No Brasil, as ações ao portador foram proibidas em 1990 (Lei Federal nº 8.021). A identificação de quem são os acionistas de uma companhia brasileira tornou-se obrigatória com a exigência legal das ações nominativas. Mas o anonimato teria se reduzido à denominação que a nossa lei atribui a esse tipo de empresa (sociedade "anônima") – não fosse a presença tão constante de offshores neste país.
Ainda hoje, tratando-se offshores sediadas nos chamados "paraísos fiscais", os sócios dessas empresas estrangeiras, que possuem bens, investimentos ou participações societárias no Brasil, permanecem no anonimato perante nosso Fisco. Pois a empresa estrangeira que aqui se estabelece é dispensada de apresentar a lista de sócios ou acionistas "quando for impossível cumprir tal exigência em decorrência da legislação aplicável no país de origem" (Instrução Normativa DREI nº 7, de 05/12/2013).
A legislação brasileira há mais de 20 anos já baniu o anonimato das ações ao portador em empresas nacionais
Após aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, na Câmara dos Deputados, esse projeto de lei seguiu ao Senado Federal, em 2013, quando, entretanto, o relator da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, Francisco Dornelles, recomendou rejeitá-lo.
Desde então, o PL nº 5.696/2009 ficou à deriva, apesar do apoio da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, dos auditores da Receita Federal e ainda dos procuradores da Fazenda Nacional – tal como relataram os drs. Heráclito Mendes de Camargo Neto e Filemon Rose de Oliveira, neste Valor Econômico, em 4/11/2011.
Segundo o parecer de rejeição, "os aspectos técnicos muito específicos" da medida não deixavam claro se a intenção era realmente inviabilizar a atuação de offshores "sem dono" no Brasil. De fato, nenhum problema jurídico há em constituir uma empresa em qualquer paraíso fiscal, desde que a offshore não seja utilizada para fins ilegais.
Convenhamos, não haveria outro propósito do PL 5.696 senão o de evitar práticas ilícitas relacionadas a offshores sediadas em paraísos fiscais e cujos donos são anônimos. Tanto que a própria justificação do projeto de lei as classificava como "uma forma de acobertar responsáveis pela prática de atos ilícitos amparada pela legislação infralegal brasileira".
Para o bom entendedor, aliás, basta relembrar que a legislação brasileira já há mais de 20 anos baniu o anonimato das ações ao portador, em empresas nacionais, claro, para impedir que operem no país negócios escusos que blindam seus controladores ocultos. Nenhuma lógica justifica um tratamento diferente às empresas estrangeiras.
Já ao mau entendedor, a dificuldade é que a indicação de sócios seria uma providência impossível de ser cumprida por sociedades com ações ao portador, ainda admitidas pela legislação de alguns dos paraísos fiscais. Uma falácia. A bem da verdade, aos portadores de ações que nada têm a esconder, é plenamente possível, sim, apresentar-se como donos de offshores cujas atividades sejam lícitas – a menos que sejam mesmo fantasmas.
Outro entrave ao projeto de lei, segundo Francisco Dornelles, seria a dificuldade de identificar todos os participantes de fundos de investimentos ou de pensão, que são pessoas jurídicas por equiparação, bem como de identificar todos os acionistas de sociedades que negociam ações em bolsas de valores, "pois o quadro societário muda a cada dia".
Como a finalidade do projeto de lei, porém, é chegar ao verdadeiro responsável pela empresa estrangeira, a priori basta saber quem são, respectivamente, os acionistas controladores e os administradores do negócio. Só isso. Se episodicamente necessário, basta à Receita Federal requisitar acesso à relação de todos acionistas, quotistas ou participantes de empresas, fundos de investimentos ou fundos de pensão estrangeiros, conforme o caso. Nada diferente do que ocorre com as companhias nacionais.
Foram essas as simples soluções trazidas pelo mais recente Projeto de Lei nº 1.573, de 2015, em trânsito na Câmara dos Deputados, cujo propósito é exatamente o mesmo: coibir o anonimato dos donos de offshores que se valem de laranjas, testas de ferro, empresas de fachada e afins.
Que o Parlamento não perca de novo o prumo na repressão aos fantasmas. Se servem para promover fraudes, desviar patrimônio e ocultar os verdadeiros donos do negócio, garantindo-lhes os lucros à margem de quaisquer responsabilidades, essas offshores é que devem ficar à deriva. Até mesmo porque fantasmas não são sujeitos de direito.
por Fabio da Rocha Gentile é advogado e sócio fundador do BGR Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte : Valor
Via Allfonsin.com.br
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