Ponto de discussão sobre a guerra fiscal do ICMS, tanto na seara administrativa, como na judicial, é a compatibilidade constitucional prevista no artigo 8º, I da LC 24/75 em face do princípio da não cumulatividade. Afinal de contas, seria o prescrito pelo artigo complementar obstáculo inconstitucional ao creditamento por parte dos adquirentes de produtos em operações interestaduais beneficiadas por incentivos concedidos unilateralmente, ou seria um benefício? Esta a nossa busca neste ensaio. Qual a natureza jurídica do previsto no artigo citado? Obstáculo ou benefício? Para tanto, discutimos preliminarmente algumas premissas necessárias à nossa conclusão.
Para atrair empresas para seus limites territoriais, os entes estatais procuram conceder incentivos fiscais e financeiros relacionados ao ICMS àqueles que ali resolverem se estabelecer; diminuindo consideravelmente sua carga tributária.
O procedimento de concessão destes incentivos apresenta condição normativa constitucional da anuência formal pelos demais entes políticos estaduais, que devem concordar com a concessão de tais benefícios proporcionados por regimes especiais.
Por sua vez, a Constituição Federal prescreve que cabe à lei complementar regular como as unidades federadas deverão conceder ou revogar os chamados incentivos e benefícios fiscais.
O art. 155, §2º,“g” da CF/88 prescreve:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
2º O imposto previsto no inciso II, atenderá ao seguinte:”
XII – cabe à lei complementar:
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. [g.n.]
Com isso, tem-se como necessária e obrigatória a anuência dos entes estaduais quando da concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, via regimes especiais relativos ao ICMS.
O procedimento de concessão é regrado por lei complementar, sendo que, atualmente, o órgão responsável pela autorização concessiva é o CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária); órgão que congrega os representantes fazendários estaduais do país e um representante do Ministério da Fazenda.
É procedimento regrado pela Lei Complementar 24 de 1975 que prevê a necessidade da anuência unânime dos presentes (representantes fazendários estaduais) no CONFAZ, para a elaboração de Convênios autorizativos das concessões pretendidas.
Em face dos interesses políticos, vê-se, de plano, a dificuldade no CONFAZ de aprovação de propostas de Convênios concessivos de benefícios e incentivos fiscais.
Com isso, os próprios entes estatais desrespeitam o ordenamento jurídico constitucional, quando da concessão dos aludidos benefícios fiscais, concedendo-os através de Regimes Especiais não apreciados pelo CONFAZ; ou seja, unilaterais, em afrontosa burla às regras do jogo constitucional, agindo de forma desleal e antiética, tentando levar vantagem em relação aos outros entes federativos ao largo das regras do jogo jurídico.
Por sua vez, os Estados que se sentem prejudicados com a concessão unilateral de benefícios fiscais, dentre outras medidas protetivas, não aceitam total ou parcialmente o creditamento de valores relativos a entradas de mercadorias em operações interestaduais, cuja origem fora ente estatal que concedera tais benefícios sem convênio do CONFAZ.
O fundamento jurídico base aos Estados em sua atitude protetiva seria o artigo 8º, I da Lei Complementar 24 de 1975 que prescreve:
Art. 8º – A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:
I – a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;
Por força do inciso I do art. 8º, o Estado onde resta localizado o estabelecimento adquirente da operação irregularmente beneficiada deve considerar nulo o ato concessivo do inconstitucional benefício, considerando, também, como ineficaz juridicamente o crédito tributário correspondente e por ele indevidamente suportado.
Destarte, o estabelecimento recebedor da mercadoria, cuja operação fora contaminada tributariamente com redução ou supressão indevida de ICMS advinda de unilateral concessão de benefícios, terá como ineficaz o crédito fiscal por ele constituído.
E é sobre esta questão que nos debruçamos neste ensaio. Será que pode o Estado recebedor da mercadoria, nestas condições de operação interestadual submetida na origem à mitigação irregular de tributação, restringir o creditamento por parte dos adquirentes estabelecidos em seu território? Seria medida protetiva inconstitucional? Seria violação ao princípio constitucional da não cumulatividade?
Para obtermos respostas com fundamento jurídico, lançamos algumas premissas.
II – SOBRE A NOÇÃO DE INCIDÊNCIA
Necessário à nossa análise aceitarmos, inicialmente, o conceito de Direito como sistema normativo válido em determinados tempo e local. Como construção intelectual vertida em linguagem peculiar normativa, cuja estrutura formal atrela obrigatoriamente uma pretensão prescritiva a uma descrição eleita pelo legislador. Sua estrutura formal pode ser resumida à seguinte expressão: “se algo, então deve-ser outro algo” (este modalizado por uma obrigação, uma permissão ou uma proibição).
Temos, também, que como o Direito não é pessoa (não tem olhos, boca ou nariz), ele não “enxerga” o que ocorre no mundo social. Há necessidade de se construir linguisticamente fatos a fim de que as situações sociais sejam juridicamente reconhecidas.
A noção de incidência tributária, na ótica do Direito como linguagem, está intimamente ligada à de coincidência linguística.
Melhor explicando. Norma jurídica com antecedente abstrato, denominado hipótese, descreve situações possíveis e futuras, cuja realização implica em prescrição modalizada prevista no seu consequente normativo.
À construção factual concreta coincidente à hipótese abstrata denominamos incidência tributária.
Exemplificando:
Há hipótese tributária do ICMS no fornecimento de alimentos e bebidas em bares e restaurantes e estabelecimentos similares.
Portanto, “fornecer alimentos e bebidas em bares restaurantes e estabelecimentos similares” é critério material do ICMS.
Aliada tal materialidade a coordenadas espaço-temporais previstas na legislação, tem-se o denominado “fato gerador do ICMS” na sua versão hipotética (fato gerador-hipótese).
Assim, “fornecer alimentos e bebidas em bares e restaurantes e estabelecimentos similares” (critério material), no “momento do fornecimento” (critério temporal), no “território de um determinado ente estatal” (critério espacial) é fato gerador-hipótese.
Na corrente do Direito como linguagem, o fato de algum contribuinte fornecer simplesmente uma bebida a um cliente em seu restaurante não é suficiente ao reconhecimento jurídico desta situação, em face desta não restar traduzida em linguagem jurídica.
Se o contribuinte não emitir Nota Fiscal, não registrar em seus livros fiscais e não der publicidade a tal fato social-contábil, nada ocorrerá em termos jurídicos. O Direito não tomará conhecimento do fato.
No entanto, ao relatar tal fato em linguagem competente (notas fiscais e registros fiscais publicizados), o contribuinte construirá um fato (versão histórica); este assim entendido como articulação linguística. O fato pode ser assim traduzido: “forneci 100 cervejas às 15:00 no seguinte endereço”.
Vemos que há coincidência verbal entre o fato construído como relatado pelo contribuinte em seus registros e o fato gerador-hipótese, construído do texto legal. Apenas o tempo verbal é diverso: na hipótese; futuro (fornecer); no fato; passado (forneci).
A esta coincidência, denominamos incidência. Há incidência normativa com coincidência entre hipótese e fato.
Verificamos a imprescindibilidade do homem fazendo a hipótese normativa incidir em sua atividade de construção factual, o que denominamos aplicação.
Só há incidência normativa com aplicação. Só há incidência normativa com construção e comparação positiva de fato e hipótese. As normas não incidem; são incididas em face da necessária aplicação. Sem linguagem não há fato; não há possibilidade de dar conhecimento ao direito do que supostamente ocorre no mundo social.
Com a coincidência entre fato e hipótese (subsunção normativa) temos o reconhecimento da juridicidade do fato; o fato é jurídico.
E por ser jurídico, têm-se obrigatoriamente efeitos previstos no consequente normativo. Em nosso caso, o estabelecimento de relação jurídica de cunho patrimonial, em que o contribuinte se coloca na desconfortável situação de sujeito passivo, com dever jurídico em face de sujeito ativo (este com direito subjetivo), em relação jurídica de cunho patrimonial, cujo seu objeto é montante a título de tributo.
Com o reconhecimento do fato jurídico, pela coincidência entre hipótese e fato, nasce a obrigação tributária como relação jurídica.
Esta a dinâmica da incidência normativa; fruto da coincidência entre fato gerador-hipótese e fato gerador-fato.
III – SOBRE A NÃO CUMULATIVIDADE DO ICMS
Para melhor entendimento sobre a não cumulatividade do ICMS, destacamos os dispositivos constitucionais:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;
Partindo da premissa do mestre Geraldo Ataliba de que a raiz da não cumulatividade é a compensação, verifica-se que a obrigatoriedade da concessão de crédito está intimamente ligada à destinação do bem tratado: se mercadoria que saíra em operação tributada, garante-se o crédito na entrada de seu adquirente; se não, não há a necessidade de crédito; aliás, não conceder crédito nesta condição é atender ao princípio da não cumulatividade; conceder crédito seria violá-lo.
A chave da questão está no sentido do termo cobrado, no dispositivo constitucional citado, que segundo a melhor doutrina e jurisprudência, tem significação de incidente.
O imposto cobrado anteriormente é o incidente na operação de saída jurídica do remetente de mercadoria, cujo resultado dessa incidência é o montante devido construído em linguagem competente em documento hábil.
Assim, para o adquirente, montante cobrado em operação anterior é o devido na ótica do remetente; tudo resultado da incidência tributária em face da realização do fato gerador do ICMS na saída da mercadoria do remetente. Em face da coincidência linguística entre o fato gerador-fato (saída do remetente) e o fato gerador-hipótese (construção interpretativa do texto legal pertinente).
O caput do inciso II do §2º e suas alíneas “a” e “b” prescrevem que se não houver legislação disposta em sentido diverso, em cadeia de operações, caso se verifique isenção ou não incidência na saída de mercadoria, o remetente está proibido de ser creditar, assim como o respectivo adquirente desta mercadoria em face da operação não tributada.
Tem sentido, pois se houver a tal não incidência (considerando a mutilação parcial da isenção também como não incidência, pela impossibilidade de coincidência linguística), não haverá montante a ser devido para o remetente.
Não havendo montante devido, para que crédito, se não há nada a compensar?
E se não houver montante devido para o remetente, não haverá montante cobrado em anterior operação e, se não há montante cobrado, não há crédito para esse adquirente. Esta a regra geral da CF/88 em seu princípio da não cumulatividade.
Consideramos, inclusive em sintonia com a melhor doutrina, que a isenção e a não incidência são possibilidades exaustivas de bloqueio de crédito e não exemplificativas.
A lei complementar, assim, não poderia inovar em matéria de impedimento ao direito de crédito; é questão exclusivamente constitucional. Mas o caput do Art. 155, §2º, II da CF/88 estabelece exceção a esta glosa constitucional e geral de crédito prescrevendo: salvo determinação em contrário da legislação, a isenção ou não incidência criam obstáculos ao crédito, como visto acima.
Ou seja, a legislação infraconstitucional pode criar condições normativas de concessão de crédito, caso o legislador competente assim prescreva, como sói ocorre com material de uso e consumo e de ativo adquiridos com essa finalidade, que por não terem saída tributada não teriam, pela regra geral da CF/88, direito ao crédito. Porém, como a LC 87/96 em seu art. 20 concede o crédito, temos a exceção benéfica da CF/88 sendo aplicada.
Portanto, o “salvo determinação em contrário da legislação” inserto no inciso II do §2º do Artigo 155 da CF/88 respalda possibilidade de concessão de crédito em situações excepcionais, mesmo em situação de não incidência tributária. A regra geral é de não creditamento (alíneas “a” e “b” do dispositivo constitucional); a exceção, a possibilidade creditícia.
Este nosso entendimento sobre o princípio constitucional da não cumulatividade do ICMS.
IV – SOBRE AS ESPÉCIES DE INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS
O ordenamento nacional complementar nos indica quais são os incentivos e benefícios fiscais carentes de autorização de convênios CONFAZ para sua implementação.
Preliminarmente verificamos que incentivo ou benefício fiscal concedido deve, necessariamente, reduzir efetivamente ônus tributário do correspondente beneficiário.
Nossa convicção alicerça-se no entendimento de que a Lei complementar 24/75 teria sido recepcionada pela atual ordem constitucional como sendo veículo normativo adequado ao tratamento da matéria.
Nesta linha, observamos que o art. 34, §8º do ADCT da CF/88 prescreve:
8º Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, b, os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria.
Assim, a qualificada norma complementar teria sido recepcionada pela atual ordem constitucional, como veículo normativo próprio a celebrar convênios ICMS, sendo que seu artigo 1º da LC 24/75 prescreve:
Art. 1º – As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.
Parágrafo único – O disposto neste artigo também se aplica:
I – à redução da base de cálculo;
II – à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros;
III – à concessão de créditos presumidos;
IV – a quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus; [g.n.]
Portanto, requisito essencial para que um incentivo seja considerado benefício fiscal seria o fato dele apresentar efeito jurídico redutor ou supressor de ônus tributário devido. Caso contrário, estaríamos diante de benefício não fiscal, livre de quaisquer injunções prescritivas da LC 24/75.
V – O ARTIGO 8º, I DA LC 24/75 COMO INCENTIVO E NÃO COMO OBSTÁCULO
Partindo da premissa de que seria fato incontroverso a existência de benefício fiscal concedido por Estado remetente de mercadorias sem autorização do CONFAZ (sem convênio) em operação interestadual, verifiquemos a constitucionalidade ou não do previsto no artigo 8º, I da LC 24/75 na sua pretensão prescritiva de possibilitar a não aceitação pelo Estado do adquirente, em tais operações, do crédito correspondente à mitigação tributária concedida unilateralmente no Estado de origem. Premissa, também, a não informação em Nota Fiscal da existência de tal concessão mitigadora unilateral.
O cerne da questão encontra-se na significação da expressão “imposto devido” e dos conceitos de incidência e de não incidência contextualizados em face do ordenamento pertinente à matéria, segundo o melhor entendimento doutrinário e jurisprudencial. A contextualização sistemática interpretativa é essencial ao deslinde da quaestio.
O ponto central está no jurídico entendimento da expressão imposto devido. Seria este o efetivamente a ser recolhido aos cofres do Estado de origem ou o destacado no documento fiscal suporte da operação interestadual, onde não se encontra no campo imposto devido o valor já reduzido; mas sim, o valor sem redução?
Para tanto, há de se entender os efeitos jurídicos incidentais dos benefícios concedidos nesta condição.
Os incentivos fiscais unilaterais redutores de montante devido têm como aspecto temporal a saída interestadual de mercadorias.
A função destes incentivos é uma menor exigência de tributo em face da realização de fatos geradores envolvendo operações interestaduais.
O valor próprio original que deveria ser recolhido ao Estado de origem encontra-se efetivamente reduzido pelo diferencial ocasionado pelos benefícios concedidos e aceitos pelo contribuinte lá localizado; mas não destacados nas Notas Fiscais de saída correspondentes.
Ora, se o montante próprio original é fruto de incidência tributária do ordenamento estatal de origem sobre o fato gerador-fato noticiado, então os benefícios redutores do montante devido na origem representam uma não incidência tributária (um montante não devido).
Assim, o montante próprio a ser devido àquele Estado é um verdadeiro encontro de normas de incidência e de não incidência tributárias, resultando em imposto menor a ser exigido na origem.
Portanto, o imposto efetivamente devido pelo remetente, correspondente às suas operações próprias, deve ser entendido como o diferencial entre o originalmente devido (por regra) e o calculado em face dos benefícios redutores aceitos (por exceção).
O fato do destaque em notas fiscais de saída não indicar o valor efetivo e real a ser devido ao Estado de origem não tem o condão de alterar o seu verdadeiro valor, nem sua natureza jurídica, pois, tal montante deve ser considerado aliado a outras informações que deveriam constar nas mesmas notas fiscais, como, por exemplo, o regime mitigador de tributo concedido. O destaque de imposto nas notas fiscais de origem não representam os valores efetivamente devidos àquele Estado, mas tudo em face de outros elementos linguísticos comprobatórios.
Aliás, com ou sem autorização do CONFAZ, a concessão dos benefícios ora discutidos representam uma não incidência; assim, por regra, o montante devido pelo estabelecimento de origem é menor do que o indicado nas respectivas notas fiscais de remessa interestadual.
Assim, os conceitos de imposto devido e de montante cobrado apresentados pela CF/88 em seu art. 155, §2º, I e II devem ser respeitados em nossa busca interpretativa. Destacamos novamente os dispositivos:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;
Por sua vez, o artigo 8º, I da LC 24/75 não é, como muitos afirmam, obstáculo ao creditamento do adquirente de mercadoria em operação interestadual, em face da ausência de Convênio CONFAZ autorizativo de benefício do Estado de origem; mas sim, um benefício. Senão vejamos.
O art. 8º, I da LC 24/75:
Art. 8º – A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:
I – a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria; (grifamos)
Tendo em vista que lei complementar não pode criar obstáculos ao creditamento onde não ocorra isenção ou não incidência, assim interpretamos o artigo acima em sintonia com a CF/88.
Se o benefício concedido em um Estado implicar em não incidência na saída interestadual da mercadoria, pela regra geral da CF/88 o adquirente de outro Estado não terá direito ao crédito, salvo disposição em contrário da legislação, conforme artigo 155, §2º, II da CF/88.
Por sua vez, a LC 24/75 dispõe em sentido diverso para permitir o crédito, caso haja respeito ao previsto na própria lei complementar; ou seja, a existência de convênio. Por isso, entendemos o art. 8º, I da LC 24/75 como benefício e não obstáculo.
Com estas considerações, e para que não haja inadequação interpretativa dos dispositivos da LC 87/96 e da CF/88, adotamos homogeneidade na definição dos conceitos de imposto devido e de montante cobrado. Eles são os efetivamente incidentes.
CONCLUSÃO
Em resumo, verificamos, sob premissas específicas, que o artigo 8º, I da Lei Complementar 24/75 ao representar a possibilidade de exceção constitucional na concessão de crédito atende ao prescrito pelo princípio constitucional da não cumulatividade.
Se não houver convênio CONFAZ na concessão de incentivos ou benefícios fiscais, sob a ótica normativa do artigo 1º da Lei Complementar 24/75, aplica-se a regra-geral da não incidência, restando obstado o crédito fiscal do adquirente relacionado às correspondentes operações interestaduais.
Se houver convênio CONFAZ na concessão dos mesmos incentivos, permite-se, por exceção, o creditamento por parte dos adquirentes interestaduais.
Assim, a previsão do artigo 8º, I da Lei Complementar 24/75 não seria obstáculo inconstitucional ao creditamento; mas sim, benefício concessivo e constitucional desse crédito.
Se houver convênio, permite-se por exceção o crédito por parte do adquirente. Se não houver convênio, aplica-se a regra geral constitucional e não se permite o crédito em face da não incidência tributária.
BIBLIOGRAFIA
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. Malheiros, São Paulo. 13ª edição, 2009.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 16ª edição, 2003.
________. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. Saraiva, São Paulo, 7ª edição, 1999.
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MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. São Paulo, Max Limonad, 2001.
SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. PUC/SP, São Paulo, Max Limonad, 1999.
por Argos Campos Ribeiro Simões é Agente Fiscal de Rendas. Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo. Professor palestrante do IBET e COGEAE. Mestre e Doutor em Direito Tributário (PUC-SP)
Fonte: IBET
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