O Projeto de Lei do Senado - PLS 216/2014 (autoria do senador Cássio Cunha Lima) prevê a correção monetária anual da tabela progressiva do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) e das deduções aplicáveis à apuração da base de cálculo do imposto.
A pretensa modificação determina que "os valores dispostos na tabela progressiva mensal vigente serão corrigidos anualmente, a partir do ano-calendário 2016, inclusive, com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)", devendo o Poder Executivo divulgar, até o final do mês de dezembro de cada ano-calendário, a tabela progressiva mensal corrigida, a fim de que entre em vigor a partir do primeiro dia do ano-calendário subsequente.
Acertadamente, afirma-se, como justificativa, que "contribuintes vêm sendo prejudicados, ao longo dos últimos anos, pela defasagem da correção da tabela progressiva do IRPF frente à inflação efetivamente ocorrida".
Ainda que não represente ganho real, reajuste salarial submete mais pessoas à tributação da renda
Identicamente, o PLS 2/2014 (autoria da senadora Ana Amélia) prevê "a correção monetária anual da tabela progressiva do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física e das deduções aplicáveis à base de cálculo do tributo", a partir do ano-calendário de 2015, inclusive, com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Por iniciativa do Poder Executivo, a partir da edição da Medida Provisória (MP) 340/2006, convertida na Lei 11.482/2007, a tabela progressiva do IRPF foi atualizada anualmente. Entretanto, as atualizações, previstas na lei, limitar-se-ão a este ano-calendário, e o índice de reajustamento utilizado sempre correspondeu à meta de inflação fixada pelo governo federal, isto é, 4,5%, abaixo, por exemplo, dos índices IPCA/IBGE: 5,9%; IGP-DI/FGV: 5,5% e ICV /Dieese: 6%, todos referentes a 2013.
Recentemente, o Poder Executivo, por meio da MP 644/2014, tentou manter essa sistemática de reajustamento. Todavia, a MP não foi oportunamente votada pelo Congresso Nacional e, em virtude da inércia parlamentar, perdeu eficácia. Na prática, o contribuinte brasileiro pode pagar mais imposto no ano-calendário 2015, caso outro mecanismo institucional não venha compensar, minimamente, os deletérios efeitos inflacionários.
Não bastassem as iniciativas executiva e legislativa, o Supremo Tribunal Federal, por provocação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, deve julgar em breve Ação Direta de Inconstitucionalidade em que se questiona a adequação da correção da tabela progressiva referente à tributação do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF). Nesta ação, almeja-se que o Poder Judiciário determine aplicação de critério de atualização baseado em índice que reflita efetivamente a inflação. Segundo o Conselho, é "notório que, com o decorrer dos anos, o valor tido como mínimo necessário para a satisfação das obrigações do cidadão e os limites das faixas de incidência do IRPF foram corrigidos de forma substancialmente inferior à inflação do período". O Conselho ainda alega na referida ação que há defasagem de 61,24% entre os valores utilizados para correção da tabela progressiva e a inflação verificada no período de 1996 a 2013.
Para se ter ideia da relevância da discussão, basta analisar, no ínterim referido, por exemplo, a variação percentual de valores da cesta básica na cidade de São Paulo e do salário mínimo nacional, que equivalem, respectivamente, a 249% (R$ 92,57, em janeiro de 1996, e R$ 323,47, em janeiro de 2014, conforme o Dieese) e 546% (R$ 112, em janeiro de 1996, e R$ 724, em janeiro de 2014).
Adversamente, a variação percentual do limite de isenção corresponde, apenas, a 98%. Constata-se, portanto, que o limite de isenção se aproxima gradativamente do mínimo vital necessário à preservação da dignidade humana, ou seja, do limite de recursos pessoais dirigidos ao suprimento das necessidades básicas.
A insuficiente correção da tabela progressiva do IRPF e das deduções legais majora, sem necessidade de lei, a tributação sobre a renda e, anualmente, amealha número maior de contribuintes, visto que o limite de isenção vem sendo paulatinamente corroído pela inflação. Ainda que não represente ganho real, reajuste salarial, em índices superiores àqueles utilizados para a correção da tabela, submete, progressivamente, mais pessoas à tributação da renda.
Se, por um lado, a inflação corrói o poder de compra dos cidadãos, por outro, a atualização da tabela progressiva e das deduções legais pode minorar o impacto tributário sobre a renda dos contribuintes. Todavia, o problema não se restringe apenas à atualização da tabela, pois há muito a incidência do imposto se dá sobre amplíssima base de cálculo, a ponto de a tributação do IRPF alcançar parcelas que não correspondem, propriamente, a acréscimo patrimonial.
Vale lembrar que, até a década de 80, a legislação tributária previa extenso rol de abatimentos e deduções, tais como: despesa de aluguel; despesa com juros de dívidas pessoais, inclusive os pagos para financiamento da casa própria; prêmios de seguros de acidentes pessoais; perdas extraordinárias, em decorrência de casos fortuitos e força maior; despesas com aquisição de livros, revistas, jornais, instrumentos, utensílios e materiais necessários a desempenho de função ou trabalho.
A atualização da tabela progressiva e das deduções legais, nos termos em que tem sido debatida pelos poderes do Estado, apenas remedeia parte do atual problema. A corriqueira incapacidade parlamentar em legislar matérias fiscais, aliada à crescente necessidade de financiamento das despesas públicas, nos leva a concordar com a clássica assertiva de Charles Mclure no sentido de que a falta de representação política e a incompreensão da legislação tributária são inimigas da democracia.
por Antonio Sepulveda, Flavio Franco e Igor De Lazari, respectivamente professor da FGV-Rio, mestrando em direito na UFRJ e graduando em direito na UFRJ, são pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições - PPGD-UFRJ.
Fonte: Seteco.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário