Diante de tantas notícias sobre a chamada “delação premiada” nos jornais, vale indagar sobre o uso desse instituto no âmbito tributário. Nesse sentido, há o interessante caso do direito norte-americano, que reconhece formalmente, nos termos do legislação do Imposto de Renda (“Internal Revenue Code“, §7623), o uso de whistleblowers – os delatores ou colaboradores – para descobrir fraudes em matéria tributária. Na verdade, existe até mesmo um gabinete responsável por lidar com essas “colaborações” dentro da Receita Federal dos Estados Unidos (“IRS”) . Outro aspecto interessante é que os delatores podem receber prêmios pelas informações fornecidas e essa recompensa pode chegar a 30% do tributo, multas e outros valores que forem cobrados como resultado da colaboração. Em 2014, o IRS concedeu 101 prêmios aos denunciantes, totalizando um pouco mais de 52 milhões de dólares, segundo consta no relatório sobre o programa que a Receita norte-americana é obrigada a enviar todos os anos ao Congresso Nacional. Constam ainda nesse documento outros aspectos importantes do programa, como o fato de que a lei não garante proteção ao denunciate contra retaliações – e, portando, ele está sujeito à demissão por parte do denunciado se, claro, este for seu empregador – e que nem todas as denúncias feitas em processo penal são inteiramente compartilhadas com a Receita.
No lado brasileiro, existe o parágrafo único do artigo 93 da Lei 4.502 de 1964, cuja redação é a seguinte:
“Art . 93. A fiscalização externa compete aos agentes fiscais do impôsto de consumo e nos casos previstos em lei, aos fiscais auxiliares de impostos internos.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não exclui a admissibilidade de denúncia apresentada por particulares nem a apreensão, por qualquer pessoa, de produtos de procedência estrangeira encontrados fora dos estabelecimentos comerciais e industriais, desacompanhados da documentação fiscal comprobatória de sua entrada legal no país ou de seu trânsito regular no território nacional“
Como se percebe, o mencionado dispositivo admite a colaboração de qualquer pessoa, não diferenciado entre os que estão envolvidos com o ilícito fiscal ou não. Também é interessante notar que a redação do citado artigo é direcionada para o imposto sobre consumo, o que, no entanto, não impediu sua menção expressa no artigo 908 do Regulamento do Imposto de Renda:
“Art. 908. O disposto neste Capítulo não exclui a admissibilidade de denúncia apresentada por terceiros (Lei n º 4.502, de 30 de novembro de 1964, art. 93, parágrafo único).
Parágrafo único. A denúncia será formulada por escrito e conterá, além da identificação do seu autor pelo nome, endereço e profissão, a descrição minuciosa do fato e dos elementos identificadores do responsável por ele, de modo a determinar, com segurança, a infração e o infrator“
Na esfera administrativa, é possível encontrar julgados que se referem à “denúncia de terceiros” e que, inclusive, reconhecem a possibilidade da Receita Federal do Brasil não fornecer ao denunciado o nome do denunciate, como se vê pela ementa transcrita a seguir:
“DECADÊNCIA. PRAZO INICIAL. OCORRÊNCIA DE DOLO, FRAUDE OU SIMULAÇÃO. Inicia-se a contagem do prazo decadencial no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser efetuado, quando comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. DENÚNCIA DE TERCEIROS. O art. 908 do RIR/99 prevê expressamente a admissibilidade da denúncia apresentada por terceiros, no contexto da fiscalização do Imposto de Renda. No parágrafo único do referido artigo, encontram-se os requisitos formais a serem observados pelo denunciante, de maneira a garantir que o instrumento da denúncia seja reconhecido pela autoridade fazendária. Não consta da norma que a identificação do denunciante deva ser franqueada ao denunciado. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INEXISTÊNCIA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO. Por absoluta falta de previsão legal, não há que se falar em prescrição intercorrente no processo administrativo tributário. ARBITRAMENTO DO LUCRO. Está sujeito ao arbitramento do lucro o contribuinte optante pelo lucro real ou presumido que deixar de apresentar a escrituração comercial e fiscal ou livro caixa, conforme o caso. OMISSÃO DE RECEITAS. PROVA. A existência de controles paralelos – cuja autenticidade e veracidade de informações restou comprovada – demonstrando que a receita efetiva era significativamente maior do que a declarada ao Fisco, autoriza o lançamento por omissão de receitas. IRPJ. ARBITRAMENTO DO LUCRO. APROVEITAMENTO DO IMPOSTO APURADO NA SISTEMÁTICA DO LUCRO PRESUMIDO. O imposto apurado pelo fisco através do arbitramento do lucro deve ser compensado com o imposto apurado pelo contribuinte na sistemática do lucro presumido. MULTA DE 150%. DOLO. SONEGAÇÃO. Cabível a aplicação de multa de 150% quando restar caracterizada a omissão sistemática e intencional de informações relevantes à administração tributária. LANÇAMENTOS DECORRENTES. CSLL. COFINS. PIS. Solução dada ao litígio principal, relativo ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, estende-se, no que couber, aos demais lançamentos decorrentes quando tiver por fundamento o mesmo suporte fático” (Delegacia da Receita Federal em Porto Alegre/RS, 5ª Turma, Acórdão n.º 10-41882 de 13 de dezembro de 2012)
Assim, embora a legislação permita que qualquer pessoa possa fazer denúncias (fundadas) sobre infrações tributárias, a situação brasileira é bem diferente da realidade do direito norte-americano e do que acontece no âmbito penal, já que a Receita Federal do Brasil não dispõe de autorização legal para oferecer prêmios ou negociar administrativamente com possíveis denunciantes acordos que revelem fraudes fiscais. De forma resumida, é possível afirmar que no Direito Tributário há denúncia, mas não “premiada”.
por Igor Alexandre
Fonte: Artigoi.com
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