Com a recente Solução de Consulta Cosit 4, publicada em 29 de janeiro pela Receita Federal, o tema da incidência da contribuição previdenciária sobre os descontos de benefícios pagos aos empregados ganhou grande repercussão.
Muito embora em um primeiro momento a solução de consulta pareça bastante negativa no sentido de que os “descontos” deveriam compor a base da contribuição previdenciária, algumas reflexões importantes sobre o tema e sobre o verdadeiro impacto dessa manifestação da Receita precisam ser feitas.
Esse embate entre contribuintes e Fisco tem sido há tempos analisada pela jurisprudência, tendo inclusive o Superior Tribunal de Justiça reconhecido a impossibilidade de tributação no caso de vale-alimentação pago em tíquete. A pá de cal veio com a reforma trabalhista (artigo 457 da CLT), que deixou claro que o auxílio alimentação (gênero) não é salário.
Mas, para surpresa geral dos contribuintes, em 2 de janeiro, a Receita publicou a Solução de Consulta 288, desconsiderando por completo as alterações da reforma trabalhista, para dispor que o vale pago em tíquete deveria sofrer, sim, tributação.
A Receita parece ter percebido o seu descuido e, em 23 de janeiro, editou a Solução de Consulta 35, voltando atrás para determinar que o vale pago em tíquete seria isento de contribuição previdenciária, a partir de 11/11/2017 (data de início da reforma trabalhista). Poucos dias após, em 28 de janeiro, editou a Instrução Normativa 1.867/2019 no mesmo sentido.
Quando a confusão sobre a abrangência da isenção parecia ter sido esclarecida, então a Receita editou a Solução de Consulta Cosit 4/2019.
A empresa consultou o Fisco para confirmar se os descontos do vale-alimentação deveriam compor a base de cálculo da contribuição previdenciária. Porém, a análise detalhada do teor da solução de consulta evidencia que a Receita não compreendeu devidamente a dúvida do contribuinte.
Os descontos correspondem à chamada “coparticipação” dos empregados nos benefícios, no caso, no vale-alimentação. Assim, a empresa custeia parte do benefício e o próprio empregado arca com uma parcela. A empresa pode discutir se o benefício é isento ou não, mas na realidade isso sequer deveria importar para a análise: a questão é se o valor custeado pelo empregado deveria integrar a base da contribuição previdenciária da empresa.
Claramente, a própria indagação já parece um tanto absurda: como um valor que é pago exclusivamente pelo empregado deveria compor a base da contribuição previdenciária do empregador?
A contribuição previdenciária só incide sobre o pagamento de salário, isto é, de valores pagos habitualmente em retribuição pelo serviço prestado. É o que dispõe tanto a Constituição como a Lei 8.212/1991.
Diante disso, parece bastante lógico que os valores pagos por empregados, para custear parte dos benefícios concedidos, não têm relação alguma com a sua remuneração, não podendo se sujeitar à incidência da contribuição previdenciária.
A própria Receita já havia se manifestado anteriormente em alguns processos judiciais sobre o tema, indicando que não haveria “nexo lógico” nessa discussão. Logo, não se trata de tese ou de interpretação, mas de simples análise da composição da base de cálculo da contribuição previdenciária.
Na Solução de Consulta Cosit 4/2019, a Receita não só deixou de analisar devidamente o tema como também foi bastante contraditória, pois (i) pontuou que “quando há coparticipação do empregado, a parcela por ele paga é descontada de seu salário”, ou seja, o desconto não é, evidentemente, salário; e (ii) citou decisões do Tribunal Superior do Trabalho no sentido de que os descontos não têm natureza salarial.
A conclusão da Receita de que os descontos fazem parte do salário do empregado e devem estar sujeitas à tributação se mostra, a nosso ver, equivocada.
Mesmo que se admitisse tal inclusão, é preciso destacar que o benefício especificamente analisado na solução de consulta — vale-alimentação — está expressamente abarcado pela isenção legal, como visto acima.
Se a própria Receita reconheceu na Solução de Consulta 35/2019 e na Instrução Normativa 1.867/2019 que o vale-alimentação concedido in natura ou em tíquete é isento e não integra a base de cálculo, nos parece óbvio que o eventual desconto do empregado igualmente não poderia ser tributado.
Pelas razões acima, é preciso parcimônia ao interpretar a recente Solução de Consulta Cosit 4/2019, considerando o contexto da discussão envolvendo a tributação do vale-alimentação, a superficialidade da análise e o próprio fato de que o benefício tratado é expressamente isento.
Portanto, é importante que as empresas avaliem com cuidado a discussão e considerem os aspectos de cada benefício específico ao determinar a sua base de cálculo da contribuição previdenciária — lembrando, ainda, que, a despeito do efeito vinculante da referida solução de consulta, esse entendimento da Receita não vincula o Poder Judiciário, tampouco o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Cristiane Ianagui Matsumoto é sócia do Pinheiro Neto Advogados.
Mariana Monte Alegre de Paiva é associada do Pinheiro Neto Advogados.
Lucas Barbosa Oliveira é associado do Pinheiro Neto Advogados.
Fonte: Conjur
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