A implantação das normas internacionais de contabilidade após a chegada da 11.638/2007 (nova Lei das S/A), iniciada na década passada no Brasil, tornou evidente a coexistência de duas correntes, uma legalista, outra interessada em demonstrar a natureza econômica dos eventos.
Parte dos contadores prontamente demonstrou-se favorável às IFRS (International Financial Reporting Standards), por aumentarem sua autonomia na interpretação e registro das informações geradas pelas empresas, algo que alguns estudiosos da contabilidade sempre pleitearam.
Os advogados, no entanto, em sua grande maioria reforçaram a defesa dos códigos legais (code law) como base para a aplicação das regras contábeis, a partir de leis e instruções normativas da Receita Federal ou órgão equivalente.
Em meio a tal cenário, eis que surge a Lei 12.973/2014, resultante da conversão com emendas da Medida Provisória (MP) 627/2013, procurando inserir as normas IFRS no Regulamento do Imposto de Renda (RIR).
Todo esse quadro, sem dúvida, amplia sensivelmente a possibilidade de novos conflitos de entendimento entre contadores e advogados a cada balancete fechado.
O leasing financeiro desponta como exemplo emblemático disto, já que os contadores (via práticas contábeis adotadas no Brasil, uma mera tradução das IFRS) na verdade consideram que o arrendatário tem a intenção de ficar com o bem ou usufruir de todos os benefícios econômicos dele decorrentes, isto é, a concretização simultânea de um empréstimo e um ativo.
Mas, para grande parte dos advogados, cuja análise tem como ótica o campo das leis, trata-se simplesmente de um contrato de arrendamento mercantil, em nada relacionado a uma transação de compra e venda.
Exemplos assim deixam claro que a aplicação das normas IFRS pressupõe uma profunda reflexão sobre o relacionamento existente entre contadores e advogados, cada qual conhecendo seus limites e o respectivo campo de ação, um processo cultural demorado, convenhamos.
Aos operadores do Direito cabe procurar um melhor entendimento da contabilidade e como ela funciona, priorizando hoje, mais do que nunca, a essência sobre a forma, contanto que não se afronte a norma legal.
Os contadores, por sua vez, devem sempre analisar o impacto em seus clientes dos aspectos jurídicos por trás das normas contábeis, posto que sua função primordial é fornecer informações confiáveis ao usuário externo – investidores, acionistas, credores, seja a empresa de capital aberto ou fechado, mas não pode se esquecer que também deve atender a legislação fiscal.
Às duas áreas, portanto, compete atenuar as divergências recíprocas com base no diálogo e no entendimento, o que em regra já ocorre no alto clero, representado pelas grandes bancas de advocacia, empresas e organizações de contabilidade, uma prática que nas chamadas Pequenas e Médias Empresas (PMEs), infelizmente, ainda se restringe à ação isolada de abnegados profissionais.
por Marco Antonio Papini é sócio-diretor da Map Auditores Independentes e vice-presidente da CPAAI Latin America
Fonte: Conjur
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