Tema polêmico e irresolúvel, que há mais de uma década vem causando enfrentamento entre contribuintes e Fisco, é a questão da tributação dos lucros auferidos pelas controladas e coligadas de empresas brasileiras sediadas no exterior e seus efeitos.
Segundo determinação do então vigente artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001, esses lucros deveriam ser considerados disponibilizados para suas controladoras no Brasil na data do balanço que os apuraram. Apoiada nesse dispositivo legal, a Receita Federal veio, ao longo desse período, autuando as controladoras brasileiras que não registraram esses lucros nas suas apurações de IR e CSLL.
Como o tema afetava a irrefreável globalização das multinacionais brasileiras, foi prontamente rechaçado pelas empresas atingidas pelo entendimento fiscalista, tanto na esfera administrativa, quanto no âmbito judicial, que no correr do tempo fomentou posicionamentos dos órgãos julgadores competentes (Carf, STJ e STF), que ora são confrontados em paralelo às determinações da Lei 12.973/2014 (conversão da MP 627/2013), com o fim de compreensão da atual interpretação dada à matéria por essas instituições.
Vejam aqui algumas decisões relacionadas ao tema, no âmbito do STF, STJ e Carf:
STF - ADI 2588/2001
O Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou, em 10 de abril de 2013, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.588/2001, cujo relator foi o ministro Joaquim Barbosa, proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que visava o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 74 da MP 2.158-35/2001, cujos efeitos resultavam na tributação dos lucros apurados pelas controladas e coligadas de empresas brasileiras sediadas no exterior.
No julgamento, o STF decidiu pela constitucionalidade do caput do mencionado dispositivo legal — ou seja, pela incidência de IRPJ e CSLL — no caso de as controladas terem sede em países considerados “paraísos fiscais” (de tributação favorecida ou que tributam a renda das empresas em percentual inferior a 20%), que, em sua maioria, são desprovidos de controles societários e fiscais considerados “adequados” pelos organismos internacionais. Na mesma oportunidade, o Supremo julgou inconstitucional esse dispositivo, ou seja, a não incidência de IRPJ e CSLL quando as coligadas situarem-se em países que não são considerados “paraísos fiscais”.
Na ocasião, os efeitos desse julgamento foram considerados extensíveis a todos os contribuintes, com aplicação obrigatória do entendimento nele firmado a todos os casos análogos pendentes de decisão pelos demais tribunais brasileiros.
Votaram a favor dos contribuintes os ministros Joaquim Barbosa, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e os ex-ministros Sepúlveda Pertence e Ellen Gracie, que já haviam proferido seu voto; sendo contrários Ayres Britto, César Peluso e os também ex-ministros Nelson Jobim e Eros Grau.
STJ - REsp 1.325.709/RJ “Caso Vale”
A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, capitaneada pelo ministro relator Napoleão Nunes Maia, julgou, em 24 de abril deste ano, o REsp 1.325.709/RJ, interposto pela Vale S.A., com a finalidade de anular auto de infração de R$ 31 bilhões — o que equivale a 20% do capital social da empresa — lavrado contra si pela Receita Federal.
Os autos versaram, no mérito, sobre o reconhecimento da supremacia dos tratados internacionais sobre as normas internas (nacionais) de tributação. Ou seja: a Vale buscava a aplicação dos tratados internacionais para se evitar a dupla tributação sobre os lucros auferidos por suas subsidiárias sediadas em países com os quais o Brasil assinou os referidos acordos.
No julgamento, o STJ decidiu que não são tributados os ajustes de investimentos de empresas brasileiras decorrentes da apuração de lucros por suas subsidiárias estrangeiras situadas em países com os quais o Brasil possui tratado para evitar a dupla tributação. No mesmo processo, por consequência, restou definido que devem ser tributados esses mesmos ajustes quando essas empresas localizarem-se em países com os quais o Brasil não assinou o referido tratado.
Outra decisão importante tomada nesse julgamento foi a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 7º da IN SRF 213/2002, que determina a inclusão, na determinação do lucro real, do resultado de equivalência patrimonial decorrente do ajuste de avaliação de investimentos no exterior. O STJ entendeu pela vigência do inciso I do artigo 23 do Decreto 1.598/1977, que torna sem efeito fiscal o referido ajuste.
Segundo decidiu o STJ, os tratados internacionais se sobrepõem às normas internas de tributação pela aplicação do princípio da especialidade, verificado no Código Tributário Nacional em seu artigo 98.
A Corte Especial entendeu, ainda, que os lucros auferidos por uma empresa somente podem ser tributados no seu país de domicílio, exceto quando esta atuar no país fonte dos recursos por meio de “estabelecimento permanente”. Essa decisão fez cumprir, assim, o texto do artigo 7º dos tratados adotados pela OCDE para se evitar a dupla tributação. Apoiado no “Tratado de Viena”, o STJ aplicou o entendimento de que um país não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado internacional.
Porém, ao contrário dos efeitos do julgamento do STF, essa decisão somente teve efeito inter partes, ou seja, valeu somente para o caso da Vale.
Votaram a favor do recurso da empresa os ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Ari Pargendler e Arnaldo Esteves Lima. Foi contrário o ministro Sérgio Kukina.
O caso: Os autos de infração lavrados pela Receita Federal contra a Vale englobam débitos compreendidos entre 1996 a 2013, sendo que a decisão favorável à empresa refere-se apenas àqueles surgidos entre 1996 a 2002, alguns de 2005 e os originados a partir de 2013. Isso porque correspondem aos lucros apurados por suas subsidiárias sediadas em países com os quais o Brasil assinou tratados para se evitar a dupla tributação: Luxemburgo, Bélgica e Dinamarca. A cobrança referente aos lucros obtidos pela subsidiária mantida nas Ilhas Bermudas foi mantida.
Como no ano passado, a empresa aderiu ao parcelamento da Lei 11.941/2011. Tendo já pago R$ 6 bilhões, e com uma decisão a seu favor, ela pretende requerer a devolução desse valor junto ao Poder Judiciário, com base no entendimento do próprio STJ de que a renúncia à discussão judicial cujo débito foi parcelado não é absoluta — tema inclusive presente na lista das questões que não mais serão objeto de recurso pela Procuradoria da Fazenda Nacional.
CARF – Processo nº 12897.000.715/2009-41
Para surpresa dos contribuintes, no último dia 6 de maio, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entendeu que deve ser tributado o ajuste de investimentos decorrente de lucro auferido por controlada com o qual o Brasil assinou tratado para se evitar a dupla tributação, indo, assim, na contramão do entendimento do STJ.
A 1ª Seção da 2ª Câmara da 2ª Turma, sob a relatoria do conselheiro-julgador Marcelo Cuba Netto — representante do Fisco —, entendeu pela tributação do ajuste dos investimentos da Rexam Beverage Can South America S.A., decorrente da apuração de lucros por sua controlada sediada no Chile. O julgamento, porém, teve votação apertada, sendo desempatada pelo “voto de qualidade” do representante da Fazenda. A empresa, por sua vez, recorreu à Câmara Superior do órgão julgador, subsidiada no seu próprio direito, mas alegando como precedente judicial o caso da Vale.
Lei 12.973/2014 (conversão da MP 627/2013)
Após os julgamentos ocorridos no STF e no STJ, o governo federal publicou, em 13 de maio passado, a Lei 12.973/2014, que, dentre outros temas, tratou de legalizar, expressamente por meio dos seus artigos 77, 81 e seguintes, a tributação do ajuste de investimentos das empresas controladoras decorrentes dos lucros apurados por suas subsidiárias estrangeiras.
Essa recém-criação legal, no entanto, além de ser contrária à lei e a tratados internacionais, vai de encontro ao processo de concretização do entendimento jurisprudencial que vinha sendo finalizado no STF e STJ — fato que gera insegurança jurídica às empresas nacionais e a seus planos de globalização, e que, por essa razão, será, certamente, objeto de questionamento quanto à sua constitucionalidade.
Enfim, esse cenário forçosamente faz o setor privado — e empregador — concluir que, obrigatoriamente, terá de contribuir além de suas forças, pois já suposta uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo, para que a política econômica do atual governo alcance suas metas — fato que distorce os primados econômicos de que a riqueza de um país deve ser obtida por sua produção e geração de riqueza, e não por sua capacidade tributária.
por Marcelo de Almeida é advogado no escritório Diamantino Advogados Associados e especialista em Direito Tributário.
Fonte: Conjur
Nenhum comentário:
Postar um comentário