Estudos Fiscais (NEF/ FGV Direito SP). Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

      Miguel Nicacio Oliveira Souza é mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.

Fonte: Conjur

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