A possibilidade de reimportação de mercadoria exportada não está prevista claramente na legislação brasileira, que na verdade contempla apenas a reimportação de mercadorias exportadas para o exterior em caráter temporário (por exemplo: mercadorias enviadas para conserto, reparação etc.), admitindo somente nessa hipótese o reingresso dos bens ao território brasileiro mediante a apresentação de Declaração Simplificada de Importação, conforme art. 92 do Decreto-lei 37/66, e inciso V do art. 3º da IN-SRF 611/06.
O art. 93 do Decreto-lei n. 37/66, por sua vez, previa enfaticamente a incidência do imposto de importação sobre a mercadoria nacional ou nacionalizada, quando importada, equiparando-a para tais fins à mercadoria estrangeira — mas tal dispositivo foi modificado pelo Decreto-lei 2.472/88, de modo que passou a dispor apenas sobre a possibilidade de instituição de outros regimes aduaneiros especiais.
Em caso julgado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf, do Ministério da Fazenda), certa montadora de veículos foi autuada justamente porque pretendia importar mercadoria que anteriormente havia sido por ela exportada a título definitivo. A autuação foi formalizada para a exigência de imposto de importação (com acréscimos de multa e juros) e foi mantida na Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF, instância máxima do Carf) porque interpretaram os julgadores que a mercadoria precisava ser nacionalizada, da mesma forma que perdera esse atributo quando originalmente exportada (Acórdão CSRF 03-02.692, de 20/2/2006).
Com efeito, as autoridades fazendárias federais tendem sempre a exigir os tributos devidos na reimportação de mercadoria, quando originalmente exportada em caráter definitivo, e podem autuar a importadora como no caso acima citado.
Mas o Superior Tribunal de Justiça vem sedimentando seu posicionamento sobre o tema, a exemplo de precedentes do Supremo Tribunal Federal, como se pode constatar do acórdão do STJ no Recurso Especial 662.882/RJ, onde aquela corte deixa claro que a reimportação de mercadoria anteriormente exportada a título definitivo não se confunde com a importação de mercadoria estrangeira — porque na reimportação a mercadoria é nacional, não é estrangeira, de modo que não pode se submeter ao imposto de importação.
No mesmo sentido é o posicionamento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, aliás, chegou a declarar, por meio de sua composição plenária, a inconstitucionalidade do antigo art. 92 do Decreto-lei n. 37/66 (comentado no começo deste artigo) de modo a assegurar a possibilidade de reimportação de mercadoria exportada definitivamente, sem pagamento de imposto de importação (processo 89.03.001938-5, julgado em 13.9.1990).
Portanto, é possível discutir judicialmente não apenas o direito de reimportar a mercadoria nacional exportada definitivamente — e que deva retornar ao Brasil em razão de o importador no exterior ter desistido do negócio — mas também é viável debater a própria incidência do imposto de importação e dos demais tributos.
Em havendo interesse na reimportação, todavia, e presentes aqueles pressupostos, o titular da mercadoria no Brasil deve se municiar de toda a documentação comprobatória do embarque original da mercadoria, que deverá coincidir escrupulosamente (descrição e quantidade) com a mercadoria a ser reimportada, e outros documentos comprovando que o importador no país de destino desistiu da compra — além do que é preciso se preparar para um enfrentamento que ultrapassa os limites da singela incidência dos impostos federais.
De fato, não havendo importação propriamente dita, mas mera “devolução” da mercadoria ao próprio titular, em princípio não houve circulação submetida ao ICMS estadual — mas, na esteira da lacuna normativa federal, também os Estados carecem de regra específica para evitar a incidência daquele tributo numa operação como essa. Portanto, e como se presume a necessidade de discussão judicial da matéria, já se antevê que pelo menos duas medidas judiciais devem ser propostas em face de caso concreto sobre a matéria: uma contra a União Federal (para discutir a exigência de tributos federais, bem como para se precaver contra autuações em face de descumprimento de regras aduaneiras) e outra contra o Estado onde domiciliado o importador (para discutir a incidência de ICMS).
Note que não há formulário próprio, nem regime aduaneiro adequado discriminado em lei, para dar roupagem à operação de reimportação acima referida, de modo que uma liminar judicial preventiva (ou provimento equivalente) seria imprescindível para evitar, por exemplo, a aplicação da pena de perdimento em face da mercadoria reimportada, além da própria exigência dos tributos. Por essa razão a ação de rito ordinário com pedido de antecipação de tutela poderia ser até mesmo mais adequada que o Mandado de Segurança — dado que não é permitida liminar em Mandado de Segurança visando liberar mercadorias em repartições aduaneiras (art. 7º, § 2º, da Lei 12.016/09).
por Rogério Pires da Silva é advogado em São Paulo, sócio do escritório Boccuzzi Advogados Associados.
Fonte: Conjur
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