O Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) acaba de emitir a Orientação 7, sobre notas explicativas. A CVM e o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), além de, talvez, outros reguladores, deverão em mais algumas semanas aprová-la e torná-la obrigatória.
Desde a minuta levada a audiência pública, o ponto nevrálgico da diretriz está centrado nos conceitos de materialidade e de relevância. O primeiro está mais ligado a valor, quantidade, e o segundo à qualidade. Um sempre se direciona ao outro, mas o inverso não é necessariamente verdade. Ou seja, se praticamente tudo o que é de grande monta é relevante, nem tudo o que é relevante é de grande monta.
O documento inteiro, bem como o que vem sendo estudado e discutido no mundo todo (Fasb, Iasb, Efrag e outras sopas de letrinhas), se fundamenta na seguinte filosofia: tudo o que é relevante aos usuários externos (credores e investidores, principalmente) deve ser divulgado; e só deve ser divulgado o que é relevante para eles.
“Ótimo, assunto resolvido. Passemos para o próximo problema.” Não é bem assim. O drama é que, primeiro, qual o tamanho mínimo para a empresa considerar um item como material? Dez por cento do ativo? Cinco por cento da receita? Um bilhão de reais para a Petrobras e R$ 30 mil para a Florestal Jequitibá? Vale um percentual sobre o lucro líquido se ele é um retorno baixo e volátil? Na verdade, até hoje ninguém — nenhum órgão regulador e nenhuma legislação — conseguiu (na verdade a maioria se recusa sequer a tentar) qualquer avanço significativo. No máximo o aparentemente passível de algum consenso próximo (?) seja a necessidade de a empresa divulgar o critério que ela utiliza e o auditor também! (Mas não se assuste, por enquanto isso não está sendo exigido.)
E, se definir materialidade, conceito quantitativo, é difícil, imagine-se definir relevância. O CPC, achando que os demais reguladores no mundo demorarão enormemente para avançar nesse sentido porque, aparentemente, querem resolver isso antes de emitir o documento sobre notas explicativas, decidiu se adiantar mesmo sem solucionar o problema. Simplesmente adotou o tradicional conceito de que informação contábil-financeira relevante é aquela capaz de fazer diferença nas decisões que possam ser tomadas pelos usuários. (Ou, como dizia um falecido professor colega meu: “Definamos o inverso, o que é irrelevante. Irrelevante é aquilo com o qual ou sem o qual o mundo gira tal e qual!”)
É boa essa posição dos reguladores brasileiros? Eu concordo integralmente. Pode parecer pouco, mas é muito melhor do que o que vimos tendo até hoje. Definir que essa é a filosofia a ser seguida pelos preparadores das informações contábeis, a linha a ser observada pelos auditores e a forma com que os leitores devem olhar as demonstrações, é algo extraordinário.
Exigir que se declare que todas as informações relevantes — e apenas elas — estão sendo dadas é já um fato em si mesmo causador de, no mínimo, uma parada para reflexão profunda, o grande elemento que parece faltar nas demonstrações, no mundo todo e não só no Brasil.
Só a obrigação de parar para pensar e concluir, antes de assinar essa afirmação, se ela corresponde à realidade no seu julgamento deverá provocar uma discussão e um aperfeiçoamento contínuos a respeito do que é material e do que é relevante. E é bem possível que, após muitos erros e acertos, muitos exageros numa e noutra direção, muita experiência acumulada, se tenham mais condições de normatizar sobre a matéria mais à frente.
Acho muito importante passar pela etapa de coleta de opiniões e oportunidades de vermos o que tantos entes diferentes pensam sobre esses conceitos, bem como pela fase de utilização do mundo real como laboratório para desenvolvimento de algo que possa, de forma muito mais eficiente e eficaz, ajudar a todos no futuro. Veremos: o tempo dirá.
por Eliseu Martins - Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP - Bacharel, Doutor e Livre-Docente pela FEA -USP. É consultor, palestrante e parecerista da área contábil; Membro de Conselhos de Administração, Consultivo e Fiscal de empresas privadas e estatais e de entidades sem fins lucrativos. Ex-Diretor da FEA-USP; Ex-Diretor Pró-Tempore da FEARP; Foi Coordenador do Pós-Graduação e Chefe do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA-USP; Ex-Diretor da CVM (período de out/2008 a dez/2009 e de 1985 a 1988); Ex-Diretor de Fiscalização do Banco Central do Brasil; Foi representante do Brasil junto a ONU para assuntos de Contabilidade e Divulgação de Informações; Ex-Diretor do IBRACON - SP; Ex-Diretor da ANEFAC, entre outras funções já realizadas.
Fonte: Capital Aberto
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