segunda-feira, 14 de julho de 2014

14/07 O caos e uma nova realidade social nas corporações

Em um dos recentes dias caóticos em São Paulo, com greve de ônibus e protestos acontecendo por vários pontos espalhados da cidade, eu me vi ilhada. Saí de uma reunião e não consegui encontrar um único taxi para me levar embora.

Eram 17h. As pessoas começavam a sair de seus trabalhos e se avolumavam na rua. Todas com ansiedade sobre como voltariam para casa. A maioria, com raiva. Se queixavam da má sorte de viver numa cidade sem controle, do medo de não ter como chegar a seus lares, do cansaço pelos dias em que já haviam andado muito para chegar ao trabalho para não perderem seus empregos.

Além do medo de andar sozinha no escuro, meus sapatos não permitiam que eu caminhasse por muito tempo. Entrei em um café e fiquei ali, indignada, no início da noite, reclamando da cidade, do governo e por não conseguir fazer valer meu direito de ir e vir.

No dia seguinte, comecei a refletir sobre aquele fato e fiquei com vergonha. Porque eu sou uma pessoa privilegiada, que passou por esse desconforto durante um fim de tarde e não pensou que milhares de pessoas enfrentam situações muito piores no seu dia a dia na cidade indo ou voltando do trabalho.

Tanta gente que fez bolhas enormes nos pés no dia da greve porque teve de andar por mais de três horas para conseguir ir para casa - também sem sapato apropriado e, pior, sem dinheiro para pegar taxi mesmo que aparecesse um.

Descontadas as questões sociais e de desigualdade que estão por trás desse cenário, o acontecimento me transportou para o universo de recursos humanos nas empresas e me fez reparar em como os executivos de RH vivem, assim como eu, no alto de seu pedestal. Longe do povo. Ignorando essa situação e como ela modifica a relação das pessoas com a vida e, por consequência, dentro do território do trabalho.

Mas o que o profissional de RH tem com isso? Ele também não vive as consequências na pele? Ele tem culpa sobre as mazelas sociais e problemas políticos que enfrentamos? Não tem culpa, mas tem responsabilidades. Dentro do ambiente corporativo, estamos acostumados a tratar o lado profissional como o mais importante da vida dos indivíduos.

Quando as organizações apresentam seus programas de qualidade de vida, sabemos que estão preocupadas com dois fatores: atender aos anseios dessa nova geração e, especialmente, melhora r a produtividade dos seus funcionários.

Precisamos entender melhor a realidade que as pessoas vivem fora da empresa. É fundamental existir uma resiliência dos gestores de pessoas no sentido de se envolverem mais na vida social dos seus funcionários. Já ouço relatos de líderes que foram ameaçados de represália física porque chamaram a atenção de colaboradores que cometiam erros. Tempos atrás, seria de se espantar que pudessem existir brigas físicas ou ameaças de morte (caso real!) dentro das empresas. Agora, honestamente, acho que deveríamos ter essa possibilidade no radar. Ou será que a organização é uma ilha isolada de todo esse contexto?

E aí vem a pergunta: o que fazer? Fazer leitura ampla de cenário e reconhecer esse cenário dentro da sua empresa é o que precisa ser feito. Temos que entender melhor o que significa feedback nessa hora. Sentar e conversar olho no olho com interesse genuíno, criar um sistema para mapear as reações consideradas inadequadas e ir a fundo para tentar entender por que aquela pessoa reage dessa forma.

Tratar das questões reais e não do modelo que criamos ou herdamos, fingindo que o mundo organizacional não mudou. Ficaremos vulneráveis se não enfrentarmos essa realidade. Vejo alguns movimentos e instituições saindo na frente e se organizando nesse sentido.

Essa é uma dentre as várias transformações necessárias para mudar o cenário de recursos humanos no Brasil, que ainda vive amarrado aos modelos do passado. Mas essa mudança traz uma grande vantagem perante as outras: ela é muito simples de ser implementada e não precisa de recursos - necessita apenas de uma maior conscientização dos líderes de RH sobre a necessidade de compreender mais de perto, e genuinamente, o seu povo.

Se tivermos a coragem de admitir essa necessidade, os movimentos sociais recentes pelos quais passamos podem deixar, efetivamente, um grande legado para as áreas de recursos humanos e, consequentemente, para os trabalhadores.

por Vicky Bloch é professora da FGV, do MBA de recursos humanos da FIA e fundadora da Vicky Bloch Associados

Fonte: Valor Econômico

Nenhum comentário:

Postar um comentário