quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Recuperação Judicial e transparência

A transparência é elemento essencial em inúmeras relações entre agentes públicos e privados, indivíduos, organizações e coletividades. Justifica-se porque uma das partes carece de informações para prevenir determinadas condutas e tomar certas decisões.

Não é diferente nos processos de recuperação judicial, em que a adequada divulgação de informações permitiria aos credores conhecer e acompanhar a situação patrimonial do devedor, as causas da crise e seus responsáveis. Munidos desses dados, os credores teriam condições de monitorar a empresa durante o processo, negociar as propostas do plano de recuperação e deliberar de maneira consciente e informada. Contudo, esse cenário está distante da realidade.

Além dos relatórios do administrador judicial e das contas demonstrativas mensais do devedor, a Lei 11.101/2005 (LRE) impõe que a recuperanda divulgue determinadas informações em dois principais momentos: no pedido de recuperação judicial e na apresentação do plano.

No primeiro momento, a empresa deve exibir suas demonstrações financeiras; listas de credores, empregados, bens dos sócios e ações judiciais; certidões de protesto e extratos bancários. Porém, muitos desses documentos são inúteis aos credores, quer porque a LRE não obriga que sejam atualizados, quer porque boa parte deles não serve para a análise da viabilidade do devedor e do plano de recuperação.

No segundo momento, além de discriminar os meios de recuperação escolhidos, o devedor tem que demonstrar que o plano é economicamente viável e apresentar um laudo econômico-financeiro e de avaliação dos seus bens, subscrito por profissional ou empresa especializada. Contudo, a LRE não detalha os critérios a serem adotados nessa análise, a qual muitas vezes sequer é realizada.

Dessa forma, a LRE adota um modelo estático de divulgação de informações, que padece de óbvio descompasso entre as informações divulgadas ao longo do processo e a deliberação sobre o plano na assembleia de credores, que ocorrerá meses depois do pedido e da apresentação do plano, quando a realidade da empresa pode estar completamente diferente e as soluções propostas defasadas.

Com isso, as negociações entre devedor e credores são desequilibradas e realizadas à margem do processo, a fim de construir o quórum necessário para aprovação do plano. Tal atitude é reforçada pelo fato de não existirem veículos legais adequados para interlocução entre as partes, frustrando qualquer pretensão de negociação coletiva e esclarecimentos de dúvidas simultaneamente a todos os envolvidos.

Ademais, a LRE não leva em consideração como a maior parte dos credores delibera sobre o plano, considerando-se que essa escolha, sob um prisma técnico, é pouco familiar e complexa para muitos, pelo que prevalecem decisões heurísticas, emotivas, egoísticas ou tendenciosas, o que explica, em boa parte, soluções equivocadas para muitos planos apresentados e processos de recuperação ineficientes.

Contribuem para esse cenário o rígido sistema de divisão de classes dos credores, que pode contemplar, dentro de uma mesma classe, interesses diametralmente opostos, dificultando o consenso, a coerência e a negociação de condições de pagamento melhores.

Diante dessa problemática, para que os credores possam suprir, ainda que parcialmente, o déficit informacional na recuperação judicial, impõe-se uma completa revisão do sistema de divulgação de informações da LRE, primando-se por aquelas (i) tempestivas e atualizadas; (ii) fundamentais ao diagnóstico da crise; e (iii) efetivamente necessárias à análise e deliberação das propostas apresentadas. Tudo isso deve ser acompanhado de uma revisão do sistema de sanções pelo descumprimento dos deveres de informação, as quais deveriam ser reforçadas e, de fato, aplicadas.

Por outro lado, independentemente de previsão legal, por uma questão de boa-fé, a divulgação de informações essenciais ao plano, mesmo que não prevista na LRE, é obrigação do devedor para com seus credores, o que pode ser facilitado por uma atuação mais efetiva do administrador judicial nesse sentido.  

Finalmente, impõe-se uma completa revisão da disciplina do comitê de credores, conferindo-lhe maior representatividade, além de incentivar sua instalação e ampliar suas atribuições, para que esse órgão possa facilitar o diálogo entre devedor e credores, permitindo resultados mais eficientes a todos os envolvidos.

Por Leonardo Adriano Ribeiro Dias
mestre e doutor em Direito pela USP e advogado da área de recuperação judicial do ASBZ Advogados.

Fonte: Jota

Nenhum comentário:

Postar um comentário