A incidência de PIS/COFINS sobre os juros sobre capital próprio (“JCP”) tem sido palco de disputas tributárias. Os contribuintes defendem que não há incidência, pois os JCP devem ter o mesmo tratamento dos dividendos. A Receita Federal do Brasil (RFB) defende que os JCP devem ser tributados como receitas financeiras.
Recentemente, duas decisões importantes foram proferidas contra os contribuintes: (i) a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), por maioria de votos, determinou que os contribuintes sujeitos ao regime não-cumulativo dessas contribuições devem pagar PIS/COFINS sobre JCP (REsp nº 1.200.492/RS) e (ii) a RFB proferiu a Solução de Consulta COSIT nº 84/2016, determinando que os contribuintes sujeitos ao regime cumulativo de tais contribuições deveriam recolher PIS/COFINS sobre JCP desde 2009.
Como veremos, apesar desses precedentes serem desfavoráveis aos contribuintes, a matéria ainda não está definida, e continua havendo bons argumentos para defender que não incide PIS/COFINS sobre os JCP em qualquer dos regimes, cumulativo ou não-cumulativo. Mesmo que a decisão final do STJ seja pela incidência de PIS/COFINS sobre JCP (o que ainda não ocorreu), a Solução de Consulta COSIT nº 84 seria ilegal, pois os contribuintes sujeitos à incidência cumulativa das contribuições somente deveriam pagar PIS/COFINS sobre JCP depois de janeiro/2015.
Os JCP são regulados pelo artigo 9º da Lei nº 9.249/95 e são uma modalidade de remuneração dos sócios ou acionistas da empresa, uma forma de distribuição de lucros da sociedade, similar aos dividendos. Tanto é assim que, de acordo com a Lei, o “pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reserva de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados” (artigo 9º, § 1º, da Lei nº 9.249/95).
No que diz respeito ao tratamento tributário dos JCP, vale notar que a Lei nº 9.249/95 apenas traz disposições a respeito do IRPJ/CSL, nada excepciona com relação ao PIS/COFINS. Portanto, defendemos que os JCP devem ser tratados, para fins de PIS/COFINS, como distribuição de lucros.
Como adiantamos acima, existem dois principais regimes de recolhimento do PIS e da COFINS: o cumulativo (regulado pela Lei nº 9.718/98) e o não-cumulativo (regulado pelas Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03). Em ambos os regimes as distribuições de lucros são expressamente excluídas da base de cálculo de PIS/COFINS.
Tanto a Lei nº 9.718/98 (art. 3º, § 2º, II), como as Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 (art. 1º, § 3º, V, alínea “b”), preveem que devem ser excluídos da base do cálculo do PIS e da COFINS “os lucros e dividendos de participações societárias”. Sendo assim, e considerando que os JCP são uma forma de distribuição de lucros, também devem ser excluídos da base de cálculo das contribuições por determinação legal expressa.
Nessa discussão da natureza jurídica do JCP, vale reiterar que a Lei nº 9.249/95 criou os JCP, previu tratamento tributário especial aos JCP no que diz respeito ao IRPJ e CSL e nada dispôs em relação ao PIS/COFINS. Apesar dos JCP serem regidos por uma lei tributária, a natureza jurídica desse instituto no direito privado é de distribuição de lucros. Aliás, a definição de direito privado é muito importante, pois quando as Leis do PIS e da COFINS se referem à exclusão das “distribuições de lucro” da base de cálculo das contribuições, obviamente se referem ao conceito de direito privado de “distribuições de lucro” (e também ficam excluídos da base de cálculo das contribuições os JCP), pois a legislação tributária não cria qualquer ficção jurídica para que os JCP sejam tributados como juros para efeito de PIS/COFINS (como ocorre com o IRPJ e a CSL) e ficções jurídicas não se presumem, ou elas estão expressas na Lei (o que não ocorre aqui) ou elas não existem.
A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, responsável por analisar temas de legislação de direito privado em última instância no país, enfrentou essa discussão em sede de Recurso Repetitivo, no julgamento do REsp nº 1.373.438/RS. Nesta ocasião, entendeu-se que os JCP são na “parcela do lucro distribuído aos acionistas (a par dos dividendos), tendo como fundamento o êxito econômico companhia, não a indisponibilidade do capital investido”. Em outras palavras, transitou em julgado decisão da Segunda Seção do STJ, em repetitivo, determinando que a natureza jurídica dos JCP é de “distribuição de lucros”, e não de juros.
Sendo assim, em obediência ao artigo 110, do CTN[1], não existe outra conclusão possível senão a de que os JCP se enquadram nas disposições das Leis nºs 9.718/98, 10.637/02 e 10.833/03, segundo as quais devem ser excluídos da base do cálculo do PIS e da COFINS “os lucros e dividendos de participações societárias”.
É preciso notar que essa decisão da Segunda Seção do STJ reconhece que existe uma cisão no conceito de JCP, “de modo que ele possa apresentar, do ponto de vista tributário, caráter de juros, e, do ponto de vista societário, caráter de lucro a ser distribuído”. Sobre o tema, confira-se trecho relevante do V. Acórdão:
“(…)
Na verdade, ontologicamente, os JCP são parcela do lucro a ser distribuído aos acionistas. Apenas por ficção jurídica, a lei tributária passou a considerar que os JCP tem natureza de juros. Ressalta-se que o Direito Tributário não é avesso a ficções jurídicas, que alteram a natureza de institutos jurídicos.
(…)”
Contudo, como já deixamos claro mais acima, a única previsão de tratamento especial (ficção jurídica) dos JCP nas Leis tributárias está na Lei nº 9.249/95 e diz respeito ao IRPJ e à CSL. As Leis do PIS e da COFINS apenas se referem à exclusão dos lucros e dividendos da base de cálculo das contribuições sobre lucros e dividendos, ou seja, tomam emprestado o conceito de direito privado. Portanto, como o conceito de direito privado deve ser aplicado no PIS e na COFINS, os JCP não devem ser incluídos na base de cálculo dessas contribuições pois fazem parte do gênero “lucro”.
A 1ª Seção do STJ, responsável pelo julgamento das questões de Direito Público, no julgamento do REsp nº 1.200.492/RS, também em sede de Recurso Repetitivo, entendeu que os JCP devem sofrer incidência de PIS e COFINS, mesmo tratamento aplicado aos juros (receitas financeiras em geral). Essa decisão foi proferida por maioria de votos e ainda não transitou em julgado. Foram opostos embargos de declaração apontando, entre outros argumentos, que a Segunda Seção do mesmo STJ já decidiu que os JCP têm natureza de “distribuição de lucro”, na linha do que descrevemos acima.
Caso essa clara divergência entre a 1ª Seção (REsp 1.200.492/RS) e 2ª Seção (REsp nº 1.373.438/RS) permaneça, o tema poderá ser levado à Corte Especial do STJ, que é responsável por uniformizar a jurisprudência em caso de divergência na interpretação do direito entre as Seções.
Ainda que a conclusão final seja a de que PIS/COFINS podem incidir sobre os JCP (tese que não deve prevalecer, de acordo com nosso entendimento), os contribuintes sujeitos ao regime cumulativo dessas contribuições apenas estariam sujeitos a essa cobrança a partir de janeiro/2015. Antes disso, o PIS e a COFINS cumulativos somente poderiam incidir sobre as receitas decorrentes das vendas de mercadorias e das prestações de serviços, e os JCP não se enquadram em nenhuma dessas duas categorias.
Somente com a alteração do conceito de receita bruta do artigo 12 do Decreto-lei nº 1.598/77, pela Lei nº 12.973/14 (com vigência a partir de 01/01/2015), é que se tornou possível cobrar PIS/COFINS sobre outras receitas decorrentes de quaisquer atividades ou objeto principal da pessoa jurídica. Com base nisso, a RFB tem entendido que as pessoas jurídicas que têm por objeto social a participação acionária em outras empresas e estão sujeitas ao regime cumulativo devem pagar PIS/COFINS quando receberem JCP.
A surpresa é que a RFB pretende cobrar PIS/COFINS nessa hipótese desde 2009, conforme expresso na Solução de Consulta COSIT nº 84/2016. Data maxima venia, esse entendimento é ilegal. Se existe alguma base legal para essa cobrança, essa base legal somente começou a viger em 01/01/2015, como vimos acima.
Diante do acima exposto, podemos concluir que não deve incidir PIS/COFINS sobre os JCP, pois (i) a Lei nº 9.249/95 apenas apresenta tratamento tributário especial (ficção jurídica) dos JCP para efeitos de IRPJ e CSLL, nada dispondo a respeito de PIS/COFINS; (ii) tanto a Lei nº 9.718/98 (art. 3º, § 2º, II), como as Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 (art. 1º, § 3º, V, alínea “b”), preveem que devem ser excluídos da base do cálculo do PIS e da COFINS “os lucros e dividendos de participações societárias”; e (iii) como as Leis do PIS e da COFINS apenas tomaram emprestado o conceito de direito privado dos JCP, os JCP devem ser excluídos da base de cálculo das contribuições, pois são espécie do gênero “distribuição de lucro”, na linha da decisão em repetitivo da Segunda Seção do STJ (REsp nº 1.373.438/RS), transitada em julgado, segundo a qual “na verdade, ontologicamente, os JCP são parcela do lucro a ser distribuído aos acionistas”.
Mesmo que esse entendimento não prevaleça, o que se admite apenas a título de argumentação, jamais seria possível cobrar PIS/COFINS no regime cumulativo sobre os JCP recebidos antes de 01/01/2015.
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[1]“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
Por Vinicius Jucá
sócio de TozziniFreire e professor da FGV Direito-SP
Por Karen Florindo
associada de TozziniFreire
Fonte: Jota
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