Em 5 de janeiro, foi publicado no Diário Oficial da União o Acordo de Cooperação Técnica celebrado entre a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a empresa de direito privado Serasa Experian, com validade de 12 meses, a partir do qual haverá compartilhamento recíproco de informações dos bancos de dados entre as entidades.
A partir do acordo firmado, caberá ao Serasa fornecer à Procuradoria da Fazenda Nacional endereços e telefones de contribuintes, visando a localização desses devedores e a facilitação dos processos de cobrança. Também informará quais contribuintes possuem registro de falência ou recuperação judicial e classificará os devedores da Dívida Ativa da União em função da possibilidade de quitação do débito.
Pondere-se que nem toda inscrição em dívida ativa reflete um contribuinte mau pagador, sonegador ou com interesses escusos
Para o lançamento da pretensão fiscal na Dívida Ativa da União, é suficiente o insucesso da defesa administrativa do contribuinte, mesmo que este pretenda prosseguir defendendo-se na esfera judicial. Como as decisões administrativas são, em sua maioria, fiscalistas, bastará ter um lançamento contra si para ter o risco de ter o nome inscrito no Serasa.
Ocorre que, em contrapartida às concessões supra, a PGFN fornecerá à Serasa todo seu banco de dados de inscrições em DAU, para utilização em suas atividades de proteção à realização de negócios envolvendo a concessão de créditos. Vale dizer que, com a celebração desse acordo, os contribuintes que possuam débitos em aberto no âmbito da PGFN possuirão restrição junto ao Serasa e, consequentemente, poderão ter dificuldades na obtenção de financiamentos.
Exatamente neste ponto, causa-nos preocupação o acordo celebrado entre as entidades, uma vez que a transferência para a Serasa do banco de dados dos registros em dívida ativa da União implica na violação do sigilo fiscal de todos contribuintes com pendências tributárias em cobrança judicial.
A Serasa S/A. nada mais é do que pessoa jurídica de direito privado, que, na consecução de suas atividades sociais, presta serviços de análises e informações para concessão de crédito e apoio a negócios. Neste passo, não seria possível imaginar que entidades particulares, com interesses privados, possam receber de forma legítima da União Federal, no caso a Procuradoria da Fazenda Nacional, os dados de todos os contribuintes que eventualmente possuam pendências em aberto com aquele órgão estatal.
Pondere-se que nem toda inscrição em dívida ativa reflete um contribuinte mau pagador, sonegador ou com interesses escusos. Diversas são as dívidas ilegítimas, que, no curso do processo legal de execução fiscal, terão sua validade questionadas em juízo.
À luz da Constituição Federal e das regras de sigilo, privacidade e proteção das informações dos cidadãos em vigor no país, parece-nos completamente antijurídico o ato da PGFN que, por meio de simples e singelo acordo de cooperação técnica, pretenda transferir a uma empresa privada informações tão relevantes sobre os contribuintes com dívidas fiscais na esfera de cobrança.
O Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento que autorizou a transferência do sigilo bancário dos contribuintes sem a devida autorização judicial, definiu critérios para que esses dados fossem passados a outro órgão público. Em nenhum momento, porém, referido acórdão autorizou que qualquer órgão público o fizesse a particulares mesmo sob a vigência de acordos bilaterais. O Decreto 3.724/2001 com suas alterações garante punição ao agente público que utilizar indevidamente as informações de que dispõe, além de estabelecer os critérios referidos para a sua utilização.
Interessante verificar que a Serasa já teve no passado outro acordo de cooperação técnica que envolvia transferência de dados, relativos à Justiça Eleitoral, anulado pelo Poder Judiciário. Naquele processo, (29.542/2012-TSE), a então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministra Cármen Lúcia, considerou que a transferência à Serasa do banco de dados do cadastro de eleitores violaria o sigilo e a privacidade, especialmente por ela se tratar de entidade privada, com interesses particulares.
Referido caso, coaduna-se perfeitamente à pretendida transferência do cadastro dos registros em dívida ativa ao Serasa, pois conferirá a entidade privada informações sensíveis dos contribuintes, as quais deveriam estar sob guarda absoluta da União Federal, e que gerarão consideráveis dissabores pela restrição de crédito que os sujeitará.
Trata-se, mais uma vez, de uma forma transversa de coagir o contribuinte a recolher aos cofres da União tributos que entende devidos. A restrição creditícia oriunda da inscrição no Serasa é tão severa e onerosa que um acordo desta espécie faz com que o contribuinte repense sobre defender-se ou não do que considera uma cobrança indevida.
Urge que o Poder Judiciário impeça mais essa tentativa de violação ao direito dos contribuintes.
por Vitor Werebe e Thiago Bermudes de Freitas Guimarães são advogados em São Paulo
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Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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