terça-feira, 3 de julho de 2018

Distribuição desproporcional em risco?

A distribuição desproporcional de lucros é instrumento comumente utilizado em sociedades simples e empresárias para distribuição de resultados entre sócios de maneira desproporcional às respectivas participações no capital social.

A possibilidade de distribuição desproporcional nessas sociedades decorre de interpretação do Código Civil, que estabelece regra geral de participação do sócio nos lucros e perdas na proporção das quotas – salvo disposição em contrário. Ou seja, se o contrato social previr tal possibilidade, os sócios podem deliberar circunstancialmente sobre a desproporcionalidade a cada distribuição.

Do ponto de vista tributário, há expressas isenções na legislação dispondo que dividendos não se sujeitam à incidência do Imposto de Renda ou contribuições previdenciárias.

A despeito das isenções legais, não são raras as tentativas de exigência de tributos em distribuições desproporcionais

A despeito das isenções legais, não são raras as tentativas de se exigirem tributos em distribuições desproporcionais. Há diversos acórdãos proferidos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) a esse respeito.

Nessas oportunidades, o Fisco autuou contribuintes exigindo: (i) Imposto de Renda, sob o argumento de que o valor recebido em excesso desproporcionalmente à respectiva participação não faria jus à isenção; ou (ii) contribuições previdenciárias, sob o argumento de que o excesso de resultados distribuídos desproporcionalmente teria natureza de pró-labore. Nessas ocasiões, o Carf rechaçou as autuações, entendendo que se o contrato social autoriza deliberação dos sócios sobre a distribuição desproporcional de lucros, é possível fazê-lo, vez que não há impedimento legal.

O Carf também já pontuou que a legislação não obriga a sociedade ao pagamento de pró-labore a sócio. Se este abre mão do recebimento de remuneração, preferindo sujeitar-se ao risco do negócio e perceber valores referentes à distribuição de lucros, não há óbice legal para tanto.

Em outra oportunidade, o conselho analisou autuação em que se exigia imposto sobre ganho de capital de empresa que alienou participação societária a outra empresa, sendo que a adquirente também detinha participação na sociedade adquirida. No caso, o Fisco entendeu que a adquirente abriu mão de parte dos dividendos como pagamento à alienante, devendo tal excesso ser requalificado como ganho de capital desta. Contudo, o Carf entendeu que nada impede que uma sociedade, antes de ser vendida, distribua seus lucros de forma desproporcional e que não há motivo para requalificar a natureza jurídica do dividendo para ganho de capital.

A despeito dessas autuações, a própria Receita Federal, na Solução de Consulta nº 46/10, já reconheceu que lucros distribuídos desproporcionalmente fazem jus às isenções de Imposto de Renda e contribuições previdenciárias, desde que respeitada a legislação societária.

Assim, no âmbito federal, embora distribuições desproporcionais não estejam a salvo de autuações, verifica-se a formação – acertadamente – de uma tendência jurisprudencial favorável à aplicação das isenções legais mesmo no caso de lucros distribuídos desproporcionalmente.

No âmbito estadual, contudo, a Consulta 398/12, publicada em 2015 pelo Fisco paulista, merece atenção. Segundo a Consulta, o acordo prévio (anterior às distribuições futuras), devidamente registrado no contrato social, estipulando precisamente o percentual que cada sócio receberá desproporcionalmente afasta a liberalidade característica da doação, não sendo hipótese de incidência do ITCMD.

No entanto, a deliberação de percentual desproporcional à quota de cada sócio na empresa, realizada circunstancialmente a cada distribuição de lucros, caracteriza doação, hipótese de incidência do ITCMD.

O entendimento é discutível e, a nosso ver, não deve prosperar. Se os sócios são livres para dispor sobre a distribuição de lucros – respeitados os limites legais e contratuais – estabelecer critério temporal para atribuir liberalidade à operação não soa convincente e contraria a liberdade de contratação dessas sociedades regidas pelo Código Civil.

O intuito da distribuição desproporcional é o de justamente dar flexibilidade e liberdade aos sócios para distribuírem lucros de acordo com critérios de conveniência e oportunidade.

Exigir previsão contratual de percentuais fixos parece afrontar essa finalidade. E, ademais, como seria julgado o critério de "previsão antecipada"? Os sócios poderiam, antes de cada distribuição, alterar o contrato social prevendo os novos percentuais de distribuição desproporcional. Isso atenderia ao insólito requisito do Fisco e geraria burocracia adicional. Ainda, não é difícil imaginar o surgimento de contencioso sobre as diferentes métricas e momentos de previsão da distribuição desproporcional.

Nesse cenário, é fato que a legislação abriga a distribuição desproporcional. Porém, é recomendável monitorar a evolução das interpretações sobre a matéria e buscar arranjos contratuais que confiram fundamento para distribuições desproporcionais com o fim de – senão afastar o risco de autuações – possibilitar sólida defesa em eventual fiscalização.

Daniel Zugman, Frederico Bastos e Renato Vilela, mestres em Direito dos Negócios pela FGV, Professores do GVlaw e do Ibmec. Sócios do BVZ – Bastos Vilela Zugman Advogados.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações


Por Daniel Zugman, Frederico Bastos e Renato Vilela

Fonte : Valor

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