A transformação de uma entidade de ensino sem fins lucrativos, imune por disposição constitucional (artigo 150, inciso VI, alínea ‘c’ da CRFB/88), em sociedade empresária é um momento de cuidado para o fisco, quanto ao destino do patrimônio acumulado.
No caso abaixo, a entidade imune foi transformada em sociedade anônima, tendo a AGE deliberado o aumento de capital da sociedade utilizando a “capitalização integral da conta de superávit acumulado constante do patrimônio líquido da companhia”; e ainda havendo subscrição de empresa limitada, com integralização com os bens imóveis.
O questionamento surgiu quando houve uma redução de capital, sendo entregue ao contribuinte autuado as quotas da sociedade limitada. É que, para o fisco, incidiu o artigo 3º da Lei 8.849/94, que dispõe que é isento, inclusive para os sócios, o aumento de capital mediante incorporação de reserva, salvo “se a pessoa jurídica, dentro dos cinco anos subseqüentes à data da incorporação de lucros ou reservas, restituir capital social aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social”; o que macularia também a isenção de dividendos do art. 10 da Lei 9.249/95.
O contribuinte alegou que o artigo 3º da Lei 8.849/94 se aplica para devolução de capital em espécie, pois, quando a devolução se dá com bens, a norma posterior e especial é o parágrafo 4º do artigo 22 da Lei 9.249/95, que prevê que a devolução de participação em capital social é isenta. Ademais, a participação recebida continuava avaliada a zero, como previsto no artigo 18 da IN SRF 113/98, portanto o que aconteceria era ganho de capital quando futuramente houvesse uma alienação, conforme o artigo 61 da IN SRF 11/96.
Julgando a causa, Turma do Carf manteve a autuação; assim ementado e fundamentado:
Acórdão 2201-002.471 (publicado em 20.11.2014)
RENDIMENTOS. DISTRIBUÍDOS A SÓCIOS. SEM INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA NA PESSOA JURÍDICA. TRIBUTAÇÃO NAS PESSOAS FÍSICAS BENEFICIÁRIAS.
A não incidência do imposto de renda de que trata o art. 10 Lei nº 9.249, de 1995 refere-se a rendimentos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado. Não se aplica a situação em que os valores restituídos ou distribuídos aos sócios sejam decorrentes da incorporação e transformação de superávit de uma associação em lucro de uma sociedade. Neste caso, os lucros incorporados ao capital e restituídos ou distribuídos aos sócios, por não terem sido objeto de tributação na pessoa jurídica, estão sujeitos à tributação nas pessoas físicas que os receberam.
Voto Vencido (...)
Ao cotejarmos a norma disposta no art. 3º, § 4º da Lei nº 8.849/94 e aquelas dispostas no art. 22, § 4º da Lei nº 9.249/95 e art. 61 da IN/SRF 11/96, verificamos que as últimas são específicas em relação à primeira. Isso porque ao passo que o art. 3º, § 4º da Lei nº 8.849/94 versa de uma situação genérica (redução de capital), o art. 22, § 4º da Lei nº 9.249/95 e art. 61 da IN/SRF 11/96 versam de uma situação específica, qual seja, redução de capital com a entrega de bens.
Em face ao princípio da especialidade, a norma mais específica deve ser aplicada em detrimento da norma genérica. Desta feita, entendo que ao caso em questão deve ser aplicado o tratamento tributário disposto no art. 22, § 4º da Lei nº 9.249/95 e art. 61 da IN/SRF 11/96.
Voto Vencedor (...)
Nesse aspecto, é importante salientar que o art. 61 da IN não trata genericamente da devolução do capital em si, mas, especificamente, da aquisição de participação societária com deságio, com posterior devolução dessa participação (quotas ou ações). Tanto a alínea “a” quanto a “b” da citada IN se refere a “participação extinta”, e no presente caso não houve devolução ou extinção de participação no capital, e sim a entrega de bens e direitos em contrapartida à redução do valor. (...)
Quando ocorreu o aumento do capital, de R$ 50.000,00 para R$ 39.120.542,34, com a incorporação da conta Lucros Acumulados, a participação do recorrente aumentou em valor. Isso estaria resguardado pelos rendimentos isentos e não tributáveis na sua declaração de imposto de renda apenas se estivessem abrangidos pelos critérios inseridos no art. 10 da Lei nº 9.249, de 1995. Ou seja, se o imposto fosse apurado com base no lucro real, presumido ou arbitrado. Fora disso, o lucro incorporado ao capital e restituído aos sócios está sujeito à tributação nas pessoas físicas que o receberam. (...)
Assim, o aumento da participação societária não foi consequência de distribuição de lucros ou de dividendos decorrentes da incorporação de lucros ou de reservas de lucros, como previsto na legislação tributária, e sim da transformação do superávit da Associação em lucros acumulados da Sociedade.
Termo decadencial
O prazo decadencial para o fisco constituir o crédito tributário é de cinco anos, e, segundo o parágrafo único do artigo 173 do CTN, pode servir de marco a “data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento”. Frente a esse dispositivo, na decisão abaixo retornou a discussão se a intimação do início da fiscalização seria o marco final para constatar se ocorreu a decadência; o que afastaria a caducidade no caso apreciado.
Todavia, Turma do Carf concluiu que a data do lançamento é o marco final, servindo o parágrafo único do artigo 173 para fim inverso, de favorecer o contribuinte como marco inicial, nos casos em que, “antes do primeiro dia do exercício seguinte” (inciso I do artigo 173), exista uma notificação, que passa a ser o marco inicial para deflagrar a contagem da decadência; assim ementado:
Acórdão 1102-001.123 (publicado em 11.11.2014)
PRAZO DECADENCIAL. CSLL. CINCO ANOS. SÚMULA VINCULANTE Nº 8 DO STF. MPF NÃO INTERROMPE NEM SUSPENDE O CURSO DO PRAZO DECADENCIAL.
A mera intimação do contribuinte para início de procedimento fiscal de verificação não produz o efeito de suspender ou interromper o curso do prazo decadencial previsto no art. 173, do CTN, que, nos termos da Súmula Vinculante de nº 8, do Supremo Tribunal Federal (STF), é de cinco anos.
Relógio parado
O fato gerador do PIS/Cofins é mensal, sendo um erro na matéria tributável empregar bases de cálculo trimestrais. Todavia, julgando uma autuação que utilizou bases trimestrais, a DRJ apontou que, pelo menos o específico mês em que efetuado o cálculo trimestral estaria correto, portanto não deveriam ser cancelados os lançamentos referentes a março, junho, setembro e dezembro. Todavia, Turma do Carf, em que pese voto divergente, cancelou toda a autuação, considerando o procedimento da DRJ uma inovação; assim ementado e fundamentado:
Acórdão 1801-002.180 (publicado em 18.11.2014)
INSUBSISTÊNCIA DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. INOBSERVÂNCIA À NORMA TRIBUTÁRIA.
É insubsistente o lançamento tributário realizado ao arrepio da norma tributária, cuja natureza é típica cerrada, não permitindo ao aplicador modificar qualquer elemento definido, precipuamente o momento da ocorrência do fato gerador das obrigações tributárias.
Voto (...)
No caso em concreto, a autoridade fiscal fixou as datas de ocorrência dos fatos geradores das contribuições sociais, do PIS e da Cofins, bem como apurou as bases de cálculo, em dissonância com o que determina a norma legal, maculando os lançamentos tributários de nulidade material, absoluta.
E é procedimento defeso ao órgão julgador alterar os fundamentos dos lançamentos tributários por consistir em inovação da matéria e, por conseguinte, agravamento das exigências fiscais originalmente impostas.
Declaração de Voto (...)
Se a autoridade lançadora errou ao incluir depósitos bancários realizados em janeiro e fevereiro na base de cálculo do PIS e Cofins devidos em março, a autoridade julgadora deve fazer a devida reparação, adequando a base de cálculo ao seu valor legal. Determinar a total anulação do lançamento é, data venia, ceder a um rigorismo que macula o princípio da verdade material, informador do processo administrativo fiscal, pois os fatos geradores ocorridos em março de 2003 foram devidamente comprovados nos autos, foram duplamente submetidos ao contraditório e sequer foram questionados pelo recorrente.
Lucros refletidos
Em venda de participação societária de instituição financeira, a Receita Federal alegou ter encontrado “sofisticados artifícios contábeis” para inflar o custo das ações vendidas, visando reduzir a tributação do ganho de capital. O engenho seria a “elevação do capital em empresas investidoras, via equivalência patrimonial com as empresas investidas e a quase simultânea incorporação reversa daquelas por estas últimas”.
O contribuinte registrou que “a legislação do Imposto de Renda determina, no artigo 130, parágrafo 1º e artigo 135 do RIR, que o custo de aquisição de ações ou quotas de titularidade de uma pessoa física corresponde ao custo original do investimento acrescido do montante dos lucros ou reservas de lucros capitalizados”. Sendo assim, “não se pode esperar que o contribuinte deixe de aplicar a lei em razão de a mesma lhe favorecer, pela peculiaridade de determinada situação; por outro lado, o fisco também não pode deixar de aplicá-la por considerar que ela beneficia indevidamente o contribuinte”.
Todavia, Turma do Carf manteve a autuação, decotando o acréscimo no custo da participação vendida, considerando a valorização artificial, já que não “proporcional à grandeza econômica efetivamente reinvestida na empresa”; assim ementado:
Acórdão 2201-002.530 (publicado em 19.11.2014)
GANHO DE CAPITAL. ALIENAÇÃO DE AÇÕES. CAPITALIZAÇÃO DE LUCROS E RESERVAS REFLETIDOS NAS HOLDINGS. MAJORAÇÃO DO CUSTO DE AQUISIÇÃO.
Na incorporação societária é indevida a majoração do custo de aquisição na capitalização de lucros ou reservas de lucros apurados pela empresa investidora (operacional) refletidos nas investidas (holdings), apurados pelo Método de Equivalência Patrimonial, por se tratar dos mesmos lucros.
Decisões variadas
No Acórdão 9202-003.395 (publicado em 19 de novembro de 2014), a CSRF decidiu que o depósito judicial se equipara a pagamento antecipado, caracterização exigida pelo recurso repetitivo REsp 973.733 para afastar a contagem decadencial pelo artigo 173, inciso I do CTN; assim ementado: “o depósito judicial efetuado pelo contribuinte em ação judicial movida contra a Fazenda Nacional caracteriza índice de atividade a ser homologada no âmbito do artigo 150, § 4º do Código Tributário Nacional para fins de contagem do prazo de decadência”.
Sobre a Participação nos Lucros e Resultados, em dois julgados a CSRF do Carf decidiu sobre a formalização da PLR em acordo. No primeiro, que não há “necessidade de formalização de acordo prévio ao ano base” (Acórdão 9202-003.370, publicado em 19 de novembro de 2014); e, no segundo, que “a Lei 10.101/2000 exige que o fechamento do acordo para o pagamento da PLR ocorra antes do pagamento e ao menos durante o período de aferição dos critérios adotados para fixação do direito subjetivo dos trabalhadores. Referida lei não estabelece, contudo, prazo mínimo necessário entre o fechamento do acordo e o pagamento da PLR, não cabendo ao interprete fazê-lo” (Acórdão 9202-003.430, publicado em 19 de novembro de 2014).
por Mary Elbe Gomes Queiroz é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.
Antonio Elmo Queiroz é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.