Nossa Constituição Federal de 1988 inegavelmente procurou tratar de forma exaustiva o direito tributário, apresentando-se extensa e minuciosa em tema de tributação.
Disto decorre que os fundamentos do direito tributário devem ser buscados no texto da carta Magna, de onde emanam e se projetam para todo o ordenamento jurídico.
Nesse contexto é que se encontram as imunidades e isenções como limitações ao poder de tributar.
A imunidade é uma delimitação constitucional ao exercício da competência tributária, ou seja, uma vez presente seus requisitos legais, o ente está proibido de tributar. Trata-se de uma delimitação negativa da competência tributaria, ao poder de tributar.
Nos dizeres de SACHA CALMON, “A imunidade é uma heterolimitação ao poder de tributar. A vontade que proíbe é a do constituinte. A imunidade habita exclusivamente no edifício constitucional.”[1]
Nesse passo, torna-se importante fazer a distinção entre princípios e imunidades, que são institutos jurídicos diversos, muito embora de certos princípios possam brotar imunidades, com bem destaca a doutrina de Mizabel Derzi:
“A consagração de uma imunidade expressa é, às vezes, consequência lógica de um princípio fundamental. Do principio federal resulta a imunidade reciproca, dedutível mesmo na ausência de recepção literal do texto, porque expressão da autonomia relativa dos entes estatais e de sua posição isonômica, logicamente dedutível.”[2]
Como se percebe dos ensinamentos de SACHA CALMON, nem todo princípio conduz a uma imunidade:
“Os princípios constitucionais dizem como devem ser feitas as leis tributárias, condicionando o legislador sob o guante dos juízes, zeladores que são do texto dirigente da Constituição.
As imunidades expressas dizem o que não pode ser tributado, proibindo ao legislador o exercício da sua competência tributária sobre certos fatos, pessoas ou situações, por expressa determinação da Constituição (não incidência constitucionalmente qualificada). Sobre as imunidades exerce o Judiciário, igualmente, a sua zeladoria.
De notar, pois, que a expressão limitações ao poder de tributar alberga princípios e imunidades.”[3]
No que tange à isenção, esta pode ser de dois tipos: isenção heterônoma (heterolimitação) e isenção autônoma (autolimitação):
“A isenção é heterônoma quando o legislador de uma ordem de governo, com permissão constitucional, proíbe ao legislador de outra ordem de governo o exercício do poder de tributar. A distinção em relação à imunidade, na espécie, é feita a partir da hierarquia normativa. Enquanto a norma imunitória é constitucionalmente qualificada, a norma isencional heterônoma é legalmente qualificada (lei complementar da Constituição).”[4]
Para esse tipo de isenção pode-se citar como exemplos o ICMS (imposto estadual) e o ISS (imposto municipal) de mercadorias ou serviços destinados ao exterior.
Já a isenção autônoma ocorre quando a própria pessoa política se autolimita, concedendo por lei, de forma espontânea, a isenção tributária. Aqui cabe ao legislador das três esferas de governo a opção pela concessão da isenção, que se da por meio de leis ordinárias federais, estaduais ou municipais.
As previsões legais imunitórias e isencionais descrevem situações intributáveis, como exceção à regra geral das previsões de jurídicas de tributação que descrevem situações tributáveis.
Sob o prisma da imunidade, não resta dúvida de seu posicionamento no capítulo da competência, no entanto, esta não é a única forma de ser visualizada, como se extrai dos ensinamentos doutrinários colacionados:
“A regra jurídica de imunidade é a regra jurídica no plano da competência dos poderes públicos – obsta à atividade legislativa impositiva, retira ao corpo que cria imposto qualquer competência para pôr, na espécie.[5]”
“À luz da teoria da norma jurídica, os dispositivos constitucionais imunizantes ‘entram’ na composição da hipótese de incidência das normas de tributação, configurando-lhe o alcance e fixando-lhe os lindes .[6]”
Para SACHA CALMON, tanto na imunidade quanto na isenção a não tributação incide na hipótese de incidência das normas, diferindo apenas que a imunidade decorre da Constituição Federal ao passo que a isenção advém de lei menor, complementar ou ordinária:
“Teleologicamente a imunidade liga-se a valores caros que se pretende sejam duradouros, enquanto a isenção veicula interesse interesses mais comuns, por si sós mutáveis.”[7]
Para o doutrinador em comento elas não excluem o crédito, mas obstam a sua incidência, impedindo o surgimento da obrigação, elas seriam um fenômeno intrínseco à formação da hipótese de incidência da norma de tributação.
Ocorre que uma parte significativa da doutrina vislumbra a isenção como mera dispensa legal de pagamento de tributo devido, ou seja, a obrigação tributária e o crédito respectivo existiriam, mas o credor dispensaria o pagamento, como se observa do fragmento abaixo:
“Tratando-se de imunidade não é divido o tributo porque não chega a surgir a própria obrigação tributária; ao contrário na isenção o tributo é devido porque existe obrigação mas a lei dispensa o seu pagamento. Por conseguinte a isenção pressupõe a incidência porque, é que claro que só se pode dispensar o pagamento de um tributo que seja efetivamente devido.”[8]
Para SOUTO MAIOR[9] haveria duas espécies de norma, a tributária e a norma isencional, sendo que estas teriam a função de suspender a incidência da norma jurídica de tributação, de onde decorreria a denominação de “normas de não incidência” (função não judicizante).
SACHA CALMON[10] tece críticas a essa corrente e reforça sua ideia de que ambas as normas compõem a hipótese de incidência:
“As normas não derivam de textos legais isoladamente tomados, por isso que se projetam do contexto jurídico. A norma é a resultante de uma combinação de leis ou de artigos de leis (existentes no sistema jurídico). As leis e artigos de leis (regras legais) que definem fatos tributáveis se conjugam com as previsões imunizantes e isencionais para compor uma única hipótese de incidência da norma de tributação, é indispensável que os fatos jurígenos contidos na hipótese de incidência ocorram no mundo. E esses “fatos jurígenos” são fixados após a exclusão de todos aqueles considerados não tributáveis em virtude de previsões expressas de imunidades e isenções.”
Independentemente da posição firmada, o que não se pode duvidar é que tanto na imunidade quanto na isenção estamos diante da negativa de efeitos tributários impositivos, no que diferem da chamada não incidência natural ou pura, pois a “imunidade e a isenção são, existem, vêm de entes legais positivos. A não incidência natural ou pura como tal inexiste, é um não-ser. A imunidade e a isenção são técnicas legislativas[11].”
Notas:
[1] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 171.
[2] DERZI, Misabel. In Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, de Aliomar Baleeiro, nota da atualizadora, p 15.
[3] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro, Forense, 2008, p.171.
[4] COELHO, Sacha Calmon Navarro, Ob. cit. p. 172.
[5] MIRANDA, Pontes de. Questões Forenses, t.III, p. 364; id., Comentários à Constituição de 1946, vol. II, p. 156.
[6] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Ob. cit., p. 175-176.
[7] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro, Forense, 2008, p.176.
[8] SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária, Rio de janeiro, Edições Financeiras S/A, p. 75-76.
[9][9] BORGES. Jose Souto Maior. Isenções Tributárias, 1ª ed., São Paulo, Sugestões Literárias, 1969, p. 190.
[10] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Ob. cit., p. 180.
[11] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Ob. cit., p.187.
PORTELA, Virginia Silva Borges. Limitações genéricas ao poder de tributar: imunidades e isenções. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jul. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.49041>. Acesso em: 18 jul. 2014.
por VIRGINIA SILVA BORGES PORTELA
Fonte: Conteúdo Jurídico
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