quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Princípio da legalidade tributária: taxa e ato infralegal

Princípio da legalidade tributária: taxa e ato infralegal - 1

O Plenário iniciou julgamento conjunto de recursos extraordinários. No RE 838.284/SC, discute-se a validade da exigência da taxa para expedição da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), baseada na Lei 6.994/1982, que estabelece limites máximos para a ART. O Ministro Dias Toffoli (relator), no que acompanhado pelos Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia, negou provimento ao recurso, ao entender que não viola a legalidade tributária a lei que, prescrevendo teto, possibilita ao ato normativo infralegal, em termos de subordinação, de desenvolvimento e de complementariedade, fixar o valor de taxa cobrada em razão do exercício do poder de polícia em proporção razoável com os custos da atuação estatal. De início, traçou retrospecto acerca do tratamento da matéria relativa às taxas devidas em decorrência da ART. Demonstrou, em síntese, que diversas leis passaram a autorizar a fixação, por atos infralegais, de variedade de taxas a favor de vários conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, sem a prescrição de teto legal ou mesmo homogeneidade de tratamento. A Lei 6.994/1982, por sua vez, delega às entidades descritas a competência para fixar os valores das taxas correspondentes aos seus serviços e atos indispensáveis ao exercício da profissão, e estabelece a possibilidade de as entidades fixarem as taxas referentes à ART, observado um limite máximo. Nesse sentido, a temática das taxas cobradas a favor dos conselhos de fiscalização de profissões ganhara nova disciplina com essa lei. Coubera ao órgão federal de cada entidade a fixação dos valores das taxas correspondentes aos serviços relativos a atos indispensáveis ao exercício da profissão, observados os respectivos limites máximos. Cabe perquirir, portanto, se a fixação de valor máximo em lei formal atende o art. 150, I, da CF, tendo em conta a natureza jurídica tributária da espécie taxa cobrada em razão do poder de polícia (fiscalização de profissões). Em outras palavras, cumpre saber qual o tipo e o grau de legalidade que satisfazem essa exigência, especialmente no tocante à espécie tributária taxa.
RE 704292/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 30.6.2016. (RE-704292)
RE 838284/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 30.6.2016. (RE-838284)

Princípio da legalidade tributária: taxa e ato infralegal - 2


O relator teceu considerações sobre o princípio da legalidade tributária e apontou para o esgotamento do modelo da tipicidade fechada como garantia de segurança jurídica. O legislador tributário pode valer-se de cláusulas gerais. No tocante às taxas cobradas em razão do exercício do poder de polícia, elas podem ter um grau de indeterminação, por força da ausência de minuciosa definição legal dos serviços compreendidos. Pode haver maior abertura dos tipos tributários quando se está diante de taxa ou de contribuição parafiscal, já que, nessas situações, sempre há atividade estatal subjacente, o que acaba deixando ao regulamento uma carga maior de cognição da realidade, especialmente em matéria técnica. Assim, a ortodoxa legalidade tributária, absoluta e exauriente, deve ser afastada, tendo em vista a complexidade da vida moderna e a necessidade de a legislação tributária adaptar-se à realidade em constante transformação. Nesse sentido, deve-se levar em conta o princípio da praticidade no direito tributário e a eficiência da Administração Pública. Essa tem sido a tendência jurisprudencial da Corte. Especificamente no que se refere a taxas, o montante cobrado, diferentemente do que acontece com impostos, não pode variar senão em função do custo da atividade estatal, devendo haver razoável equivalência entre ambos. O grau de arbítrio do valor da taxa, no entanto, tende a ficar mais restrito nos casos em que o aspecto quantitativo da regra matriz de incidência é complementado por ato infralegal. Isso porque a razão autorizadora da delegação dessa atribuição anexa à competência tributária está justamente na maior capacidade de a Administração, por estar estritamente ligada à atividade estatal direcionada ao contribuinte, conhecer da realidade e dela extrair elementos para complementar o aspecto quantitativo da taxa, para encontrar, com maior grau de proximidade, a razoável equivalência do valor da exação com os custos que ela pretende ressarcir.
RE 704292/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 30.6.2016. (RE-704292)
RE 838284/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 30.6.2016. (RE-838284)

Princípio da legalidade tributária: taxa e ato infralegal - 3

O relator ponderou se a taxa devida pela ART, na forma da Lei 6.994/1982, insere-se nesse contexto. A respeito, não há delegação de poder de tributar no sentido técnico da expressão. A lei não repassa ao ato infralegal a competência de regulamentar, em toda profundidade e extensão, os elementos da regra matriz de incidência da taxa devida em razão da ART. Os elementos essenciais da exação podem ser encontrados nas leis de regência. Assim, no antecedente da regra matriz de incidência encontra-se o exercício do poder de polícia relacionado à ART a que está sujeito todo contrato. O sujeito passivo é o profissional ou a empresa; o sujeito ativo é o respectivo conselho regional. No tocante ao aspecto quantitativo, a lei prescreve o teto sob o qual o regulamento poderá transitar. Esse diálogo realizado com o regulamento é mecanismo que objetiva otimizar a justiça comutativa. As diversas resoluções editadas sob a vigência dessa lei parecem condizer com essa assertiva. Em geral, esses atos normativos, utilizando-se de tributação fixa, assentam um valor fixo de taxa relativa à ART para cada classe do valor de contrato. Este é utilizado como critério para incidência do tributo, como elemento sintomático do maior ou menor exercício do poder de polícia. Ademais, não cabe aos conselhos realizar a atualização monetária do teto legal, ainda que se constate que os custos a serem financiados pela taxa relativa à ART ultrapassam o limite. Entendimento contrário violaria o art. 150, I, da CF. Em suma, a norma em comento estabelece diálogo com o regulamento em termos de subordinação, ao prescrever o teto legal da taxa referente à ART; de desenvolvimento da justiça comutativa; e de complementariedade, ao deixar valoroso espaço para o regulamento complementar o aspecto quantitativo da regra matriz da taxa cobrada em razão do exercício do poder de polícia. O Legislativo não abdica de sua competência acerca de matéria tributária. A qualquer momento, pode o parlamento deliberar de maneira diversa, firmando novos critérios políticos ou outros paradigmas a serem observados pelo regulamento. Em seguida, pediu vista o Ministro Marco Aurélio.
RE 704292/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 30.6.2016. (RE-704292)
RE 838284/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 30.6.2016. (RE-838284)

Princípio da legalidade tributária: taxa e ato infralegal - 4

No RE 704292/PR, em que reconhecida a repercussão geral da controvérsia, discute-se a natureza jurídica da anuidade de conselhos de fiscalização profissional, bem como a possibilidade de fixação de seu valor por meio de resolução interna de cada conselho. O Colegiado negou provimento ao recurso e declarou a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 11.000/2004, de forma a excluir de sua incidência a autorização dada aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas para fixar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas ou jurídicas. Por arrastamento, também reputou inconstitucional a integralidade do § 1º do aludido preceito. Reportou-se aos fundamentos teóricos expendidos no caso anterior (RE 838.284/SC) para aduzir, no tocante à lei impugnada que, ao confiar ao ato infralegal a otimização dos princípios da capacidade contributiva e da isonomia, fixara diálogo com o regulamento. No entanto, ao prever a necessidade de graduação das anuidades conforme os níveis superior, técnico e auxiliar, não o fizera em termos de subordinação nem de complementariedade. Os dispositivos não estabelecem expectativas e criam situação de instabilidade institucional, deixando ao puro arbítrio do administrador o valor da exação. Não há previsão legal de qualquer limite máximo para a fixação do valor da anuidade. Tais preceitos fazem com que a deliberação política de obter o consentimento dos contribuintes deixe de ser do parlamento e passe para nível eminentemente administrativo: os conselhos de fiscalização, entidades autárquicas destituídas de poder político. Para o contribuinte, surge uma situação de intranquilidade e incerteza, pois não se sabe o quanto lhe poderá ser cobrado; para o fisco, significa uma atuação ilimitada e carente de controle. Tudo retrata que a remissão ao regulamento se dera de maneira insubordinada, inexistindo a delimitação do grau de concreção com que o elemento do tributo (seu valor) pode ser disciplinado pelo ato autorizado. Nesse sentido, o regulamento autorizado não complementa o aspecto quantitativo da regra matriz de incidência tributária (elemento essencial na definição do tributo), mas sim o cria, inovando, assim, a ordem jurídica. O grau de indeterminação com que opera o art. 2º da Lei 11.000/2004, na parte em que autoriza os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas a fixar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas ou jurídicas relacionadas com suas atribuições, provocara a degradação da reserva legal, consagrada pelo art. 150, I, da CF. Isso porque a remessa ao ato infralegal não pode resultar em desapoderamento do legislador para tratar de elementos tributários essenciais. Para o respeito do princípio da legalidade, seria essencial que a lei (em sentido estrito) prescrevesse o limite máximo do valor da exação, ou os critérios para encontrá-lo, o que não ocorrera.
RE 704292/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 30.6.2016. (RE-704292)
RE 838284/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 30.6.2016. (RE-838284)

Princípio da legalidade tributária: taxa e ato infralegal - 5

O Tribunal verificou que a jurisprudência tem acompanhado esse entendimento. Assim, da mesma forma que é vedado aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas fixar em abstrato as contribuições anuais, lhes é defeso, a pretexto de atualização monetária, majorar as anuidades em patamar superior ao teto fixado em lei. Orientação diversa possibilitaria a efetiva majoração do tributo por ato infralegal, em nítida ofensa ao art. 150, I, da CF. Por fim, no tocante à discussão sobre o correto índice de atualização monetária a ser aplicável ao período, seja para a correção do referido teto legal, seja para a correção do valor devido à recorrida, destacou que, de regra, esse assunto possui natureza infraconstitucional, como na espécie. Impossível, portanto, seu reexame em sede recurso extraordinário. Em seguida, a Corte deliberou suspender o julgamento para apreciar a modulação de efeitos da decisão e a fixação da tese de repercussão geral.
RE 704292/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 30.6.2016. (RE-704292)
RE 838284/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 30.6.2016. (RE-838284)

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